segunda-feira, 31 de julho de 2017

#LIBERTEM RAFAEL BRAGA

Amanhã (terça, dia 1/8) será o julgamento do habeas corpus impetrado pela defesa de Rafael Braga. 
Rafael foi condenado unicamente pelo testemunho de policiais do Rio. Seu crime: portar uma garrafa plástica de Pinho Sol nas manifestações de junho de 2013. Por causa disso, pegou 11 anos de prisão.
Seu caso é típico do racismo, elitismo (já que há milhares de homens brancos e ricos que foram flagrados cometendo crimes e nunca foram condenados), autoritarismo. Típico da injustiça do sistema judiciário brasileiro (e mundial), que sabidamente pune apenas os pobres. 
Seu caso está tendo repercussão internacional, angariando apoio de ativistas consagradas como Angela Davis
Angela, filósofa americana comunista, feminista, negra, ícone de luta, na década de 1970 esteve na lista dos mais procurados do FBI. Ela só conseguiu ser absolvida após uma campanha intensa exigindo sua liberdade
A hashtag #LibertemRafaelBraga já está agora nos trending tópics do Twitter. É preciso que permaneça lá. Todas nós ativistas devemos nos unir para impedir que o sistema mais uma vez esmague um jovem negro e pobre.
UPDATE em 8/8: O Tribunal de Justiça do RJ negou o pedido de habeas corpus a Rafael Braga, que continuará preso. Isso acontece no mesmo dia em que o playboy branco e rico Sérgio Sirotsky, de 21 anos, deixa de comparecer à delegacia pelo seu segundo crime

domingo, 30 de julho de 2017

NADANDO NAS LÁGRIMAS DOS HATERS

Muita lágrima pra pouca Lolinha (siga a seta amarela)

Quarta eu estava na Barra do Cauípe, Cumbuco (Caucaia), Ceará. 
Enquanto eu me divertia, nadava, curtia o sol e o maridão, os haters estavam nos seus porões, me xingando, ameaçando, fazendo montagens contra mim. 
Amanhã, se der, vou falar sobre a matéria de capa da Veja que estará nas bancas esta semana (mas já é possível lê-la aqui), sobre gangues virtuais que atacam pessoas (tipo eu) que criticam seus candidatos. (E gente, me comparar a um bicho majestoso como uma baleia, além de ser muito 4a Série B, não é nenhum insulto. Se me compararem a uma barata, eu me ofendo). 
Mas hoje é domingo, e eu notei que não tenho quase nada sobre Barra do Cauípe, onde já estive várias vezes. 
É lindo, como vocês podem ver. É o meu tipo de praia: lagoa de um lado, mar (com ondas de afogar Lolinhas) no outro. Óbvio que fico na lagoa. Eu e todo mundo, pelo jeito, principalmente quem faz kitesurf. 
Seta vermelha me identificando; atrás, uns 40 kitesurfistas
Não é muito perto (fica a uns 20 km do centro de Cumbuco), e não faço ideia de como se chega sem carro, mas vale a pena. Nos fins de semana fica super lotado, o que traz alguns problemas (gente que joga lixo na praia, carros com paredões de som, apesar das barracas proibirem). Nos outros dias é o paraíso. 
Não se enganem: a lagoa é funda. Rapidamente não dá pé. Porém, como as águas são calmas, não vejo problema. Creio que nos feriados e fins de semana tem salva-vidas. Nos outros dias, tem um posto de observação no meio da extensa faixa de areia que separa mar e lagoa, mas nem sempre vi alguém lá. 
O mar ao fundo, lá longe
Barra do Cauípe é sem dúvida meu lugar preferido em Caucaia (que tem as praias de Pacheco, Icaraí, Caucaia e Cumbuco, nessa ordem, vindo de Fortaleza, além da Lagoa do Banana e da Lagoa das Águas Cristalinas).
Mas acho que meus próximos feriados (quando serão? Quantos serão? Hmm... 7 de setembro, 12 de outubro e 2 de novembro todos caem na quinta, ótimo para feriados prolongados. Contando os dias já) eu vou passar mesmo em Barra Nova. Bom, pelo menos algum deles. 
Nos três dias que passamos em Barra Nova (costa leste do Ceará) e nos outros três dias em Tabuba (costa oeste), gastamos no total R$ 1.100, contando tudo (gasolina, pousada, AirBnb, comida).
São valores assim que me fazem pensar se o custo-benefício de viajar pra outro país compensa...
Só sei que o Caribe, que iremos conhecer em dezembro, vai ter que rebolar muito pra bater esses lugares maravilhosos do nordeste.

sábado, 29 de julho de 2017

FEMINICÍDIO: A DOR E REVOLTA DE PERDER UMA IRMÃ

Este é mais um caso de feminicídio... que não está sendo tratado pela polícia e, até pouco, pela mídia, como feminicídio. Precisamos fazer barulho para que este caso hediondo seja caracterizado pelo nome: feminicídio. 
Mayara Amaral, de 27 anos, era uma de nós. Feminista, professora, pesquisadora e musicista, ela desapareceu na última segunda. No dia seguinte, seu corpo foi encontrado carbonizado numa estrada em Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Antes, ela foi morta a marteladas num motel por dois homens, um deles também músico, com quem ela estava envolvida. Antes de atearem fogo ao corpo dela, eles chegaram a enterrá-la num quintal, mas mudaram de ideia.
Quer dizer: Mayara foi estuprada, morta a marteladas, enterrada e queimada por três homens, um dos quais um "caso", e não foi feminicídio? A polícia realmente vai acreditar que o trio fez tudo isso para roubar um carro velho que custava mil reais?
O delegado Tiago Macedo, responsável pela investigação, parece crer na versão dos assassinos -- de que Mayara quis estar no motel com eles (pra quê o martelo, então?), que eles a roubaram, e que só aí alguma coisa deu errado, e eles a mataram. A declaração do delegado é perturbadora: ele não apenas descarta o feminicídio, mas o próprio homicídio de uma mulher que foi assassinada. Eis o que ele disse ao Campo Grande News:
"Ao que tudo indica até o momento, não houve homicídio. O que aconteceu ali é que o autor, verificando a possibilidade de cometer um roubo, atraiu a vítima e teve como resultado deste crime, que é um crime contra o patrimônio, a morte da vítima. Nós verificamos que existe uma tendência das pessoas afirmarem que porque uma mulher morreu é feminicídio, mas isso não corresponde ao ordenamento jurídico".
Temos a polícia e a mídia para defender os assassinos e condenar Mayara. E temos o senso comum, que julga a musicista por ela ter ido a um motel com um dos homens. Como se isso fosse algum tipo de justificativa! 
Reproduzo o importante relato de Pauliane Amaral, irmã de Mayara. Pauliane publicou o texto na sua página no FB anteontem. Como a polícia ainda não ouviu a família, o relato de Pauliane é fundamental para que o assassinado da sua irmã (nossa irmã!) seja visto como feminicídio. 
Afinal, não foi uma mulher que foi assassinada aleatoriamente por dois estranhos, e depois queimada por mais um. Foi uma mulher que foi estuprada por dois homens, um dos quais era conhecido. Mayara foi morta por ser mulher.
Não ficará assim. Haverá protestos. Ouça Mayara, e leia o texto da Rede Sonora - Música e Feminismos sobre o caso, e o depoimento de Pauliane.
QUEM É MAYARA AMARAL?
Minha irmã caçula, mulher, violonista com mestrado pela UFG e uma dissertação incrível sobre mulheres compositoras para violão. Desde quarta Mayara Amaral também é vítima de uma violência que parece cada vez mais banal na nossa sociedade. Crime de ódio contra as mulheres, contra um gênero considerado frágil e, para alguns, inferior e digno de ter sua vida tirada apenas por ser jovem, talentosa, bonita… por ser mulher.
Mais uma vez a sociedade falhou e uma mulher, uma jovem professora de música de 27 anos, foi outra vítima da barbárie de homens que não podem nem serem considerados humanos. Foram três, três homens contra uma jovem mulher.
Um deles, Luis Alberto Bastos Barbosa, 29 anos, por quem ela estava cegamente apaixonada, atraiu-a para um motel, levando consigo um martelo na mochila. Lá, ele encontrou um de seus comparsas.
Em uma das matérias que noticiaram o crime, os suspeitos dizem que mantiveram relações sexuais com minha irmã com o consentimento dela. Para que o martelo então, se era consentido?
Estranhamente, em nenhuma das matérias aparece a palavra ESTUPRO, apesar de todas as evidências.
Às vezes tenho a sensação de que setores da imprensa estão tomando como verdade a palavra desses assassinos. O tratamento que dão ao caso me indigna profundamente.
Quando escrevem que Mayara era a “mulher achada carbonizada” que foi ensaiar com a banda, ela está em uma foto como uma menina. Quando a suspeita envolvia “namorado” hiper-sexualizam a imagem dela. Quando a notícia fala que a cena do crime é um motel, minha irmã aparece vulnerável, molhada na praia.
Quando falam da inspiração de Mayara, associam-na com a história do pai e avô e a foto muda: é ela com o violão, porém com sua face cortada. Esse tipo de tratamento não representa quem minha irmã foi. Isso é desumanização. Por favor, tenham cuidado, colegas jornalistas.
Para nossa tristeza, grande parte das notícias dão bastante voz aos assassinos e fazem coro à falsa ideia de que os acusados só queriam roubar um carro. Um carro que foi vendido por mil reais. Mil reais. Um Gol quadrado, ano 1992. Se eles quisessem só roubá-la, não precisariam atraí-la para um motel.
Um dos assassinos, Luís, de família rica, vai tentar se livrar de uma condenação alegando privação momentânea dos sentidos por conta de uso de drogas. Não bastando matar a minha irmã, da forma que fizeram, agora querem destruir sua reputação. Eis a versão do monstro: minha irmã consentiu em ser violada por eles, elas decidiram roubá-la, ela reagiu fisicamente e eles, sob o efeito de drogas, golpearam-na com o martelo – e ela morreu por acidente. 
Pela memória da minha irmã, e pela de outras mulheres que passaram por esta mesma violência, não propaguem essa mentira! Confio que a Polícia e o Ministério Público não aceitarão esta narrativa covarde, e peço a solidariedade e vigilância de todos para que a justiça seja feita.
Na delegacia disseram à minha mãe que uma outra jovem já havia registrado uma denúncia contra Luís por tentativa de abuso sexual… Investiguem! Se essa informação proceder, este é mais um crime pelo qual ele deve responder. E uma prova de como a justiça tem tratado as queixas feitas por nós, mulheres. Se naquela ocasião ele tivesse sido punido exemplarmente, talvez minha irmã não tivesse sofrido este destino.
Foi tudo premeditado: ela foi estuprada por dois desumanos.
O terceiro comparsa – não menos monstruoso – ajudou a levar o corpo da minha irmã para um lugar ermo, e lá atearam fogo nela, como se a brutalidade das marteladas no crânio já não fosse crueldade demais. Minha irmã foi encontrada com o corpo ainda em chamas, apenas de calcinha e uma de suas mãos foi a única parte de seu corpo que sobrou para que meu pai fizesse o reconhecimento no IML. “Parece que ela fazia uma nota com os dedos”, disse meu pai pelo telefone.
A confirmação veio logo depois, com o resultado do exame de DNA. Era ela mesmo e eu gritei um choro sufocado.
Eu vou dedicar o meu luto à memória da minha irmã, e a não permitir que ela seja vilipendiada pela versão imunda de seus algozes. Como tantas outras vítimas de violência, a Mayara merece JUSTIÇA – não que isso vá diminuir nossa dor, mas porque só isso pode ajudar a curar uma sociedade doente, e a proteger outras mulheres do mesmo destino.

UPDATE em 1/8: Polícia de Campo Grande diz que em nenhum momento descartou a hipótese do feminicídio no caso de Mayara, mas que as evidências apontam para latrocínio (roubo seguido de morte). Família de Mayara diz em entrevista que não condena a polícia e que concorda com a tipificação do crime como latrocínio, não feminicídio. Pauliane editou seu texto e retirou dele a palavra feminicídio

UPDATE em 5/8: Em entrevista, Luís Alberto Bastos Barbosa diz que agiu sozinho, e que só encontrarão as digitais dele no martelo. A delegada Gabriela Stainer confirma: Ronaldo não aparece nas imagens das câmeras do motel. Além disso, Luís conta que estava só quando ateou fogo no corpo de Mayara, e que Ronaldo e Anderson só foram chamados para se livrar do carro (pelo qual pagaram mil reais). Pela entrevista, pode-se ver que o roubo nunca foi sua motivação. Ele diz: "Fui movido pelo ódio porque tínhamos discutido e ela debochou da minha namorada. Chamei-a de vagabunda e ela me bateu. Tive um ataque de fúria, tinha bebido e cheirado". Ou seja, femicídio. Mas no Brasil a pena para quem mata para roubar um carro é maior que a de quem acaba brutalmente com a vida de uma mulher.


Ontem, em SP, aconteceu o ato de protesto Nós por Nós: ato contra o feminicídio e em memória de Mayara. Há também manifestações marcadas para Goiânia, Natal, Curitiba e Rio de Janeiro. 

sexta-feira, 28 de julho de 2017

COISAS DO LIVRO DE ATWOOD QUE FICARAM DE FORA DA ÓTIMA SÉRIE CONTO DA AIA

A esta altura, imagino que todo mundo conheça (e muita gente tenha visto) a excelente minissérie O Conto da Aia (The Handmaid's Tale), que vai continuar com uma segunda temporada. 
Espero que o pessoal esteja também correndo pra ler a grande distopia da canadense Margaret Atwood, publicada em 1985. Ela foi profética ao imaginar este cenário: acontece um ataque terrorista nos EUA. Os fundamentalistas cristãos culpam os terroristas islâmicos pelo ataque e aproveitam para instalar uma teocracia, a República de Gilead. Tiram todas as liberdades individuais, suspendem a Constituição, e decretam o fim de qualquer direito das mulheres.
O dinheiro que qualquer mulher tinha na conta é congelado, e só pode ser movimentado por um homem (marido, pai, irmão). Elas não podem mais ser contratadas para trabalhar, não podem aprender a ler. E as que sabem são proibidas de ler e escrever. O direito ao divórcio é anulado (há projeto aqui no nosso Congresso pra acabar com isso também). Resumindo: um pesadelo feminista, um sonho conservador.
Além disso, todos os negros são relocados para trabalhar nas fazendas do Sul dos EUA, como escravos. Isso é chamado de “relocamento dos Filhos de Ham” 
Marco Feliciano acredita que os
africanos foram amaldiçoados por
Deus
(Cam, em português. Esta é uma interpretação racista da bíblia que foi usada durante séculos para justificar a escravidão, e ainda é aprovada por gente como Marco Feliciano. Noé amaldiçoou Canãa, um dos filhos de Cam, e todos seus descendentes, a serem escravos. E Canãa é visto como quem populou a África, daí a associação). No livro, imagens de TV mostram uma cidade em chamas -- era Detroit. Na série, isso não existe. Tiveram que convencer Atwood a desistir do "relocamento". Explicaram que ficaria uma série racista, sem atores negros (como Moira, a melhor amiga da protagonista). 
Queria citar algumas outras coisinhas interessantes do romance de Atwood que não estão na série de TV (pelo menos na primeira temporada. Ou, se estão, não são tão desenvolvidas. O que não é nenhum demérito da série). 
Pouco depois da “catástrofe” (um atentado que mata o presidente, outro atentado contra o Congresso; suspensão da Constituição, jornais censurados –- “não houve nem protestos nas ruas”), a protagonista (que não tem nome no livro antes de virar "Offred", que significa "of Fred", pertencente a Fred; na série, ela se chama June) vai à lojinha da esquina onde ia com frequência, e encontra um rapaz, em vez da senhora de sempre. 
A protagonista pergunta: ela está doente?, e o rapaz responde, Quem? Ele digita os números do cartão dela na máquina, e nada: número inválido. Ela tenta ligar pra companhia, as linhas estão congestionadas. 
Ela chega ao seu trabalho, e o patrão chama todas as funcionárias e informa: “Sinto muito, mas preciso demiti-las. É a lei. Se vocês não forem embora agora eles vão entrar”. Elas olham pro escritório dele e veem soldados com metralhadoras. “'É ultrajante', uma mulher diz, mas sem acreditar. O que fez com que pensássemos que merecíamos isso?”, conta a narração. 
Sua amiga Moira expõe o que viu na TV: as mulheres não podem mais ter propriedade. Seu marido pode usar o cartão por você. Maridos ou parentes homens ficarão com o que tem na conta. Quando o marido de June chega, ele tenta consolá-la: "É só um trabalho. Você sabe que eu sempre cuidarei de você". E a narração: “Houve protestos, é claro, muitas mulheres e alguns homens. Mas eles foram menores do que se espera”. 
Tudo isso está mais ou menos na série. O que não está é que o marido quer fazer sexo naquela noite em que as mulheres perdem todos seus direitos. June, por incrível que pareça, não está no clima. 
“Alguma coisa tinha mudado, algum equilíbrio. Eu me senti diminuída. Ele não liga pra isso, pensei. Ele não liga mesmo. 
Flashback na série de TV: Luke, que é
negro, tenta fugir com June e filha
"Talvez ele até goste. Não somos mais um do outro, eu sou dele. Então Luke, o que eu quero te perguntar agora, o que preciso saber, é, Eu estava certa? Porque nunca falamos nisso. Na hora que eu finalmente podia falar, eu estava com medo. Não podia me dar ao luxo de te perder”.
No livro, as aias podem andar por onde quiserem. Ou, como explica a protagonista, “um rato num labirinto é livre para ir a qualquer lugar, desde que fique no labirinto”. 
Na praça, Offred vê um grupo de turistas japonesas. Ela estranha o esmalte, o batom, as saias curtas e os sapatos de salto alto (“delicados instrumentos de tortura”) usados pelas japonesas. Ela e sua companheira de caminhada, Ofglen, “estamos fascinadas, mas também repelidas. Elas parecem nuas. Levou tão pouco tempo para que mudássemos nossas mentes sobre coisas assim. Aí eu penso: eu costumava me vestir assim. Isso era liberdade”.  
Os turistas lhe perguntam, através de um intérprete, se elas são felizes. Elas não respondem nada, “mas às vezes isso é tão perigoso quanto não falar. 'Sim, somos muito felizes', eu murmuro. O que mais posso dizer?”
Na série, parte desse diálogo é substituído pelo encontro com a embaixadora mexicana.
Uma peça de teatro de 2015
As não-pessoas são mandadas pras colônias, onde elas enterrarão cadáveres e lidarão com resíduos tóxicos e alto nível de radiação. É o destino de mulheres estéreis e de outros detratores, como homossexuais e revolucionárixs que querem derrubar o regime. Adivinha pra onde são enviadas as feministas? A mãe de June, feminista das antigas, está nas colônias. 
As aias recebem a hostilidade das Marthas, das econoesposas, que cospem no chão quando as veem, e, logicamente, das esposas dos comandantes. Ou seja, de todas as mulheres, menos, talvez, das tias, que as instruem para serem aias e dizem que o futuro depende delas. 
As esposas se reúnem e conversam sobre as aias: “Pequenas prostitutas, todas elas, mas a gente não pode ser muito exigente. Algumas delas não são nem limpas. Não te dão um sorriso, não lavam o cabelo, o fedor. Você tem que ameaçá-la pra que ela tome banho”.
Uma das tias diz às aias: “Vocês são uma geração transicional. É mais difícil pra vocês. Sabemos dos sacrifícios que vocês têm que fazer. É difícil quando os homens te odeiam. Para as que vierem depois de vocês, será mais fácil. Elas aceitarão suas tarefas de coração aberto”. 
Um dos momentos mais chocantes da doutrinação das aias está na série. Uma das aias em treinamento, Janine, conta a história de quando foi estuprada por um grupo e teve que fazer um aborto. “Mas de quem é a culpa?” pergunta Tia Helena. “A culpa é dela, a culpa é dela”, as aias respondem em coro. “Quem os instigou?”, pergunta Tia Helena. “Foi ela, foi ela, foi ela”. 
“Por que Deus permitiu que algo tão terrível acontecesse?” “Dar-lhe uma lição. Dar-lhe uma lição”.
“Queremos que vocês sejam valorizadas, meninas. Pensem em vocês como pérolas”, diz uma das tias. E a narradora pensa em pérolas -- “cuspe de ostra congelado”.
No condicionamento, as aias têm que assistir filmes pornôs de estupro e morte, ver mulheres sendo espancadas, mutiladas, desmembradas. “Considerem as alternativas. Veem como as coisas eram? Era isso que pensavam das mulheres naquela época”, explica uma tia. Filmes pornôs violentos servindo pra lavagem cerebral e escapismo também aparecem em outra distopia/ utopia feminista, Mulheres à Beira do Tempo, de Marge Piercy (1976).
O comandante dá presentes a Offred: deixa que ela leia uma revista feminina (proibida), lhe dá creme pras mãos, a leva para um clube privê, apropriadamente chamado Jezebel's. Neste clube secreto para os homens da elite, mas financiado pelo estado, há prostitutas, mulheres vestidas de líderes de torcida, de coelhinhas da Playboy, todos os clichês. 
O comandante justifica: “Não se pode enganar a natureza. A natureza pede variedade para os homens. É parte da estratégia da procriação. As mulheres sabem disso instintivamente. Por que elas compravam tantas roupas diferentes, nos velhos tempos? Para fazer os homens pensarem que elas eram várias mulheres diferentes. Uma nova todo dia”. 
Ele segue se justificando: “O problema não era apenas com as mulheres. O problema maior era com os homens. Já não havia nada pra eles. Não havia mais nada pra eles fazerem com as mulheres. Sexo era fácil demais. Qualquer um podia comprá-lo. Eles estavam incapazes de sentir.”
Quando Offred vagamente reclama que a situação ficou horrível pras mulheres, o comandante explica: “Não se pode fazer um omelete sem quebrar alguns ovos. Pensamos que poderíamos fazer melhor. Melhor nunca significa melhor para todos. Sempre significa pior para alguns". 
Isso está na série, mas o resto do discurso, não: "Nós demos mais do que tiramos. Pense no trabalho que elas [as mulheres] tinham antes. Você não se lembra dos bares para solteiros, da indignidade dos encontros às cegas na escola? O mercado da carne. Você não se lembra da distância terrível entre aquelas que conseguiam um homem facilmente e as que não conseguiam? Algumas estavam desesperadas, elas morriam de fome até ficar magras, ou enchiam seus seios de silicone, ou tinham seus narizes cortados. Pense na miséria humana. […] 
"Desta forma todas terão um homem, ninguém ficará de fora. Quando elas conseguiam se casar, podiam ser abandonadas com um filho ou dois, o marido poderia se cansar e ir embora, desaparecer, elas tinham que depender do estado. Ou então ele ficava e batia nelas. Ou se elas tinham um emprego, as crianças ficavam numa creche ou com alguma mulher ignorante, e elas tinham que pagar por isso elas mesmas, tirando dos seus contracheques minguados. 
"Elas não tinham respeito como mães. Não é surpresa que eles estavam abrindo mão. Desta forma elas estão protegidas, elas podem cumprir seus destinos biológicos em paz”. 
E quando ele pergunta o que os fundamentalistas cristão que comandam Gilead esqueceram, a bobona responde “Amor” (porque sim, Offred é bem boba às vezes).
E uma coisa que está tanto no livro, no filme de 1990 (dirigido por Volker Schlondorff, com roteiro de Harold Pinter, e interpretado por Natasha Richardson, Faye Dunaway, Robert Duvall, Aidan Quinn), quanto na série de 2017, é o discurso de tia Lídia:
“Agora caminhamos na mesma rua, em pares vermelhos, e nenhum homem grita obscenidades para nós, fala com a gente, nos toca. Ninguém assobia. Há mais de um tipo de liberdade, liberdade para e liberdade de (freedom to e freedom from). Nos dias da anarquia, era liberdade para. Agora vocês recebem liberdade de. Não a subestimem. […] Nós éramos uma sociedade morrendo de liberdade demais”.
Tenho certeza que os reaças concordam.