Me apaixonei pela história desde a cena inaugural, que mostra uma foto descolorindo até desaparecer. Levei uns segundos pra descobrir que era de trás pra frente. Primeiro a foto pronta, depois seu sumiço progressivo. Apenas nesta seqüência tudo é literalmente ao contrário. Ficaria cansativo se fosse assim o resto do tempo. Mas a trama é contada do fim ao começo. Logo, logo, já sabemos como o filme acaba. Sabemos mesmo?
Um moço presencia sua mulher ser estuprada e morta. Ele passará sua existência procurando o assassino para vingá-la. Só que há um detalhezinho. Na ocasião, ele bate a cabeça e adquire uma deficiência estranha: de quinze em quinze minutos, ele se esquece do que aconteceu nos últimos quinze minutos. Mais ou menos a atitude que os brasileiros adotam em relação a seus políticos corruptos. Aliás, ele não se recorda de nada após o crime. Ele sabe quem é e seu objetivo, sem ter a mínima idéia do culpado. Suas pistas se resumem a tatuagens pelo corpo, fotos e anotações das mais banais, como “não atenda o telefone”. Ele não é ninguém sem papel e caneta para mementos. Ele é o oposto de Funes, o Memorioso, a imortal criação de Borges, que não consegue apagar nada de sua memória.
Há uma sub-trama igualmente instigante, de uma investigação de seguros para avaliar se indeniza um homem que diz estar sofrendo deste mal. Estará ele mentindo? Ele é mesmo incapaz de recuperar a memória? Até sua esposa desconfia dele, com trágicas conseqüências.
Como se nota, roteiro é o que não falta em “Amnésia”. Às vezes há detalhes demais, e a parte do meio torna-se um pouco confusa, desnecessária até. Sei que é heresia comentar isso, mas tomara que um dia lancem a “versão do produtor”, com o filme reestruturado em ordem cronológica, para que a gente possa entendê-lo melhor. Talvez esta seja a frustração – o fato de existirem várias pistas vazias e passagens mal explicadas. Porém, será que precisamos da compreensão tintim por tintim? Não dá pra interpretar e adivinhar aquilo que não está tão claro? Hollywood nos acostumou a querer tudo mastigadinho.
Guy Pearce está perfeito como o protagonista desmemoriado, melhor ainda do que em “Los Angeles, Cidade Proibida”. E Joe Pantoliano, o traidor de “Matrix”, é o vilão ideal, com seu sorriso aberto e falso. Tem mais “Matrix” no elenco: Carrie-Anne Moss, que entusiasma, apesar de seu personagem não ser tão saboroso. Este é, claramente, um filme de script.
E é um script bem trabalhado, que poderia inclusive ser enxugado aqui e ali, sem perder suas nuances. Há questões pertinentes. Carrie-Anne quer saber se vale a pena a vingança, se nosso herói não se recordará dela em minutos. “Talvez eu tire uma foto”, ele diz. Ele pergunta à esposa porque ela lê o mesmo livro tantas vezes, se a graça está em surpreender-se com o final. É a indagação que o espectador se faz aqui. E a resposta é que “Amnésia” é o tipo de suspense que dá vontade de assistir mais de uma vez. Não sei quem afirmou que “saber esquecer o mal é também ter memória”. Ou seja, nosso protagonista é definitivamente um amnésico.
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