segunda-feira, 24 de abril de 2023

O FIM DO TWITTER JÁ COMEÇOU

O bilionário Elon Musk continua firme com seu plano de destruir o Twitter, que ele comprou em outubro. Ele é tão competente que a plataforma já perdeu metade do valor que ele pagou. Hoje vale apenas 20 bilhões. 

Musk é um ativista da extrema-direita, como demonstrou um artigo do Atlantic no final do ano passado. Não foi à toa que a direita de todo o planeta comemorou a aquisição. O Twitter hoje promove o ódio. A BBC Brasil perguntou oficialmente ao Twitter por que permite perfis e tuítes que incentivam ataques a creches e escolas, por exemplo. A resposta foi um email com emoji de fezes. Musk já confirmou que essa é a resposta oficial da plataforma à imprensa do mundo inteiro. 

Uma de suas medidas mais polêmicas, além de demitir metade dos funcionários assim que assumiu a empresa, foi acabar com o selinho verificado. Ao contrário do que muita gente pensa, a verificação -- criada em 2009 principalmente para que pessoas não se passassem por celebridades -- não é vaidade. Era importante. Pelo menos, pra mim foi. Antes de conseguir o selinho (creio que em 2018 ou 2019), toda semana algum mascu desocupado fazia um perfil tentando se passar por mim. Era um saco, e eu gastava tempo e energia denunciando. Isso parou quando meu perfil foi verificado.

Agora Musk permite a verificação -- pra qualquer um que pagar 8 dólares por mês. Para organizações, ter selinho azul é mais caro, algo como mil dólares mensais. Como eu me recuso a enriquecer ainda mais um bilionário (que sequer devia existir), ficarei sem selinho. Não estou sozinha: o jornal New York Times, que conta com cerca de 55 milhões de seguidores no Twitter, anunciou que não pagará mil dólares por mês a Musk.

Em compensação, o maior perfil nacional socialista dos EUA (leia-se: nazista) festejou no início de abril que agora tinha selinho verificado. "Pagando bem, que mal tem?" deve ter se perguntado Musk. Em outras palavras: o perfil nazista não apenas não será proibido de espalhar ódio, como também receberá uma ajudinha do Twitter, que divulgará conteúdo de quem paga. 

Pra quem não tem o selo mas usa o Twitter pra acompanhar celebridades, por exemplo, a falta de selo verificado fará com que essas celebridades fiquem menos visíveis (depois de inúmeras críticas, Musk devolveu o selinho a quem tinha mais de um milhão de seguidores). Ficará mais difícil distinguir pessoas de verdade de imitações (tipo: já tem um perfil verificado da Monica Lewinski que não é dela). Nas recomendações "Para você" só aparecerão perfis que pagam a verificação. 

Ontem eu tive uma amostra grátis do inferno que se tornará o Twitter muito em breve. Um jornalista, André Fran (que tem 155 mil seguidores), lamentou a destruição da plataforma e chamou Musk de "incel frustrado". Veio um monte de gente defender o bilionário, o que não é novidade. A novidade é que vários desses defensores são perfis de extrema-direita com 10, 100, 200 seguidores, e já com o selinho azul. Ou seja, enquanto a gente de esquerda planeja ir embora do Twitter, a direita paga a verificação dos seus perfis. Aliás, quem está patrocinando esse bando de bolsonarento com selinho?

Na última quinta-feira, dia 20 de abril (por coincidência -- será? -- uma data sempre lembrada para cometer massacres, já que marca o aniversário de Hitler e o ataque em Columbine), o Twitter tirou a verificação de todos que não pagarem para ter o selinho azul. Dias depois, sem explicação, alguns perfis famosos com mais de um milhão de seguidores voltaram a tê-lo, mesmo sem pagar. Pior ainda: o Twitter mentiu que eles estariam inscritos no Twitter Blue. Felipe Neto, Ian McKellen e Stephen King foram alguns dos que reclamaram. Estão sendo usados como garotos-propaganda de Musk sem querer. Ah, e celebridades mortas, incapazes de se defenderem, também apareceram com o selinho sem pagar.

No mesmo dia que eu e milhares de pessoas perdemos nossas verificações, um mascu anônimo já veio aqui deixar sua ameaça: "Bom saber que vc está sem selinho agora e que qualquer um pode criar uma conta no seu nome e pagar o Blue, Dolores. Será divertido". 

Uma leitora perguntou o que eu iria fazer e eu respondi que não sabia. A minha fé é que mascus não têm sequer 8 dólares por mês pra dar pro Musk. E também, não estamos mais em 2018. Imagino que a maior parte das pessoas consiga diferenciar o meu perfil (com mais de 200 mil seguidores) de um perfil falso no meu nome com, sei lá, 100 seguidores. Aliás, fica a dica: qualquer perfil com selinho no meu nome não é meu. 

É uma droga ter mascu e neonazi tentando se passar por mim, mas já estou acostumada. Acho que já fizeram isso em praticamente todas as redes sociais. No Gab, que era considerado o Twitter da extrema-direita (daqui a pouco o Twitter da extrema-direita será o próprio Twitter), criaram uns 3 ou 4 perfis com meu nome. Pelo que vi, lá não tem nem como denunciar. Então eles ficavam lá divulgando montagens pornôs minhas e meu endereço residencial pra outros reaças. Mas nunca vi um prejuízo real vindo disso. 

Enfim. A tendência é que o Twitter diminua cada vez mais e seja usado apenas pela direita (tornando-se, assim, tão insignificante como o Gab), e que a gente descubra uma plataforma parecida, livre, mas que combata fake news e discurso de ódio (o Twitter já deixou claro que vai divulgar). E, se já tinha que ser muito otário pra defender bilionário de graça, agora tem gente pagando pra deixar bilionário ainda mais rico. É o cúmulo da ignorância.

quinta-feira, 20 de abril de 2023

NÃO PODEMOS VIRAR REFÉNS DO MEDO

Hoje o Brasil (e talvez outros países) amanheceu com medo. Afinal, 20 de abril é aniversário de Hitler e de Columbine, um massacre de 1999 nos EUA que ainda inspira vários psicopatas. 

Mas todos os anos têm um dia 20 de abril, e nem por isso escolas e universidades fecham suas portas ou pais deixam de enviar seus filhos às creches. É que talvez nunca no Brasil tivemos um 20 de abril como o de hoje. Agora tudo parece mais calmo, ainda bem, mas as últimas semanas foram trágicas (por isso também a minha ausência por aqui: muitas reuniões, muitas entrevistas e palestras -- além das minhas aulas, que eu não cancelei). 

O atentado numa escola em São Paulo, em que um aluno de 13 anos matou uma professora e feriu outras quatro pessoas, seguido por um massacre numa creche em Blumenau, em que um homem de 25 anos matou quatro crianças, deixou todo mundo apavorado e com um enorme sentimento de revolta e terror. Na mesma época e alguns dias depois, houve várias tentativas de atentados em escolas. E talvez o pior sejam as ameaças. Foram centenas. 

As pesquisadoras Letícia Oliveira, Paola Costa e Tatiana Azevedo fizeram um levantamento e constataram que o número de ameaças a escolas e universidades explodiu no dia 9 de abril, justamente para criar pânico. As pesquisadoras são 3 das 12 mulheres (eu inclusa) que elaboraram o relatório "O extremismo de direita entre adolescentes e jovens no Brasil: ataques às escolas e alternativas para a ação governamental", entregue ao governo de transição em dezembro de 2022 (ele pode ser lido aqui). O levantamento recente sugere que as ameaças podem fazer parte de uma rede estruturada com objetivo de gerar medo e pânico. Essa é uma hipótese levantada por bastante gente: que a extrema-direita esteja por trás desse clima de terrorismo (outro dado interessante desse estudo é que as comunidades de "true crime", que foram tomadas por perfis que fazem apologia a massacres, são grandes difusoras de ameaças).

Pessoalmente, eu nunca vi nada igual a esse clima de terrorismo. Lembro quando, numa sexta-feira 13 em abril de 2012, um mês depois da Operação Intolerância que prendeu dois mascus por um site de ódio, os rumores de um massacre na UnB eram tão fortes que a universidade cancelou aulas em alguns departamentos. Os mascus comemoraram, lógico. É o tipo de poder que eles gostam.

Lembro também da decepção que eles tiveram ao notar que o massacre de Suzano, em março de 2019, não gerou uma onda de ataques a escolas, como eles esperavam. Ainda assim, aquele ano foi terrível. Houve ameaças de atentados durante todo 2019. Felizmente, nada de concreto aconteceu. 

É inegável que os ataques a escolas no Brasil cresceu nos últimos anos, não por coincidência durante o mandato de um presidente fascista que nunca condenou esses ataques e que tem entre sua base mais fiel os perpetradores desses ataques. Foram 23 ataques nos últimos 21 anos. Mas mais da metade aconteceu nos últimos 15 meses, em 2022 e 2023. 

Só este ano a Câmara dos Deputados registrou dez projetos de lei referentes à segurança em creches e escolas. A maioria é para a instalação de detectores de metal e câmeras de segurança, mas o PL 1482/23, da autoria da deputada Professora Goreth (PDT-AP), propõe a criação do Programa Nacional de Promoção da Cultura da Paz nas Escolas. Nos últimos dias, tem surgido novos projetos, como é natural.

Para o Instituto Sou da Paz, "Tornar as escolas parecidas com prisões não resolve. O principal investimento deve ser identificar conflitos e lidar com eles, fortalecendo a estrutura escolar e a capacidade de professores e equipe técnica, além de trazer apoio à saúde mental dos trabalhadores e estudantes".

Logo em seguida a essa nova onda de ataques iniciada no final de março e início de abril, o governo Lula tomou providências. Além dos R$ 150 milhões liberados para os municípios usarem em programas de ronda escolar, pesquisa, diagnóstico e capacitação em segurança; monitoramento de ameaças em ambientes cibernéticos, e prevenção à violência, e mais R$ 100 milhões para guardas municipais, o governo lançou uma portaria que busca responsabilizar as plataformas na internet, e um canal de denúncias, o Escola Segura. Também ampliou de 10 para 50 o total de policiais federais dedicados ao rastreamento digital (o que parece pouco).

Flavio Dino apresentou na terça, dia 18, os números do enfrentamento à violência contra escolas. Em dez dias, 225 presos ou apreendidos, 694 intimações de adolescentes para depoimento, 155 operações de busca e apreensão, 1.595 boletins de ocorrência. São 1.224 casos em investigação, 756 remoções ou suspensão de perfis em redes sociais. Ministério da Justiça já recebeu 7.473 denúncias de ameaça a escolas.

Os números comprovam que não são casos isolados. Segundo o ministro: “Há uma rede criminosa estruturada para recrutar nossa juventude para o mal”.

A sensação que temos é que esta semana está mais tranquila, e não é só sensação, os números comprovam. No dia seguinte à tragédia em Blumenau, a média era de 400 denúncias. A quantidade saltou para 1.700. Nos últimos dias, caiu para 170, um décimo da média anterior.  

Nessa mesma reunião da terça que reuniu os três poderes para combater a violência nas escolas, foi apresentada uma cartilha de Recomendações para Proteção e Segurança no Ambiente Escolar. Lula disse que resumiria a reunião em uma frase do ministro do STF Alexandre de Moraes: "as pessoas não podem fazer nas redes sociais aquilo que é proibido na sociedade".

Até agora, hoje está sendo um dia tranquilo, mas muitas escolas não tiveram aula. Recebi vários relatos de pais que não tiveram coragem de mandar os filhos pra escola. Entendo o medo, mas não podemos virar reféns dele. Não podemos deixar que um grupinho de neonazistas misóginos decidam quando devemos estudar e trabalhar. Precisamos de uma cultura de paz para enfrentar o ódio. E esse é um esforço contínuo, que não se esgotará em abril. É um trabalho de anos. Vamos vencer.

segunda-feira, 3 de abril de 2023

O QUE MAIS SE SABE SOBRE O ATENTADO NA ESCOLA

Hoje faz uma semana que um adolescente de 13 anos matou a facadas a professora Elisabeth Tenreiro, de 71 anos, feriu outras três professoras e um aluno na escola estadual Thomázia Montoro, em SP, e foi apreendido. Foi pelo menos o décimo ataque em escolas brasileiras nos últimos nove meses.

Em depoimento à polícia, o adolescente disse que não gostava do pai, que o pai batia nele com cinta e que também era agressivo com a mãe, e que pensou em matá-lo quando tinha onze anos. Mas alegou que não foi isso que o levou a cometer o atentado, e sim o bullying que dizia sofrer por sua aparência. Segundo ele, era chamado de "rato de esgoto" por alguns colegas. Ele já planejava o ataque havia dois anos, inspirado em Columbine.

No dia 7 de fevereiro, ele enviou a seguinte mensagem pelo WhatsApp a um colega: "Vc vai morrer. Vc tá fudido. Vou matar vc e sua mãe fdp". A mãe do menino ameaçado (de 12 anos) viu a mensagem uma semana depois e escreveu: “Vou na escola hj mostrar o tipo de conversa que vc tem com as pessoas. Aqui ninguém tem medo de vc não”. Três minutos depois, o adolescente pediu desculpas, disse que era só brincadeira, e implorou para que ela não contasse: "vc não conhece meus pais". A mãe fez a coisa certa: foi à escola e denunciou a ameaça.

Até o início de março, o adolescente estudava em outro colégio, na escola Estadual José Roberto Pacheco. Um mês antes do atentado, os pais do garoto foram chamados para conversar sobre o comportamento suspeito do filho. Além da ameaça de morte a um outro aluno, ele já pedido a uma aluna um isqueiro e gasolina, mostrado a colegas imagens suas portando armas de fogo, e elogiado outros massacres. Toda essa comunicação com os pais foi registrada em ata. Ou seja, eles sabiam que o filho tinha "interesse em realizar uma chacina". O pai agiu com indiferença, disse que estava tudo normal e que a arma era dele. 

A vice-diretora da escola mostrou à Polícia Civil não só a ata da reunião com os pais, mas também o boletim de ocorrência que registrou. Ela repassou o que sabia ao Ministério Público, que não fez o que deveria a tempo. A promotoria só apresentou o pedido de internação compulsória um mês depois do boletim de ocorrência. 

Ao que me parece, a escola agiu muito corretamente: pediu que os pais levassem o adolescente para um exame no Capsi (Centro de Atenção Psicossocial Infantil) para ver se ele teria condições psiquiátricas de seguir no colégio. Os pais apresentaram somente um laudo preliminar, e a escola recusou que o garoto continuasse a frequentar as aulas. No dia 1o de março, os pais então transferiram o filho para a escola Thomázia Montoro. No dia 27 de março, ele cometeu o atentado lá. 

A polícia já ouviu quarenta pessoas, entre elas um aluno que conversou com o adolescente no banheiro antes das facadas (o menor negou qualquer participação), e outro que pode ter instigado o assassino nas redes sociais. Ainda há bastante para se desvendar, mas eu fico imaginando a reação de todo mundo que havia alertado sobre o comportamento perigoso do adolescente. Não há dúvida que ele deu sinais claros do que iria fazer.

Mais duas notinhas relacionadas: Há seis meses houve um ataque à uma escola em Barreiras, BA. Uma aluna cadeirante de 19 anos foi morta a tiros e facadas por um adolescente de 14 anos, frequentador de fóruns de ódio, que tinha pegado a arma do pai, que é policial. Uma coisa que eu ainda não sabia: o adolescente ficou tetraplégico.

A mãe do jovem de 18 anos que em agosto do ano passado tentou realizar um massacre em Vitória, ES (felizmente ele foi impedido e hoje está preso) deu uma entrevista dizendo: "Não sei como comunidades na internet capturam e seduzem esses jovens, mas parece que pescam mesmo essas possíveis vítimas para poderem fazer de soldado deles". Essa mãe não desconfiou de sinais bastante evidentes de que o filho pode estar radicalizado, como pedir livro para "entender a mente de Hitler", querer vestir capa preta e coturno, se interessar por armas de fogo, não demonstrar mais afeto, idolatrar atiradores de massacres, e frequentar comunidades de ódio na internet. De novo, algo que repito há anos: pais, vocês precisam saber o que seus filhos fazem na internet e conversar com eles.