terça-feira, 27 de novembro de 2001

CRÍTICA: AI INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL / Mais artificial que inteligente

Era uma vez um cineasta bilionário que sofria da síndrome de Peter Pan. No futuro, a gente vai se referir ao Spielberg deste jeito. O Steven é um adulto em miniatura, uma criança com barba. Esta infantilidade excessiva lhe serviu muito bem em “ET” e na série Indiana Jones, mas compromete seu produto mais recente, “AI – Inteligência Artificial”. “AI” é um filme com dupla personalidade, já que foi imaginado por Kubrick e realizado por Spielberg, diretores com estilos radicalmente opostos. Eu disse dupla? Múltipla personalidade cai melhor. Aliás, é esquizo mesmo.

A primeira parte é brilhante. Um robô-mirim é criado para substituir o filho de uma família. Sua única função é amar sua nova mãe incondicionalmente e para sempre. Ao mesmo tempo que o andróide é carinhoso, ele também é assustador. Nesta época, ele ganha um ursinho de pelúcia gracinha mas que só me lembrava do Chucky, o brinquedo assassino. Tudo vai mais ou menos bem até que o filho original sai do coma e os conflitos pela atenção da mãe começam. É de cortar o coração. Quando a mãe abandona o robô e seu ursinho numa floresta, o cinema virou um vale de lágrimas. Um grandalhão do meu lado chorava desconsoladamente. Ninguém manipula a platéia como o Steven.

Aí o filme entra no seu segundo capítulo, que ainda é instigante. De repente nos deparamos com o Jude Law interpretando um andróide-prostituto. Não tem nada a ver com a seqüência anterior. O filme muda de tom completamente. Mas vá lá, o Jude é um amor, se bem que ele parece um gigolô de dar corda, uma fantasia juvenil do que um robô-amante deve ser, não o que nós mulheres gostaríamos. Por isso que, entre o ursinho e o Jude, eu tive mais vontade de ficar com o peludinho. Bom, por algum motivo meio mal contado, o Jude também vai parar na tal floresta. E ele, o robô-mirim e mais um bando de sucata protagonizarão uma “feira da pele”, em cenas que, se você está pensando em levar a criançada ao cinema, desista. Aqui o Steven é cruel.

A produção sofre outra guinada e muda novamente de tonalidade quando o trio dinâmico encontra uma espécie de Las Vegas do sexo. A gente sente que “AI!” tem problemas porque, em uma só fase, Steven tenta apelar aos adolescentes para, em seguida, exibir um desenho animado mais adequado à turminha dos 7 anos. Pros robôs saírem de lá e adentrar na quarta parte, só com a ajuda de um helicóptero. E não é que surge um do nada? É precisamente aí que o filme descamba de vez. Ainda se salvaria se terminasse quando o menininho se joga de um edifício, mas não. Nesta ocasião, “AI!” continua por mais meia hora, no mínimo. Vira um “Você Decide”. Steven decide nos brindar com pelo menos uns cinco finais diferentes, todos fajutos. Saímos da sessão chupando o dedo, ainda que a concentração de chuif-chuif tenha sido enorme.

Mil perdões por contar o filme inteiro. É que, infelizmente, Steven transforma o que poderia ser uma discussão moral sábia em um conto de fadas. Não precisava. A gente já desconfiava que o Steven acredita em Papai Noel, fadinhas, discos voadores, inocência eterna etc. É meio gato por lebre. Vamos na esperança de ver algo como “Blade Runner” e somos presenteados com “Pinóquio”. E a culpa é 100% do Steven. Ele até escreveu o roteiro. O título do conto original que inspirou a história é bárbaro: “Superbrinquedos Duram o Verão Todo”. Note que não é a vida toda, só o verão.

Haley Joel Osment (ainda dá tempo de abreviar o nome) está ótimo como o robozinho, embora o ursinho roube as cenas com sua voz à la HAL, o computador de “2001”. “AI!” tá cheio de homenagens a Kubrick, como se essas referências a um diretor mais cerebral transformassem, por osmose, o Steven em um piá mais crescidinho. Tudo é questão de gosto. Tem crítico aclamando “AI!” como o melhor Spielberg. De modo geral, esses experts também tentam nos convencer que os extraterrestres do fim não são ETs. É só impressão nossa que eles sejam a cara dos fininhos de “Contatos Imediatos”. Pra mim, “AI!” é mais artificial que inteligente.

4 comentários:

Rodrigo Mendes disse...

Discordo totalmente de você, mas apreciei o seu texto, genial ponto de vista.
Acho o filme uma obra prima, mas imagino que ficaria ainda melhor se Kubrick o tivesse dirigido. Superaria Blade Runner e até mesmo 2001 e sem dúvida seria uma fita estéril.

Abs.
Rodrigo

Felipe Cardoso disse...

os seres do final não são necessariamente aliens... já ouviu falar da singularidade?

Chicazil disse...

Lolinha, também discordo. A.I. está entre meus filmes favoritos. Não tenho conhecimento profundo de cinema e diretores assim como vc deve ter, mas gostei muito do filme, chorei de soluçar quando ele encara a estátua da fada azul para "sempre", de madrugada e meus pais me mandando dormir. Mas um fato que concordo é que não tinha percebido como o filme muda de assunto e vira de uma crítica à moral em um conto de fadas... Há e quando o helicóptero aparece é para pegar robôs velhos na floresta para destruir naquela arena, então não é do nada e o Jude está fugindo justamente desta turminha do terror que destrói robôs velhos e sem licença, porque ele tirou sua licença para não ser encontrado com o sangue de uma humana nele e ser acusado de assassinato, e enfim destruído, lembra?... ^^ Pois é, mas adorei a crítica... muita coisa que eu não tinha percebido assim como na crítica sobre "A procura da felicidade". \o

Anônimo disse...

Como se critico de cinema tivesse alguma importância...