segunda-feira, 26 de novembro de 2001

CRÍTICA: TRAFFIC / Drogas, tô fora; Traffic, tô dentro

Até que enfim "Traffic" estreou na cidade onde moro! Passamos do filme-droga que obstrui as salas para o filme sobre drogas. É um avanço. E faz tanto tempo que não assisto à uma produção boa que nem me lembro mais como elogiar. Vou tentar. Antes de rasgar a seda, expressão que nunca entendi, uma crítica: custava traduzir o título para o português? Era só tirar um f e acrescentar um o, não era tão trabalhoso. Desconfio que deixaram assim com o único objetivo de me irritar. Pessoal misericordioso, por favor: a pronúncia correta é tráfic (ênfase na primeira sílaba), não trafíc. Obrigada.
Como o drama tem uns 110 personagens que falam, fora os figurantes, e quase todos aparecem de cara, devo confessar que demorei um pouquinho pra me entrosar. "Traffic" é um desses filmes que não fazem grandes concessões ao público, e o começo é confuso. Mas depois, com um mínimo de concentração, as coisas vão se encaixando. Talvez meus neurônios tenham se atrofiado após tantas sessões hollywoodianas. "Traffic" faz bem à saúde mental, força a reflexão, é cinema adulto e inteligente, aleluia.
Só que não é uma obra-prima. Conta umas quatro histórias paralelas: a de um juiz que chefia o combate às drogas na terra das oportunidades, a de sua filha de 16 anos, viciada, a de uma mulher rica que descobre que seu prestigiado marido é um enorme traficante, e a de um policial mexicano que observa a disputa entre dois cartéis. Todas as tramas são interessantes, e cabe a você decidir qual sua sequência preferida. A minha é a da socialité atônita que, sem dinheiro para pagar as dívidas do esposo encarcerado, cruza a fronteira para negociar a continuação dos negócios escusos. A tecnologia criou um brinquedo feito de cocaína compressada e inodora que, dissolvida, se transforma em mercadoria. O chefão cucaracha pede que ela prove a droga, e ela, grávida de seis meses, se recusa.
Ouso dizer que as cenas que menos me agradam são as filmadas no México. Nu
m tom sépia, elas são empoeiradas e meio cansativas. Meu maridão comentou estar convicto que o Benicio Del Toro mereceu o Oscar de coadjuvante, embora não tenha conseguido ver sua atuação. Mas não ligue pro que o senil diz. Vários críticos, principalmente brasileiros, se chocaram com a maneira que a América Latina é retratada como vilã no filme. O México é produtor de drogas, corrupto, sujo, usa tortura... Ahn, perdão, mas não compreendi a indignação. Será que deixamos de ser terceiro mundo e ninguém me avisou? Tudo bem, vou riscar Cancún das minhas férias.
"Traffic" lembra a gente de um detalhe: que traficante só vende porque tem quem compre. E o maior consumidor de drogas é os EUA, evidentemente. O atual presidente de lá, o Sr. Moita, é um ex-usuário de cocaína. O que já inspiraria uma ótima campanha anti-tóxicos. Imagina, você quer usar drogas e fazer companhia àquele debilóide? Ou senão algo do tipo "jovem, cuidado. Isso (mostra a foto do Bush) pode acontecer com você".
De minha parte, eu não apenas nunca utilizei drogas, como também nunca senti vontade. Já me ofereceram maconha diversas vezes, mas pararam depois que eu fiz 20 anos (umas décadas atrás). Acho que eu não poderia nem que quisesse. Meu organismo é totalmente proibitivo aos entorpecentes. A marijuana me faria engasgar com a fumaça, seria um vexame. Cocaína não dá; vivo resfriada com o nariz entupido. Comprimidos tipo ecstasy? Minha garganta trava e demoro três horas pra engolir uma pílula. Substâncias injetáveis, você deve estar brincando – se eu gostasse de picada, há um ninho de marimbondos aqui perto. Sobrou o quê, chá de cogumelo? Admito que já provei caldo de champignon, e isso não me deu nenhum barato.
Aceite o conselho de uma viciada confessa em chocolate: vá ver "Traffic", reflita sobre como manter adolescentes longe do tóxico, discuta a legalização da maconha, pense sobre penas alternativas para dependentes e sobre como evitar que pobres se tornem traficantes. "Traffic" não traz respostas, mas abala muitas certezas.

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