quarta-feira, 30 de setembro de 2015

MODUS OPERANDI DE ALGUMAS FEMINISTAS

De uma das minhas comentaristas favoritas, Roxy Carmichael, no post em que eu declarei que amo homens e veio um monte de gente nos comentários tirar minha carteirinha de feminista:

Um ano atrás
Modus operandi: 
1. deixar comentários anônimos raivosos em blogs que se dedicam a uma militância política diferente da militância do sujeito (sujeito, aliás, que não cria seus próprios espaços de militância)
2. generalizar uma experiência pessoal
3. fazer uso de estatísticas imaginárias
4. vomitar ressentimento
5. fazer uso de essencialismos
6. fazer uso de maniqueísmos
7. apelar para um pessimismo paralisante
8. não dialogar com o contraditório, mas querer destruí-lo
9. não entender as potencialidades da diferença e buscar a homogenização
10. não cruzar importantes variáveis de distintas experiências sociais para entender a complexidade do mundo e, em vez disso, fazer uso de uma única "teoria" distorcida pra se moldar unicamente aos problemas e interesses próprios.
Depois das dicas, Silvio Santos faz a pergunta de 1 milhão: quem é que utiliza esse modus operandi?
a) masculinistas?
b) feministas radicais?
c) seres do esgoto que comentam em grandes portais?
Eu respondo que esse É o modus operandi desses três sujeitos políticos.
Uma questão: a revolta do oprimido não deve ser jamais colocada em pé de igualdade com os mecanismos de opressão. Daí que ninguém vai dizer que essa revolta por mais vinda do fígado que venha, poderá ser comparada ao aparato violento do opressor. 
Agora, discurso de ódio É discurso de ódio. sabe quando a gente diz que pra ser racista não é preciso pendurar um negro numa cruz e botar fogo e sim desumanizar o negro no discurso mais explícito e mais sutil no dia a dia?
Ódio não é só quebrar lâmpadas na cabeça dos gays, é também negar que eles possuem uma orientação tão legítima quanto qualquer outra. É entender que ele pode ser filho, pai, amigo, marido, profissional, frequentador de restaurante, qualquer coisa, assim como qualquer pessoa com qualquer orientação sexual. 
Mas o que é que a gente tá vendo aqui? Que o homem é ontologicamente mau. Que ele não é humano. Ele é um monstro programado pra degradar, odiar, humilhar. Que ele NATURALMENTE odeia mulheres. E o pior não é nem isso. É que o reverso é igualmente falso e perigoso: a mulher é boa por natureza e cuidadora. Pera aí, achei que esse era o discurso machista pra confinar as mulheres em casa cuidando das gerações passadas futuras!
O coletivo opressor não é formado por monstros e o oprimido, não é formado por seres elevados moral e eticamente. É formado por pessoas com todas as suas contradições! Não lutamos porque as mulheres são mais justas e por isso merecem estar no topo da hierarquia "educando" e punindo os homens, que são seres ontologicamente maus.
Não, as mulheres não são mais justas MESMO. Lutamos porque a igualdade é a única forma aceitável de viver em comunidade, em sociedade. lutamos para que os bons, os maus, os nem tão bons, os nem tão maus gozem dos mesmos direitos e deveres.
A única coisa que esse discurso de vocês faz é reduzir pessoas a uma caricatura. Homens e mulheres! Porque se usa uma leitura muito, mas muito limitada e distorcida pra entender o mundo. Porque não se quer dialogar, se quer destruir. Esquecem que o mundo é heterogêneo e complexo, embora, seja regido sim por sistemas bem estabelecidos de poder. Onde existe poder, existe resistência. O sistema de poder é sim bem estabelecido, mas ele é instável. E é por isso que o discurso do medo é disseminado com tanta facilidade. 
Todas e todos nós deve-
ríamos ser feministas, diz
Chimamanda 
Ao invés de ficarem nessa viagem de nazismo (comprando uma visão maniqueísta de Hollywood do mau absoluto e da vítima total e denunciando que você só pode ser branco porque só tem essa referência de opressão, curiosamente, as pessoas brancas), por que não se recupera por exemplo a luta pelos direitos civis nos Estados Unidos? Protagonizada com muita garra e sangue pelos negros, mas com o apoio de muitos brancos, pois é o mesmo coletivo que estava ali obrigando os negros a sentarem no fundo do ônibus.
Mas como são oprimidas por um lado e privilegiadas por outro, esquecem que existem sim cruzamentos entre as identidades: as mulheres são oprimidas pelos homens, mas as mulheres brancas ganham mais que os homens negros. Porque as mulheres brancas chegaram aqui como colonas e os homens negros como escravos. Dizer que mulher não pratica bullying, não é racista, não é classista, é tão absurdo como quando os mascus dizem que eles são bonzinhos num mundo cheio de mulheres escrotas. 
Agora deixa eu só contar uma coisa pra vocês: vão lá perguntar pras mulheres negras se eles odeiam os homens. Quem tem coragem de perguntar isso pra uma mãe ou uma mulher que tá lutando pra que o filho negro ou o marido não seja morto pela policia, não seja tratado sem dignidade pela imprensa em busca de um bode expiatório? 
As mulheres negras criaram uma associação pra lutar pelos direitos dos filhos delas e isso é uma questão totalmente feminista que passa batido pelas feministas brancas que não têm a capacidade de olhar ao redor e ver que o mundo não é o umbigo delas.
Outra questão que alguém aqui levantou e acho importantíssima recuperar é: o oprimido tem que ter cuidado pra não lutar pra obter os privilégios do opressor e sim, pra destruir o sistema de privilégios. E isso parece óbvio, mas não é. 
Combater supervilões é sopa. Combater
misoginia é o verdadeiro desafio.
Não quer "educar" homens? Não eduque! Eu particularmente acho duma arrogância isso de "educar". Prefiro falar em diálogo porque respeito meus interlocutores. Agora faça-me o favor de não levar o debate pra esses termos tão umbiguistas e infantis.
Passar bem.

terça-feira, 29 de setembro de 2015

GUEST POST: QUEM NÃO SE DÁ AO RESPEITO?

William me enviou este texto sobre algumas moças que tiraram o sutiã num show do Rock in Rio.
Fui pesquisar um tiquinho pra poder ilustrar este post e descobri que, no festival de 2001, o baixista da banda americana Queens of the Stone Age ficou nu no palco (e até recebeu ordem de prisão). Por isso, durante o Rock in Rio 2015, num grupo de Facebook, mulheres fãs do grupo planejaram fazer topless durante a apresentação.
Só não podiam imaginar que tem um bando de marmanjo que pelo jeito nunca viu peitos na vida. Conta pra gente, William:

Estou mandado este e-mail para contar um episódio de machismo que ocorreu bem ao meu lado no Rock in Rio e que me fez ver o quanto a falta de respeito e a violência contra a mulher estão enraizadas na nossa sociedade.
Estava em frente ao palco durante o show da banda Queens of the Stone Age e durante a música "Smooth Sailing" uma garota de cabelos castanhos com pontas vermelhas subiu na cacunda de um cara usando na parte de cima apenas um sutiã vermelho. Na hora que ela subiu já começou um coro de homens gritando "Tira, tira, tira". Mas eis que ela tira o sutiã e começa a dançar e a sacudir o sutiã. 
Achei bem legal, pois a menina estava mandando um foda-se pra sociedade e quebrando tabus, pois apesar de ser comum em shows na Europa as mulheres mostrarem os seios, sabemos que aqui no Brasil não é assim. 
O cara que a levantava começou a andar mais pra frente, tentando aproximá-la do palco, e então começou a falta de respeito. Um cara levanta a mão e aperta os seios da garota, que logo tira a mão do cara, e então dezenas de mãos começaram a subir e a apertar os seios dela. Ela tentava tirar, mas não tinha como, pois os homens não paravam. 
Era aquele velho pensamento machista: se ela está mostrando os seios, é porque é puta e quer que apertem. Me senti extremamente envergonhado, imaginei os caras da banda que sou fã vendo aquilo e pensando "Que merda de país", e eu mesmo pensava "Que merda de país, que merda de caras sem noção". A menina não aguentou o tanto de mãos lhe apertando, e voltou a por o sutiã. 
Então mais pra trás, outra menina incentivada pela coragem da primeira fez o mesmo. Sobe na cacunda de um cara e também tira o sutiã. E o que ocorre? Mais do mesmo! O cara que a carregava tentou se aproximar do palco e inúmeras mãos subiram e apertaram os seios da menina, que tirava as mãos dos caras. 
Já quase no final da música, as duas meninas ficaram mais ou menos uma ao lado da outra, e a primeira voltou a tirar o sutiã, e agora paradas no mesmo lugar, ninguém mais mexeu com elas. E elas curtiram o final da música mostrando os seios e cantando sem ninguém incomodá-las. 
Mais pra trás uma terceira chegou a mostrar os seios da mesma forma, mas essa tirou o sutiã e colocou de volta rapidamente, para que não ocorresse o mesmo que ocorreu com as outras.
No fim da música elas desceram da cacunda dos caras e não as vi mais. 
Ao fim dos shows, encontrei um casal de amigos e contei o que ocorreu, e para meu espanto, a resposta dos dois foi "Elas que pediram". Questionei e falei que não, que elas tirarem o sutiã não dá autorização a ninguém de passar a mão. Meu amigo concordou, mas falou que ainda assim achava errado uma mulher mostrar os seios daquele jeito. 
Já a namorada dele tinha uma opinião pior, falava que era culpa delas e que elas queriam que os homens passassem a mão e que elas era putas que não se davam o respeito
Esse é o pensando da maioria dos brasileiros. Pensamento que legitima estupro de mulheres bêbadas, legitima estupro de mulheres que saem pra balada, que usam roupas curtas etc. Pensamento de que a mulher precisa "se dar o respeito". 
No fim, um ato que começou mostrando o poder e a liberdade da mulher terminou mostrando (mais) um show de machismo e violência. 
Sou homem mas simpatizo com feminismo, e amo seu blog. Sempre aprendo muito com ele. Continue seu difícil trabalho.

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

POR UM DEBATE SOBRE A LEGALIZAÇÃO DO ABORTO SEM RELIGIÃO NO MEIO

Para certos padres, debate é ler sinopse de documentário 

Na quinta, dia 24 de setembro, aconteceu no Senado a quarta audiência pública para debater a Sugestão Legislativa número 15 (SUG 15), que permitira o aborto no SUS até a 12a semana de gravidez (assista!). Eu falei da terceira audiência aqui.
A ativista Teresa Blandón contou o caso de seu país, a Nicarágua, que é horrorizante e mostra bem o que pode acontecer no Brasil se os fundamentalistas cristãos forem bem sucedidos. O aborto terapêutico, ou seja, quando há risco para a vida da mulher, era permitido na Nicarágua desde 1879, mas foi proibido em 2006, para tirar a atenção da população dos escândalos de corrupção na política. Assim, num país em que 28% do total de gestações ocorrem em garotas com menos de 18 anos, o aborto passou a ser criminalizado em todos os casos. 
O que aconteceu? A Nicarágua, que já tinha altas taxas de mortalidade materna (125 mortes para cada 100 mil nascidos vivos), viu os números dispararem. Em dois anos, 2012 e 2013, 47% das mortes maternas poderiam ter sido evitadas se, em caso de risco de vida para a gestante, a gravidez tivesse sido interrompida. 
Outra coisa chocante que vem junto com a ideia de dar mais direitos a um ser antes de nascer do que a uma mulher, e que muitos desconhecem: gestantes com câncer não recebiam tratamento para combater a doença, pois os remédios que poderiam salvar a mulher poderiam também matar o feto. E, quando tem que escolher quem salvar, uma mulher ou um embrião, os "pró-vida" nunca hesitam.
O palestrante seguinte, José Estáquio Diniz Alves, doutor em demografia, fez um discurso bastante monótono sobre dados populacionais. Na realidade, sua fala foi quase idêntica à de Viviane Petinelli e Silva, que discursou na última audiência, em agosto, só que Alves usou essas estatísticas para se posicionar a favor da legalização.
Padre Stepien em evento com Matheus
e seu assessor Emerson, DF 2014
O próximo palestrante foi um senhor que conheci de vista em Brasília na terceira audiência, quando ele segurava entusiasmado uma faixa escrito "Brasil vivo sem aborto!" (o ponto de exclamação nunca falta). Poucos dias depois, para o meu espanto, vi que o mesmo padre apoiou um candidato a deputado federal pelo PSDB nas eleições de 2014 -– um candidato que ganhou a mídia na época por suas posições misóginas e, recentemente, por ter ameaçado a presidenta em vídeo
Emerson e o padre, dois pró-vida
Durante a campanha, o padre inclusive posou para fotos com o candidato e um de seus assessores, Emerson Rodrigues, masculinista e neonazista que foi condenado a mais de 6 anos de prisão por ter sido co-autor de um site de ódio que, entre outras aberrações, defendia a legalização da pedofilia e do estupro (mas era, sim, contra o aborto: até pregava pena de morte para mulheres que abortam e para feministas que lutam pela legalização do aborto, porque, né, mascus também são pró-vida). 
Certo, não sei por que fiquei surpresa com o apoio do padre a misóginos, visto que, para a igreja católica, aborto é um pecado muito maior que estupro.
Na audiência de quinta chamaram este padre, diretor nacional do Pró-Vida, para basicamente ler capinha de dvd de documentário da década de 80, O Grito Silencioso.
Padre Stepien não está atualizado: pelo jeito não sabe há um outro documentário mais recente, Blood Money, para contar mentiras sobre o aborto. E nem que O Grito Silencioso já foi completamente desmoralizado há três décadas através das sátiras de um excelente cartum político, Doonesbury. 
Garry Trudeau ainda faz cartum
sobre aborto (2012)
Na ocasião, o cartunista Trudeau fez várias tirinhas provando a farsa que era o filme. Numa delas, colocava a suposta neutralidade do documentário em xeque ao dizer "Agora vamos falar com a própria assassina" (e mostrava uma mulher que havia abortado). Noutra, indicava que o feto (que tinha até nome, Timmy) era um pontinho. Ao apagar o pontinho, o narrador dizia "Adeus, Timmy. Você será lembrado. Temos certeza que suas últimas palavras foram 'Proíbam o aborto!'" 
Quando não estava lendo capa de dvd de um filme ridículo com três décadas de idade, padre Stepien repetia as bobagens de seu colega, Padre Paulo Ricardo, sobre as teorias da conspiração. Novamente, aprendo que nós feministas somos financiadas pelas Fundações Rockefeller e Ford (e, novamente, gostaria de avisar os patrocinadores: meu cheque ainda não chegou este ano). 
O padre também falou contra anticoncepcionais e educação sexual. Numa explicação bizarra de que a vida começa na concepção, o padre disse: "Óvulo fecundado de um casal branco no útero de uma mulher negra vai nascer uma criança branca". Não sei quanto a você, mas toda vez que vejo padres e pastores falando sobre um assunto que desconhecem tanto, como gravidez e aborto, a Rachel baixa em mim. 
O próximo palestrante (como tem homem pra falar sobre aborto!) foi Nazareno Vasconcelos, integrante do Movimento Brasil Movida do DF. Ele disse ser feminista, apenas não abortista. "Hoje temos até o direito ao planejamento familiar", ironizou ele. E reclamou que um ovo de crocodilo tem direito à vida, mas um embrião humano, não. Ele também mencionou as consequências negativas do aborto para a mulher. Se esses dados fossem divulgados, segundo ele, menos mulheres abortariam. 
Vasconcelos ao menos foi criativo numa parte, quando declarou que o Estatuto do Nascituro tem o nome errado. Deveria ser o "estatuto da mulher gestante". Porém, a fala paternalista e patriarcal que resumiu seu discurso (e que é representativa de tantos homens) foi: "Precisamos defender as nossas mulheres". "Precisamos" -– eles homens -– defender "nossas mulheres" (perceba o possessivo), que obviamente não conseguem se defender sozinhas, fracas que são. E defender de quem, se fundamentalistas cristãos querem mais é que a gente morra?
Senador Paulo Paim e o médico
O debate subiu imensamente de nível quando começou a falar Olímpio Barbosa Moraes Filho, vice-presidente da Comissão Abortamento, Parto e Puerpério da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia – FEBRASGO. Ele disse que todos somos contra o aborto; logo, a questão é como resolver o problema, tratando-o como uma questão de saúde pública, ou criminalizando a mulher. 
E lembrou que o aborto é permitido em praticamente toda a Europa, inclusive na Itália, onde fica o Vaticano. "Será que há um conluio de todos os médicos do mundo, de todos os países desenvolvidos do mundo, para lidar com o aborto?", perguntou. Ele defende que o Brasil siga o exemplo dos países desenvolvidos que respeitam os direitos humanos e legalize o aborto. 
Como em resposta ao palestrante anterior, o médico afirmou: "O maior dano para a mulher é tirar dela o direito de decidir". Sendo bem tratada no hospital, segundo ele, ela sairá da condição de vulnerabilidade. E ele acabou com a argumentação de Vasconcelos. Disse que todos os dados apresentados pelo "pró-vida" sobre depressão após realizar um aborto eram verdadeiros -- só que apenas em casos de aborto clandestino. Quando o aborto é legalizado, isso muda de figura.
Moraes Filho também disse que é católico e trabalha com católicos e espíritas. Porém, como médico, tem o dever ético de acolher a mulher, dar informações, e respeitar seu direito previsto em lei. "Não podemos confundir nossa fé com atividade médica", declarou ele, ao falar da objeção de consciência. Ele deu o ótimo exemplo de um médico que é testemunha de Jeová -- poderia ele recusar-se a fazer uma transfusão de sangue num paciente em nome de sua religião?
Faço da cara dele a minha ao ouvir
alguns de seus colegas na mesa
O palestrante afirmou que todo mundo sabe onde fica uma clínica clandestina que faz aborto em Recife, mas ninguém cogita em fechá-la, porque é lá que as filhas e esposas dos deputados abortam. O médico de lá cobra 3 mil reais por aborto, segundo Moraes Filho. Se fosse uma clínica de pobre, ela seria fechada, e o médico, preso. 
Mas talvez sua melhor argumentação foi no final da audiência, quando ele decidiu falar a quem inventa que 80% da população é contra o aborto. Ele disse que, se perguntassem a ele, "Você é contra ou a favor do aborto?", ele responderia que é contra. Mas se perguntassem "Você é contra ou a favor do aborto se a mulher pode morrer se continuar com a gravidez?", ele diria que é a favor. "Você é contra ou a favor do aborto em caso de estupro?", ele responderia: a favor. E assim por diante. O médico foi brilhante.
Já a doutoranda e mestre em Direito Stela Barbas, de Portugal, veio ao Brasil para não falar nada que se aproveitasse, sinceramente. Ela declarou que sente-se em casa debatendo no Brasil e que ninguém duvida que um embrião é um ser humano. Questionou se, quando o pai é contra o aborto, "não tem o direito de ficar com o próprio filho?" 
Também fez umas afirmações muito estranhas, como "Todo ser humano tem direito à vida independente de sua raça. Não vamos abrir portas". Mais estranho ainda porque logo depois ela disse que nem todas as características são desejáveis, e mesmo assim todos devem poder nascer. 
Maria José Rosado Nunes, coordenadora geral do Católicas pelo Direito de Decidir e socióloga da USP, lembrou que a maioria das mulheres que abortam já são mães, e que o Estado é laico. "Não nos enganam discursos vindos do campo científico ou jurídico mas que não escondem seu caráter religioso", disse. Entre outras declarações, falou que o discurso moral das religiões não pode ser uma doutrina para toda a sociedade e que a própria consciência é que deve ditar as regras: "A ilegalidade do aborto é a defesa da morte" (seu discurso na íntegra pode ser lido aqui).
Certamente quem fez as afirmações mais estapafúrdias de toda a manhã (e olha que ela estava concorrendo com um padre!) foi Adelice Leite Godoy D'Ávila, integrante do Movimento Pró-Vida de Campinas, que inventou que nos EUA se pode fazer aborto até um dia antes do parto. Ela citou que, quando o aborto foi legalizado em Nova York, décadas atrás, havia filas quilométricas de carros em frente às clínicas
Sempre se superando, D'Avila disse que ativistas querem convencer as mulheres a abortarem, a acabar com a moralidade acerca do aborto. E aí ela falou de infanticídio que, segundo ela, seria o próximo passo. Mentiu que mesmo o aborto legal é crime, só não é punível. 
Pra finalizar, repetiu as besteiras do Padre Paulo Ricardo: "Somos um país soberano e não devemos nos submeter a uma elite globalista". 
Como disse alguém no Twitter, a fonte dela só pode ter sido... o Facebook. 
Quando o debate foi aberto para o público, Regiane Souza disse que é pobre, negra, foi estuprada por um traficante, e que teve sua filha fruto de um estupro. Afirmou que, se houvesse acompanhamento familiar, nenhuma mulher abortaria. Deputados e padres a aplaudiram de pé. Afinal, o que eles querem é proibir o aborto em todos os casos, inclusive nos de gravidez decorrente do estupro.
Paula Viana, enfermeira, parteira, feminista há 30 anos, disse que sentiu-se ofendida ao ser comparada a uma crocodila. Chamou as pessoas com argumentação tão pobre e que desvirtuam tanto o debate de "pró-morte", e destacou a importância das feministas: "Nós é que tiramos o véu desse tabu [do aborto]". Dirigiu-se a Regiane, dizendo que bom que ela pode escolher. "É isso que queremos: que as mulheres possam escolher. Por isso trabalhamos no pré-natal, pela humanização do parto". Apesar de contar com apenas três minutos, Viana fez um dos discursos mais contundentes da manhã.
Outra ativista, Angela Freitas, disse: "Defendo até a morte, se for preciso, que uma mulher que não deseje fazer aborto não o faça, mesmo em caso de estupro. Mas também defendo que ela tenha o direito à escolha". Apontou como os "pró-vida", através dos programas religiosos num Estado laico, fazem propaganda anti-aborto o tempo todo, com muito dinheiro à disposição. E depois falam de grupos feministas que recebem dinheiro, de teorias da conspiração... Mas quem tem monte de grana para investir e toda a mídia para comprar são eles, não nós.
Um deputado desses reaças disse que qualquer tentativa de legalizar o aborto é um golpe de Estado. É, ele realmente disse isso. E, para completar, uma professora da UFC, só pra me matar de vergonha, anunciou para logo mais a anual marcha contra o aborto na Praia de Iracema, Fortaleza. Não dá pra perder, porque a cidade sempre fica coberta de outdoors anunciando a marcha (quem será que financia? Ou o dinheiro cai do céu?).  
Enfim. Hoje é dia da luta pela legalização e descriminalização do aborto na América Latina e no Caribe. Enquanto a maior parte do mundo permite o aborto há décadas, aqui ele ainda é proibido, e os fundamentalistas cristãos trabalham para proibi-lo em todos os casos. 
Eu e tantas outras feministas batalhamos para legalizá-lo, para que mulheres parem de morrer ao terem que se submeter a abortos clandestinos e inseguros. 
Não sei quem nem quando alguém respondeu a esta pergunta, mas assino embaixo: