segunda-feira, 26 de novembro de 2001

CLÁSSICOS: TAXI DRIVER / Um pesadelo ambulante

"Você tá falando comigo? Com quem diabos você tá falando? Tá falando comigo? Bom, eu sou o único aqui." Um dos monólogos mais famosos da sétima arte está à sua inteira disposição em vídeo e DVD. Trata-se do impagável Robert de Niro sacando um revólver em frente ao espelho, desenvolvendo seu potencial psicótico em "Taxi Driver". Se você já viu o filme, reveja. Se não viu, aproveite o momento em que este clássico comemora 25 anos para se deliciar.
"Taxi Driver" estreou em 1976, ganhando a Palma de Ouro em Cannes e levantando um monte de polêmica. Não é pra menos. O filme de Scorcese expõe uma Nova York podre, onde um motorista de táxi veterano do Vietnã entra cada vez mais fundo no poço de sua depressão. Por não conseguir dormir, ele resolve salvar o mundo nas horas vagas. Escolhe uma prostituta-mirim que não deseja ser libertada e assassina seu gigolô (o da menina, bem entendido) à sangue frio. Vira herói imediatamente. Onde mais um sujeito pode sair atirando por aí e tornar-se um modelo de moral? Na América, lógico, a terra das oportunidades.Mas não dá pra falar de "Taxi Driver" sem mencionar Paul Schrader. Este elemento muito estranho escreveu o roteiro em dez dias. Sua infância foi traumática: seus pais, calvinistas holandeses (religião descrita por ele como "uma forma permanente de depressão suave"), o chicoteavam diariamente por qualquer motivo e consideravam TV, cinema e rock expressões demoníacas. Schrader só viu o primeiro filme aos 17 anos, sendo abatido por um incontrolável sentimento de culpa. Quando ele e o irmão redigiram um script, a mãe enviou-lhe uma carta: "eu e seu pai sentimos falta de vocês no céu". Schrader era tão paranóico que dormia com uma pistola na boca, como se fosse uma chupeta. Contemplava o suicídio a toda hora; tinha tendências sado-masô. No final dos anos 70, já um diretor (pouco depois faria "A Marca da Pantera" e "Gigolô Americano") e roteirista conhecido, estava gastando 12 mil dólares por mês – em cocaína.
Travis Bickle, o personagem principal de "Taxi Driver", é seu alter ego. Um cara solitário, anti-sociável, com fixação por armas. Pra mim, uma das cenas que transmitem todo este universo doentio ocorre quando Travis conhece uma assistente de uma campanha política, uma mulher bastante refinada, de um extrato
social superior ao dele. Ele a convida para um cineminha, e ela surpreendentemente aceita. E onde ele a leva? Para assistir a um filme pornô. Imagina só levar uma garota para uma fita de sexo explícito no primeiro encontro! Não é bem coisa de gente ajustada (que provavelmente só faz isso no terceiro ou quarto encontro). Mais tarde, Travis flertará com a idéia de liquidar o político que a moça representa, para chamar sua atenção, sabe. Na manhã da estréia do drama, Schrader dormiu demais e chegou atrasado. Mas a produtora de "Taxi Driver" encontrou um amigo saindo da sessão. Ela notou que ele havia detestado a obra. Em 1981, John Hinckley, que encarava "TD" como seu filme de cabeceira, atirou no presidente Reagan (aquele que meus adolescentes, alunos das melhores escolas, nunca ouviram falar. Mas também, ele foi apenas o presidente do maior império da terra durante, o que, oito anos?! Mixaria). A produtora reviu seu amigo e disse, sorrindo: "viu? Até que ‘Taxi Driver’ não era tão ruim assim". Ele respondeu, rápido e rasteiro: "Se fosse bom mesmo, Hinckley teria matado o Reagan". Outra personagem fundamental é Jodie Foster, que tinha 14 aninhos quando interpretou a prostituta de "TD". Ela também foi perseguida por um maníaco durante um bom tempo. Há quem defenda que o autor do atentado a Reagan fez isso para impressioná-la. Funcionou, não funcionou? Jodie já era uma veterana das câmeras desde aquele lendário anúncio da Coppertone, em que um cãozinho morde seu calção e revela seu bronzeado infantil. "TD" foi sua primeira indicação ao Oscar. Ela não ganhou, mas Scorcese, em compensação, recebeu várias ameaças de morte por ter exposto a menina a tamanhas perversões. Entre tantos acontecimentos bizarros, as filmagens mostraram que o que separa realidade e ficção não passa de uma linha tênue. Esta mistura se repetiu em "O Rei da Comédia", também de Scorcese, também com De Niro, também sobre um fora-da-lei transformado em celebridade da noite pro dia. E aqui registre-se uma opinião ousada desta que vos fala, e que você raramente ouvirá de outros críticos: "O Rei da Comédia" é mais perturbador e bem-sucedido que "TD", embora não conte com a enigmática trilha sonora de Bernard Herrmann, o compositor predileto de Hitchcock. O destino quis que Herrmann falecesse na manhã seguinte ao término de seu trabalho em "TD". E por falar em fim, quase que "Taxi Driver" acabou com um "X-rating", classificação dedicada a filmes pornôs e que limita drasticamente as chances de bilheteria. Scorcese foi capaz de driblar a censura saturando as cores na violentíssima sequência final. Para ele, a mudança cromática tornou as imagens ainda mais chocantes. Por causa da barbárie, um crítico declarou que o motorista do filme em questão é seu próprio passageiro, um que ameaça levar os outros para uma voltinha. Portanto, se você já acha que adentrar num táxi é uma experiência traumática (em NY, nenhum motorista fala inglês. Em SP, todos tentam te convencer que o Maluf rouba mas faz e, logo, é o melhor candidato, mesmo quando não há eleições à vista), imagine depois de assistir a este clássico. Pois é, entre ver as produções sangrentas de hoje e as obras-primas dos 70, eu sigo os passos de uma das apresentadoras loiras que se confundem entre si e que canta: "vou de tááááxi".

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