segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

CRÍTICA: TRANSFORMERS / Brincando de destruir carrinho

É uma série de TV? É um brinquedo dos anos 80? É um pretexto pra merchandising? Não, é “Transformers”, o mais novo arrasa-quarteirão. E no fundo é tudo isso mencionado acima também, como se o filme se contorcesse um pouquinho lá, esticasse um tiquinho ali, e virasse qualquer bugiganga que os produtores queiram vender. Os transformistas do título são seres extraterrestres não biológicos e não vegetais, meio pilhas, como o coelhinho da Rayovac, só que versão grandona e menos fofinha. Não sei se nomes como Megatron, Bubblebee, Supra Sumo Alguma Coisa, quero dizer, Optimus Prime (olha só que apelido pretensioso – e esse é um dos robôs bonzinhos!), te dizem algo. Eles já destruíram o planeta deles e agora vieram acabar com o nosso. Isso traz lembranças do que os EUA costumam fazer com outros países, mas o legal é que toda vez que há uma ameaça externa os americanos nos salvam. É mais ou menos como o valentão da escola que bate em todos os coleguinhas, mas os protege quando um valentão de fora invade seu domínio. No caso, os transformistas vêm à Terra em busca de um playground particular, onde possam se auto-aniquilar e perseguir um cubo (tá, eu dormi em algumas cenas). E boa parte da aventura é justamente isso: um monte de ferro velho se chacoalhando e se chocando contra outras latarias.

Como todos os transformistas são iguais e têm a voz idêntica, não pude distinguir um do outro. Se bem que sou do tipo que consegue diferenciar apenas um Fusca de uma Kombi. O maridão jura que os transformistas bonzinhos eram coloridos. Mas há um adolescente da espécie humana na jogada, pro público-alvo se identificar com alguém. É quase um sonho erótico prum teen. Imagina alguém chegar e declarar, na frente da garota que você quer conquistar, que o destino da humanidade depende de você. E, pra coroar, que seu avô foi um dos exploradores mais importantes da História. É claro que no final o protagonista deixará de ser virgem e terá um carrão à disposição, e se tudo isso vier acompanhado da salvação do planeta, pô, melhor ainda.

No começo “Transformistas” é puro “Christine, o Carro Assassino” (um ótimo filme trash, por sinal, que fala mais sobre a relação máquina-homem que o chato “Crash” do Cronenberg). Você não escolhe o carro, o carro é que te escolhe. E o carro ainda determina as musiquinhas que a rádio vai tocar. Tem também um toque de “Repo Man, A Onda Punk”, e, bom, bastante de “Comboio do Terror”, uma das maiores bombas de todos os tempos (dirigido pelo Stephen King, que quis provar que De Palma e Kubrick não sabiam o que estavam fazendo quando adaptaram “Carrie” e “O Iluminado”). A melhor referência é mesmo à “Kill Bill”, quando um carro surge todo pintado, e ouve-se a música que acompanhou Uma Thurman em sua moto amarela.

Os efeitos especiais são massa, no início. Depois cansam. Adorei o rádio-gravador se transformando num Gremlin de metal. Fiquei pensando nos perigos que minha sanduicheira representa à humanidade. E gostei de um dos transformistas, imagino que um vilão, chamando um ser humano de “nojento” e jogando-o pra escanteio, como se fosse uma barata. Mas pra mim a aventura sobe de nível quando surge um John Turturro (de “Faça a Coisa Certa”, “Barton Fink”, “Quiz Show”) exagerado e engraçado. O problema é que ele some após um tempo e a trama o esquece. O Jon Voight, que nunca mais foi o mesmo depois de ser cuspido por uma Anaconda, não se sai bem como o Secretário de Defesa. Ele desaparece e aparece no fim, mas o Turturro não deixa rastro. Vai ver que ele já tinha coletado o cachê.

Somos misericordiosamente poupados do heroísmo do presidente americano. Em compensação, temos o Secretário e os soldados ianques, pra quem “perder não é uma opção”. Uma mensagem pior que a outra, tudo em nome da liberdade. E por pouco os EUA não entram em guerra contra o país errado... de novo. Aqui parece que os inimigos de plantão são Irã, China e Rússia. Mas mesmo a lavagem cerebral ideológica cede aos encantos da venda de produtos. Por exemplo, eu ignorava que a Nokia era finlandesa, não japonesa. Não sei como consegui viver até hoje sem saber disso.

Acho que esta aventura do Michael Bay (“Armageddon”) custou uns 150 milhões de dólares. Com esse dinheiro, dava pra construir um depósito de lixo intergalático e jogar lá todas as velharias dos americanos. Mas não se pode esperar muito de um filme baseado em robôs gigantes. É pros meninos que gostam de brincar de destruir carrinho. Já disse que o herói é um teen, pros adolescentes se identificarem com ele? Bom, tem uma hora em que um dos robôs, não me lembro se um bonzinho ou malvado, faz xixi em alguém. Eu me identifiquei com a vítima.

CRÍTICA: RATATOUILLE / Quem mexeu no meu queijo?

Meu editor disse ter mais pavor de animação que de rato, então não vai ver “Ratatouille”. Como eu ainda temo mais roedores que desenhos, fui lá prestigiar a mais recente produção da Pixar, que os críticos americanos amaram. Dão uma nota média de 95. É que todo mundo adora a Pixar, o caviar da animação. E “Rata” é bonito e até ousado, a começar pelo título. Nas 262 vezes que vi o trailer, eles explicavam como se pronuncia. Viu como Hollywood é cultura? A gente até aprende francês!

Se bem que, na bilheteria, o pessoal se referia ao filme como “o do rato”. A gente deve ser mesmo obcecada por roedores, porque, do Mickey ao Ben (subtítulo: “O Rato Assassino”), eles sempre têm muito destaque. Eu cresci ouvindo que existem sete ratos pra cada humano. Faz tempo que doei os meus pra caridade, mas de vez em quando meus gatinhos me trazem algum de presente. Rato é menos asqueroso que barata, por exemplo, porque pelo menos é mamífero. Dizem que tem um DNA muito parecido com o do maridão. Bom, o ratinho de “Rata”, que sonha em ser cozinheiro, é pequeno, azul, tem focinho e orelhinhas rosas e grandes olhos, mas corrijam-me se eu estiver errada: ainda é um rato! Pode ser o melhor cozinheiro do mundo, e mesmo assim eu não gostaria de ter meu prato manuseado por um rato, ainda mais um rato francês, que não deve ser muito chegado à água. Se pelo menos fosse um hamster... Eu já tive um, e eles são fofinhos. Seguram biscoito com as duas patas e armazenam comida em suas bochechas. Ou seja, tem alguma coisa na minha cultura que me ensinou que rato é nojento, e hamster é uma gracinha. Meus gatos não aprenderam isso e, pra eles, tudo é refeição e pretexto pra brincar, com a desvantagem de hamster não ter cauda pra ser separada do corpo.

Também é cultural o que a gente aprende a gostar de comer e a não gostar. Desde o começo colocamos tudo na boca. Cabe aos nossos pais a responsabilidade de gritar “Feio! Feio! Isso não!” ao experimentarmos uma meleca ou uma lagartixa (e depois querem nos deseducar, dizendo que lesma é nojento, mas escargot é o que há). Não sei exatamente como chegamos a celebrar a culinária francesa, aquela que serve um pratão imenso com um rocambolinho no meio, a preços proibitivos. Mas pelo menos os franceses têm o hábito salutar de vetar crianças em certos restaurantes. Confesso ter pensado nisso durante a sessão, já que uma mãe levou seu bebê de colo para assistir à animação... e o bebê não parou de chorar e gritar um minuto.

O filme em si é bem mais silencioso, cheio de humor físico, inclusive com poucos diálogos, porque os ratos falam entre si, mas não falam com humanos (e não vestem roupinhas, graças a Deus! Alguns até andam de quatro!). Esse tipo de humor cansa um pouco (rato fugindo de velhinha com espingarda, rato fugindo de cozinheiros com faca, rato puxando cabelo humano). Na realidade, há momentos mais assustadores que engraçados, como quando o rato é exibido numa terra de gigantes, correndo pra não ser pisoteado ou atropelado. Faz dias que venho refletindo sobre como nós, humanos, somos dos maiores bichos da Terra. Estamos entre os mais altos e pesados (falo por mim). E, no entanto, somos mestres do universo apenas pelo detalhe do polegar opositor.

“Rata” quase poderia se chamar “Entre Ratos e Homens”, já que o universo gastronômico mostrado é totalmente masculino. Há apenas uma fêmea com falas no desenho. E há dois vilões, um com feições africanas, o que pega mal, e outro, um crítico, que mais ou menos se redime no final. As mensagens são todas nobres: roubar é errado, lavar as mãos antes de tocar em comida é importante. Mas o principal recado é que os críticos são as piores pessoas do mundo. O fim reserva um enorme sermão clamando que a pior porcaria é mais valiosa que uma crítica. Eu senti o baque. Tá, sei que um filme custa incomparavelmente mais caro, envolve a contratação de gente, leva um tempão, usa mais talento e criatividade que eu ao redigir um texto, mas não venha me dizer que, sei lá, “Minha Mãe Quer que Eu Case” é melhor do que qualquer outra coisa feita no planeta.

Estranho que um diretor tão badalado quanto o Brad Bird (de “Os Incríveis”) tenha que apelar pra esse tipo de discurso anti-crítica. Eu não daria nota 95, mas gostei muito de “Rata”. A cena em que o rapaz precisa jogar no rio o ratinho preso num vidro é a melhor. Partiu meu coração e me fez pensar em nunca mais matar um ratinho. Minha única reclamação é que as seqüências de comida animada não atiçam o paladar. “Rata” não é um “Festa de Babette” ou um “Chocolate”, que faz a gente sair da sessão e ir direto manjar. Mas o filme celebra o ato de comer, de como comer é um ritual social e prazeroso. Mulheres, não deixem que nos privem disso!

domingo, 30 de dezembro de 2007

RETROSPECTIVA 2007

Parece que este ano aconteceram várias coisas nos EUA indicando que o racismo segue forte. Um tradicional locutor esportivo perdeu o emprego por usar termos raciais pejorativos pra se referir a jogadoras (quase todas negras) de um time universitário de basquete. Houve um amplo debate sobre por que brancos não podem usar esses termos se rappers negros podem. Não se chegou à conclusão alguma, pra variar.
Ok, este caso é mais interessante: um homem de 21 anos acabou de deixar a cadeia, após cumprir pena de 4 anos. Seu crime? Ser negro. Isso e ter feito sexo oral (consensual) numa moça branca de 15 anos, quando ele tinha 17. Por esse crime hediondo ele foi condenado a uma década de prisão. De lá pra cá houve muitos protestos e a lei foi mudada. Hoje dois adolescentes transarem não é mais um crime, e sim uma contravenção. É verdade, ainda é visto como uma ofensa menor! Dá pra considerar este um país sério?
Outro caso que chamou a atenção foi o Jena 6. A gente no Brasil nem tem uma palavra pra um laço em forma de forca (em inglês é noose), desses usados pela Ku Klux Klan. Foi mais ou menos isso que acendeu os ânimos numa cidadezinha da Lousiana no final de 2006. É uma dessas histórias reais que eu só consigo imaginar ocorrendo nos EUA ou na África do Sul de quinze anos atrás: numa escola havia uma linda e frondosa árvore que era tida como só dos alunos brancos. Apenas eles podiam desfrutar daquela sombra. Um dia um aluno negro perguntou pro diretor se podia sentar-se lá. Na manhã seguinte havia nooses penduradas na árvore. Os três alunos brancos que fizeram isso foram apenas suspensos da escola por uns dias, o que gerou várias brigas entre grupos de adolescentes brancos e negros. A mais legal foi uma ocorrida numa festa, em que um branco sacou um revólver, negros o desarmaram, a polícia apareceu – e prendeu os negros por roubo de arma! A última briga resultou em seis rapazes negros agredirem um rapaz branco na saída de uma loja de conveniência. Os negros foram presos, e o branco, embora machucado, foi a uma festa na mesma noite. Aí (só aí?) começou um julgamento que mostra que a justiça não tem nada de cega. Um júri branco condenou os jovens negros a mais de 20 anos de prisão. Pra que um deles fosse julgado pelo crime de agressão à mão armada, foi preciso que ele tivesse uma arma, ué. Isso não foi problema pra promotoria, que inventou que o jovem usou seu par de tênis como arma (eles são criativos, vamos reconhecer). A mídia ignorou o caso até maio, até que uma revisitinha de esquerda publicou uma matéria. Houve inúmeros protestos e abaixo-assinados pedindo a liberação dos acusados, e em setembro eles tiveram suas penas revistas e foram soltos, sob condicional. Ah sim, a árvore da escola – o pomo da discórdia – foi derrubada. Nada mais justo: a culpa foi toda dela, afinal.
Quer mais um exemplo de uma questão racial que foi debatida este ano? A disparidade entre as penas para traficantes e usuários de crack (a maioria, negra) e para os de cocaína (a maioria, branca). Os de crack recebem pena seis vezes maior.
Parece que a Ku Klux Klan ainda vive. Hoje tem só uns 8 mil membros. No seu auge, em 1920, nada menos que 15% dos homens brancos americanos pertenciam à organização racista. Que um filme como “O Nascimento de uma Nação”, do Griffith, tenha virado um clássico indica bem o pensamento reinante. Não me lembro de já ter visto um filme mais racista que esse de 1914. Ele simplesmente trata os negros como selvagens perigosos e glorifica a KKK. Por que será que o grupo teve sua maior popularidade logo depois do lançamento? Mesmo que a KKK agora seja só uma sombra do que já foi, alguns sites de supremacistas arianos colocam no ar os endereços dos acusados do Jena 6 e seus familiares, caso alguém queira ir lá fazer justiça com as próprias mãos. Porque, como a gente sabe, não dá pra depender da justiça tradicional, tão boazinha com os negros! Que em 2008 o fim do apartheid chegue aqui também.

sábado, 29 de dezembro de 2007

CRÍTICA: LETRA E MÚSICA / Ovos mexidos e música

Devo dizer que não esperava muito de “Letra e Música”, mas me identifiquei um monte com essa nova comédia romântica. E olha que ando até aqui com esse gênero. Na saída avaliei a comédia, e achei uma gracinha. Mas já na porta do cinema, o filme foi se esvaindo da minha mente a cada passo. Poucas vezes na vida algo deixou a minha memória tão depressa. Era como se eu visse a mensagem “Este filme se auto-destruirá da sua cabeça em exatamente 10 segundos”. E o relógio ao lado:”10... 9... 8...”. Já a música do videoclip é muito mais pegajosa que o longa. Ah, essa ficou. Tô pensando no “Pop Goes my Heart” até agora, ó Deus.

O Hugh Grant tá cheio de rugas e tal, mas continua um charme só. Alguns homens envelhecem mal, ficam com cara de tia velha, e lamento dizer que o Hugh é um deles. Como lembrou o maridão, “O Hugh é um adulto com envelhecimento precoce”. Mas ele (o Hugh, não o maridão) é tão querido e britânico que a gente perdoa. E a Drew Barrymore é uma simpatia. Juntos eles formam um casal (com quinze anos de diferença) sem nenhuma química sexual, mas que irradia fofura. Se fofura fosse tão contagiosa quanto radiação nuclear, estaríamos perdidos. O Hugh faz uma “relíquia” (nos EUA, onde eles são obcecados por vitoriosos e perdedores, “a has-been” é mais exato), alguém que fez sucesso no passado e agora ninguém mais se lembra dele. Sei como é. Por exemplo, se eu parasse de escrever, em dois meses ninguém mais me reconheceria na rua.

E a Drew faz uma regadora de plantas. Precisa ser muito rico e excêntrico pra contratar alguém pra regar suas plantas, não? Embora a personagem da Drew pareça ser meio fora da casinha às vezes, me conectei com ela, espiritualmente falando. É que eu poderia regar as plantas do Hugh a qualquer momento, e assim ele descobriria meus dotes musicais. Sou uma exímia compositora de canções para cachorrinhos. Um dos hit parades do meu cão é: “É super, é super, é super fofinho... Tem sempre um cachorrinho aqui, no meu caminho!”. Mas não sou limitada. Componho também pros meus gatos. Peguei a melodia do McDonald’s (aquela do “Dois hamburgers, alface...”) pra criar uma obra-prima: “Dois gatinhos, selvagens, lindos, fofos, especiais / Bons caçadores de hamsters e gerbelins / São os gatinhos / Gatinhos! Gatinhos!”.

Ahn, fugi do assunto. O problema é que ocorre um fenômeno incrível lá pelo meio do filme: a personagem da Drew muda completamente de personalidade! Ela é insegura, tá compondo pela primeira vez, e de repente será capaz de lutar pela sua arte até o fim. Que arte, cara pálida? O sujeito desesperado pra descolar um sucesso em vinte anos, e a Drew quer peitar uma diva? Isso me deixou nervosa. Mas é comédia romântica, sabe, então é óbvio que tudo vai dar certo. E o Hugh também muda de personalidade no final. Aí até vai, porque esses troços sempre tentam passar a mensagem que o amor é transformador e que é possível mudar um homem. Na vida real é diferente, amiga, e você vai precisar lembrar o maridão de abaixar a tampa da privada todo santo dia.

Mas adorei o videoclip do início, porque eu amava essas canções bobinhas dos anos 80, tipo ABBA (certa vez um aluno me disse que, se eu levasse alguma música do ABBA pra classe, ele largaria o curso no ato. Pô, esse pessoal não teve infância?). E gostei da irmã da Drew, principalmente de como ela trata o marido. É assim que homem deve ser tratado: “Só faça o que te mandei. Não reclama. Você sabe que eu estou certa. Estou sempre certa. Agora FAÇA”. E gostei também das mensagens no fim: uma estrela se casa, sua cerimônia de casamento dura 9 horas, e seu casamento, três. Um sujeito causa comoção mundial ao afirmar que a banda dele foi maior que os Beatles, e depois se desculpa, inventando o que quis dizer por “maior” – que o grupo tem 5 membros, e os Beatles eram 4. Ou a mensagem final que o casalzinho só possui plantas de plástico no apê. Hmm... Isso me lembrou de uma comunidade no orkut, “Odeio flor de plástico” (como disse um amigo meu, às vezes falta assunto nos fóruns). Eu podia incluir um item: “Odeio flor de plástico e abajur de néon”. É que uma vez o maridão me deu um abajur de néon cafonérrimo, que devia estar em liquidação. Eu joguei na cabeça dele e disse que esse troço kitsch jamais entraria em casa. Então ele presenteou a mãe dele com um fantástico abajur de néon, porque mãe é mãe... e a mãe dele também recusou! Mas não jogou na cabeça dele.

Opa, me desviei da história de novo. Pra você ver os truques que a memória prega. Enfim, “Letra” mostra que não apenas é possível compor uma canção em cinco dias, como em uma só noite (e logo por quem nunca compôs nada de bom). Última reminiscência: sabe o maior sucesso dos Beatles, “Yesterday”? Tá certo que o Paul acordou com a melodia na cabeça. Mas a primeira letra que ele colocou foi “Ovos mexidos... Ó baby como amo suas pernas” (eggs e legs rimam no original). Aposto como ele teve que trabalhar um tiquinho antes de chegar à letra final. Mas ele não era um gênio em compor letras como a Drew e eu.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

CRÍTICA: A LENDA DE BEOWULF / Vikings no Lago Ness

Admito que eu tava com muitos pés atrás pra ver “Beowulf”, porque lida com todos esses elementos élficos de “Senhor dos Anéis”, tipo monstros e dragões. Sem falar que a produção é baseada num poema épico indecifrável escrito numa língua incompreensível. Se você acha Shakespeare difícil, saiba que ele pelo menos falava inglês. Já a língua da época do poema (uns mil anos atrás) é inglês arqueológico mesmo, que tava mais pra alemão, no que chamavam de anglo-saxão. Ainda bem que o inglês sofreu várias influências até virar a língua fácil que é hoje. Mas, enfim, lá fui eu ver “Beowulf”, o filme, que como não poderia deixar de ser, tem pouquíssima semelhança com “Beowulf”, o poema épico ensinado nos cursos de literatura das universidades. E quer saber? O filme é envolvente e cheio de adrenalina. Nada a ver com língua morta.

Esse nome meio impronuncíavel que é Beowulf pertence a um escandinavo meio viking que, no século 6, corre pra defender um reino de alguns monstros, em especial um chamado Grendel. Não sei se movido por um complexo de Édipo federal por ter a Angelina Jolie como mãe, Grendel é um revoltado. Basta ouvir barulho de festa que ele vai lá matar todo mundo. Pena que ele não more na minha rua em Joinville e não possa visitar meus vizinhos pagodeiros pelo menos uma vez. Agora, o Beo não é um herói fácil. Ele tem um ego do tamanho do Lago Ness e vive de auto-promoção. E ele vence mais por fazer alianças (vamos dizer assim) com os inimigos do que por combatê-los. Como sabemos que ele vence? Ué, porque o poema não se chama “Monstrinho Alado”, “Grendel”, ou “Mãe Sexy da Criatura”. O Beo tem um outro problema também: ele gosta de lutar nu. É a segunda cena de luta que vejo este ano com o herói pelado. A primeira foi no excepcional “Senhores do Crime”. A diferença é que aí o David Cronenberg não tava preocupado em tapar as partes pudicas do Viggo Mortensen. Em “Beowulf”, como a censura é pra meninos, eles têm que fazer grandes malabarismos pra esconder o poderio sexual beowulfiano. Mas existe um senso de humor. O que eles usam pra tapar o p do B? Todos os símbolos fálicos possíveis e imagináveis: lanças, flechas, facas, capacetes pontudos... O balé é tão grande que lembra “Os Simpsons”, aquela cena do Bart andando nu de skate. No resto do tempo em que o B não tá ao natural, ele usa um shortinho hiper-justo. Nem sabia que a lycra já existia em 500 e bolinha.

Mas chegou a hora de contar a verdade: “Beowulf” é um desenho animado, mais ou menos. Usa a técnica de animação com live action que o diretor Robert Zemeckis já havia usado no fraquinho “Expresso Polar”. Ou seja, não é a Angelina na realidade, mas um efeito especial. E certamente não é o Ray Winstone (acredite se quiser, ele é o capanga fiel do Jack Nicholson em “Infiltrados”) que faz o B. É alguma versão distante dele. Eu tenho alguns problemas com essa técnica de live action. O olhar do pessoal não parece lá muito vivo, os cavalinhos cavalgando têm pinta de gerados digitalmente, e a Angelina no final mais lembra uma boneca inflável. Mas o que mais detesto é a ladainha pra justificar tal técnica. Por exemplo, com esses super efeitos especiais eles não precisaram filmar tudo na Noruega e economizaram a maior grana. Sei. Deve ter sido por isso que o filme custou a bagatela de 150 milhões de dólares. Pô, com 150 milhões dá pra comprar a Noruega inteira!

Ou talvez eu que não tenha ficado tão impressionada com os efeitos (quanto fiquei com outra marca do Zemeckis, “Uma Cilada para Roger Rabbit”) por não ter visto “B” em 3D. Imagina a cena em que o Beo tá caindo em cima de uma torre pra ser empalado vivo. Empalado vivo em 3D! Cinema é mesmo a maior diversão! Como o filme tá repleto de temas mais adultos, é surpreendente que tenha sido feito pra pré-adolescentes. Logo de cara, o monstro feioso baba em cima da rainha pura. Ahn, só eu que acha que essa baba é a cara de outro líquido saído do corpo dos homens? Mas o maior suspense do filme tem a ver com a nudez. Primeiro é o rei do Anthony Hopkins que deixa cair a toga, e o calafrio na espinha é de matar. A gente pensa: vamos mesmo ter que ver o berimbau de um cara de 70 anos? Coloquem uma cobra pra cobrir isso daí, rápido! Depois temos o Beo em pêlo, e a Angelina, nua mas deformada. Acho até anti-educacional. Imagina os meninos de 8 anos descobrindo que mulheres têm peito, mas não mamilos? De qualquer modo, “B” vale a pena só por sugerir que os heróis épicos morreram com o nascimento de outro herói épico, Jesus.

P.S.: Ainda sobre o Zemeckis, gosto de “O Náufrago” (principalmente quando o Tom Hanks tá preso na ilha). Gosto de “Contato”. E odeio “Forrest Gump”. Não que não seja uma historinha fácil e doce de se ver, mas a mensagem é o suprasumo do revisionismo histórico de direita. Pra mim o auge nem é a Robin Wright Penn (que faz em “Beowulf” a rainha) ser punida morrendo de AIDS, e sim o discurso do Tom numa manifestação anti-guerra em Washington. Como ele não tem nada a dizer, o barulho toma a tela e a gente “perde” a fala. Ao cometer essas atrocidades, o filme sim tem muito a dizer. E pra piorar, “Forrest” tirou o Oscar de “Pulp Fiction”. Quer saber a grande ironia? Roger Avary, roteirista de “Pulp” junto com o Tarantino, aparentemente perdoou o Zemeckis. Tanto que o Roger roteirizou “Beowulf”.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

CRÍTICA: SUPERBAD / Endurecer sem perder a ternura

Tá, vou dizer com todas as letras: “Superbad – É Hoje” é a melhor comédia do ano. Sei que é difícil de acreditar, principalmente com esse nome que remete a, sei lá, “Porky's”. Mas essa não é apenas a minha opinião, e sim a da maioria dos críticos. Um crítico americano proclamou que 2007 será lembrado como o ano em que Judd Apatow e Seth Rogen salvaram a comédia cinematográfica. Pra quem nunca ouviu falar nesses nomes, Judd é diretor de “Ligeiramente Grávidos” e produtor de “Superbad”, enquanto Seth é o protagonista de “Grávidos”, e não apenas tem um papel importante em “Super” como também é um dos roteiristas. Na realidade, vendo os dois filmes juntos, “Super” parece quase uma prequel (o oposto de sequência, uma espécie de capítulo anterior) de “Grávidos”. Em “Super”, um adolescente conta pro amigo que, quando uma garota bebe até cair, acaba transando com alguém que normalmente consideraria um erro. “Nós podemos ser esse erro”, sonha o rapaz. Em “Grávidos” é justamente isso que acontece. Uma linda mulher bêbada vai pra cama com um bobalhão, e, como se um erro só não bastasse, ainda por cima engravida dele.

Em “Super” o bobalhão em questão ainda é um garoto. Um garoto gordinho, burro e tarado que só pensa em ter uma noite de “P e V” (use sua imaginação pra decifrar as letrinhas), e que está preocupado porque seu melhor amigo, que é um pouquinho mais sensível e esperto, irá pra uma faculdade diferente assim que ambos terminarem a escola. Esses desajustados são finalmente convidados pra uma festinha, com uma condição: trazer bebida alcoólica. Nos EUA, você precisa ter 21 anos pra comprar bebida, e esses garotos realmente aparentam ter uns quatro anos menos. Então pedem ajuda pra um outro nerd amigo que tem uma carteira de identidade falsa, e a aventura começa. Não sei se alguém ainda se lembra daquela assustadora fantasia do Scorcese dos anos 80. “Super” é um “Depois de Horas” teen.

Bom, se rir é um critério adequado pra medir o sucesso de uma comédia, eu ri do começo ao fim. É brilhante a parte em que o gordinho Jonah Hill imagina tudo de ruim que pode acontecer com ele por roubar bebida de uma loja ou pedir pra uma velhinha comprar pra ele. Seguem-se degolações tiradas de filmes de terror, essas coisas. Ninguém segura o público do cinema quando os dois policiais loucos (um deles interpretados pelo Seth) fogem de um outro carro da polícia. Ou quando um diz pro outro, “Honre a sua instituição”, antes de atirar em placas, beber, furar sinais vermelhos, ou qualquer uma das inúmeras infrações que a dupla dinâmica comete. Adoro quando um deles passa a mão na frente do carro, certificando-se que o vidro não existe mais. Ou quando ambos afirmam que se juntaram à força esperando encontrar sêmen, tipo CSI. Como eles explicam pro nerd: “Se o ladrão tivesse roubado a loja e em seguida ejaculado em cima de alguma sacola, aí sim poderíamos pegá-lo”.

Mas não há dúvida que a sequência mais engraçada é mesmo a dos desenhos de pênis, ao som de bossa nova. Os desenhos em si são fofíssimos e inventivos, mas mais hilária ainda é a preparação pro que vamos assistir: o gordinho narrando que, quando criança, tinha um probleminha, nada sério, 8% da população tem (e a gente pensando que seria fazer xixi nas calças ou algo do gênero), que constitui em não poder colocar um lápis num papel sem desenhar um pênis. Aliás, um só não. Um monte. Isso é feito com tamanha ingenuidade e ternura que não fica nem grosseiro.

Assim como não há dúvida que “Super” no fundo é uma história de amor, obviamente não entre os nerds e as meninas que eles desejam, mas entre eles próprios. A dupla de adolescentes tem vontade de proclamar esse amor gritando do alto de um telhado. Isso de dois amigos declararem seu amor sem sentir vergonha “Eu os Declaro Marido e... Larry!” também promove. Pois é, parece que a vida não é tão fácil pros homens. Apesar de dominar o mundo e ganhar mais que as mulheres, o machão que se preza não pode nem se dar ao luxo de adorar seu melhor amigo. Tsc tsc tsc.

“Super” é um filme pra meninos, especialmente praqueles que estão na fase em que encontrar sexo e bebida é prioridade na vida, ou praqueles que ainda não cresceram (os policiais na comédia). Mas achei que trata bastante bem as meninas. Elas não são pintadas como monstros. Mesmo assim, fico com a impressão que, entre namorá-las e louvar o próprio pênis em mil e um desenhos, os adolescentes de “Super” ainda fecham com a segunda opção.


P.S.: Vários críticos vêm chamando “Super” de “clássico instantâneo”, e é verdade. Vem se juntar a uma galeria de filmes sobre adolescentes, coisas como “Picadias Estudantis”, “Clube dos Cinco”, “Curtindo a Vida Adoidado”, entre outros. Nunca entendi o culto a “Picardias”. Claro que o Sean Penn tá marcante como o chapadão da escola, mas o resto não me convence.

CRÍTICA: ENCANTADA / Encantados com o passado

Ai, ai. A briga na bilheteria americana no início do mês ficou entre o “ateu” “A Bússola de Ouro” (escreverei sobre essa superprodução medíocre na semana que vem) e “Encantada”. A direita cristã fez campanha pra que o pessoal boicotasse o primeiro e fosse ver o segundo, já que o longa da Disney reitera os valores mais conservadores. “Encantada” ganhou fácil, e é mesmo um filme muito superior à “Bússola”. É também fácil de assistir, se a gente conseguir sobreviver aos longos minutos iniciais de um desenho animado horrendo. Uma futura princesa é jogada fora desse universo pela sua malvada sogra e vai parar, em carne e osso, em Nova York. Como trata-se do selo Disney de ingenuidade, a Encantadinha chega em Times Square à noite e o pior que pode acontecer a ela é um mendigo roubar-lhe a tiara. Esse pessoal vive aonde, no mundo de “Uma Linda Mulher”?

Quando o Patrick Dempsey (de “Grey's Anatomy”) leva a Amy Adams pra sua casa, a situação lembra um pouquinho “Splash, uma Sereia em minha Vida”. A diferença é que a princesa não tem que aprender nadinha pra triunfar. A cidade grande instantaneamente se rende a ela. Apesar de ser um advogado rico com uma filhinha, e, convenientemente, sem esposa no pedaço, o apê do Patrick parece um chiqueiro. Isso não é problema pra Encantadinha, cuja grande alegria na vida é fazer faxina. Ela convoca animais pra ajudá-la, e surgem ratos, pombos e baratas. As baratas americanas não são tão nojentas quanto as nossas, mas ainda assim é uma cena pouco encantadora, digamos. Porém, nossa princesa não despreza ninguém, nem as baratas. A Amy copia direitinho os gestos e expressões das heroínas dos contos de fada, o que equivale dizer que na maioria das cenas ela parece uma débil mental das mais simpáticas. Ela tá a cara da Julie Andrews e até tem seu momento “The hills are alive” (“Os morros estão vivos”: abrindo os braços, dançando, rodando em cima de um gramado), mas tá exagerada, e os gritos inaugurais cansam. Pra mim quem se sai muitíssimo melhor é o James Marsden (fraquinho como Cíclope em “X-Men” e ótimo em “Hairspray”) como príncipe. Ele tá sonso, ridículo, e doce ao mesmo tempo, sem um pingo de ironia, e sem os berros. As duas falas mais engraçadas referem-se a ele. Uma é quando o Patrick afirma sobre o príncipe: “Ele canta também”. A outra quando o auxiliar da bruxa pergunta pro bonitão se ele se ama, e ele responde com uma indagação: “What's not to like?” (“O que tem pra não gostar?”).

Mas ele raramente aparece sozinho, e temos que suportar bichinhos bobos. Logo que apareceu um esquilinho gerado por computador, pensei: os que eu conheço são muito mais bonitos e graciosos que esses efeitos digitais. Mas é melhor assim, porque há um monte de crueldade contra esquilos gerados por computador (o dito-cujo é preso em inúmeros recipientes de vidro, crucificado num cabide, jogado num forno à lenha). E nem é esquilo, é chipmunk. A tradução jura que é tâmia. Melhor chamá-lo de esquilo mesmo. Tem também a Susan Sarandon como a sogra/bruxa má que, obviamente, é muito mais sexy que a Encantadinha (os contos de fada educam as meninas a pensar que a única coisa que importa é ser linda, e que é preciso competir com outras mulheres pelo único título que importa, o de ser a mais bela. Só as gordinhas de meia-idade estão livres dessa rivalidade sem fim. Elas são relegadas a fadas-madrinhas. Faltou a fada-madrinha em “Encantada”).

Outras lições de moral: há dois casais. Em ambos a mulher vai abandonar o lugar onde vive pra ir morar com seu amado. Note que o oposto nunca acontece. E o filme ensina que o programa favorito de uma menina de seis anos com sua mãe (ou madrasta boazinha) é uma tarde fazendo compras. Essa sequência é inacreditável. Pensei que iriam mostrar mãe substituta e filha provando mil e um modelitos, se maquiando. Mas não. Mostram só as duas saindo das lojas, carregando montes de pacotes. Qual o valor dessa cena? Absolutamente nenhum, além de ensinar que o melhor programa do mundo é fazer compras. Depois a garota usa seu fundo de emergência pra adquirir um vestido de baile pra futura madrasta (sendo que esta ficava mais bonita quando se servia das cortinas e tapetes da casa pra montar suas roupas). Pois é, isso de guardar dinheiro pra financiar um curso superior é inútil, porque, se uma mulher pode escolher entre ser uma princesa e cursar uma faculdade, bom, essa nem é uma opção, é? Vamos gastar toda a grana em vestidos! Ah sim, a namorada do Patrick o encontra deitado embaixo de uma moça só de toalha, mas ele diz que não é o que ela tá pensando. Após receber flores como pedido de perdão, ela sussurra: “Se você diz que não é nada, eu acredito”. Bela mensagem que a Disney tá passando. A única lição de moral que eu endosso é quando a Encantadinha canta “Como ela sabe que você a ama?”. Pois é, se esses homens não dizem ou mostram pra gente que nos amam, como podemos ter certeza? Eu perguntei pro maridão: “Como posso saber que você me ama, seu panaca?” E ele: “Eu disse várias vezes hoje que te amo. Passei o dia inteiro falando isso. Não fiz outra coisa hoje. Mas você tá meio surdinha. Deve ser a idade”. Tão romântico esse meu príncipe encantado!

“Encantada” não desafia nenhuma das várias lições dos contos de fada, pelo contrário. O príncipe encantado existe. Vale a pena esperar por ele. Um beijo mágico vai nos salvar. Seremos felizes para sempre, sem qualquer esforço. E o verdadeiro amor é sempre à primeira vista. Mas pega mal eu falar mal de um filme desses. É como falar mal de “Shrek”. As pessoas gostam porque é docinho e porque passa a ilusão de estar desconstruindo um gênero. Mas é só isso: ilusão. Acho que um fã sincero deveria pelo menos assumir que gosta desses filminhos por serem tão retrógrados, não por serem inovadores. Porque de inovador não têm nada.

CRÍTICA: BÚSSOLA DE OURO / Bússola de chumbo

O mais interessante sobre “A Bússola de Ouro” não é a história em si, mas a polêmica gerada em torno dos livros que formam a trilogia “Fronteiras do Universo”, do britânico Phillip Pullman. Parece que ele é ateu confesso, e a direita cristã não só não quer que ateus confessos escrevam livros pra crianças, como gostaria que eles fossem queimados numa fogueira. Eu adoro ler esses sites cristãos que malham filme e livro sem ter a menor noção do que falam, e ainda lançam pérolas como “Existem tão poucos filmes com valores cristãos pra nossos filhos verem. Graças a Deus temos 'A Paixão de Cristo'!”. Sério, você levaria uma criança pra assistir ao drama do Mel Gibson, com aquelas chicotadas arrancando nacos de carne? E os traumatizadores precoces continuam: “Vamos boicotar 'Bússola' como fizemos com 'Código da Vinci'! Daquela vez nós ganhamos!”. Ganharam, é? Que eu saiba, “Código” foi uma das maiores bilheterias de 2006.

Só que desta vez, sem dúvida, eles estão ganhando. “Bússola” arrecadou 25 milhões de dólares no seu fim de semana de estréia. Parece muito? É só a metade do que ganhou “As Crônicas de Nárnia”. Agora quase chegou aos 50 mi nos EUA, e 100 no resto do mundo. No entanto, pra cobrir o seu gasto estratosférico de 180 milhões, ainda vai precisar conquistar muitos corações e mentes. Esse desempenho pífio põe em risco a trilogia inteira. Se rendeu tão pouquinho, os produtores não vão querer investir na segunda e terceira partes (o lucro do estúdio é só 55% da renda total que o filme abocanha, o que significa que, pro filme se pagar, precisa gerar quase o dobro do seu custo). O detalhe é que “Bússola” não tá patinando na bilheteria por causa da pressão da direita cristã (ouvi falar que a Liga da Decência Católica, que tem poder em organizar boicotes nos EUA, é composta por apenas um carinha, que faz tudo pela internet), mas por ser tão fraquinho. Eu dormi em inúmeras cenas dessa trama que trata de uma bússola que fala a verdade, de universo alternativo, almas que adotam formas animalescas, e uma tal poeira que é um grande tabu. Várias vezes no filme a menina tenta conversar sobre o pó, e os adultos a calam: “Não diga isso! Não mencione essa palavra!”. Ou seja, chegar a um recinto e perguntar: “Qual é o pó?” tá fora de cogitação. Mas, pra mim, o pó é que o estúdio errou por suavizar demais o material polêmico. “Bússola” tenta se esquivar de todos os ataques, tirando da história qualquer elemento anti-religioso, Deus me livre, e isso não atraiu os espectadores que, de repente, gostam do debate (ou alguém teria visto “Je Vous Salue, Marie” se a Igreja não tivesse condenado o drama do Godard?).

O negócio mais criativo de “Bússola” é que cada pessoa tem sua alma em formato de animal, chamados de “dimons” (bem parecido com demônios), e esse animal-alma nos acompanha pra tudo quanto é canto. Perguntei pro maridão: “Se sua alma em forma animalesca não fosse automaticamente um verme rastejante, que animal você gostaria que fosse?”

“Um tigre.”

“Amor, lamento informar, mas acho que o bicho tem que ter alguma coisa a ver com a personalidade da pessoa.”

“Um tigre de bengala, então”.

Eu também quis saber qual animal seria o mais apropriado pra mim. Ele:“Uma jararaca.”

“Que jararaca o quê? Acho que um urso tava de bom tamanho.”

“Uma cascavel, talvez?”

“Não, anjinho, eu quero um mamífero.”
“Qual cobra venenosa você acha que mais combina com você?”, insistiu o tigre de bengala.

Eu poderia continuar narrando o papo, mas voltando ao filme, ele traz alguns atrativos dúbios, como o Ian McKellen como a voz do grande urso digital branco (que no Brasil tá dublado), Daniel Craig como tio desperdiçado, Sam Elliot como cowboy voador, e Eva Green como – juro que não entendi o que a Eva faz no filme. Deve servir de contraponto à vilã Nicole Kidman, que tá mais ou menos, mas seu personagem é estranho. Sua alma é um macaco muito do antipático, o que deveria chamar a atenção pra hipocrisia da sujeita, só que ninguém nota isso. Já a atriz principal chama-se Dakota Blue Richards, e gostaria de saber: o que é isso de todas as atrizes mirins chamarem-se Dakota? É uma epidemia? Com três nomes ela não vai muito longe. O menininho com três nomes de “Sexto Sentido” sumiu. Eu vejo pessoas mortas no horizonte praqueles que insistem em ter mais de dois nomes. E, aproveitando, tampouco vejo grande futuro pras continuações de “Bússola”.

P.S.: A tal bússola dá respostas pra todas as perguntas da humanidade. É só saber perguntar direito. Quem será o próximo presidente americano? O mundo vai acabar em cem anos devido ao aquecimento global? Ou as questões realmente importantes, como quem vai levar o Oscar? Ou: a Nicole está fadada a fazer filmes com o Daniel Craig pra sempre, apesar de não haver química alguma entre eles? (tô pensando em “Invasores”. Em “Bússola”, se eles tiveram alguma cena juntos, eu dormi).

P.S.2: No fascinante documentário “This Film is Not Yet Rated” (Este Filme Ainda Não foi Classificado), uma diretora independente sente-se ultrajada quando seu filme, que tem uma cena de uma adolescente se masturbando, é proibido para menores de 18 anos, na mesma época que o trailer de “American Pie” (produzido pelo Chris Weitz, diretor de “Bússola”) passa em todos os cinemas, liberado para maiores de 12 anos, mesmo com aquela famosa cena de um teen transando com uma torta. O documentário deixa claro que a censura americana é muito mais conivente com violência que com sexo, é mais rígida com filmes pequenos que com superproduções, e é contra qualquer demonstração de sexualidade feminina.

P.S.3: Parabéns! Acho que você acabou de ler a única crítica a “Bússola” em todo o planeta que não faz referência a “Senhor dos Anéis”.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

CRÍTICA: VALENTE / Desejo de Matar replay

É muito estranho que “Valente” (“The Brave One”), marcado pra chegar ao Brasil dia 2 de novembro, tenha tido a estréia cancelada e agora vá direto pra DVD. Não que o filme seja uma maravilha, mas é com a Jodie Foster, que até pode ser indicada ao Oscar por sua atuação, e reflete uma tendência atual americana de louvar quem faz justiça com as próprias mãos. Não deve ser à toa que três produções lançadas praticamente ao mesmo tempo (setembro nos EUA) lidem com o mesmo tema: “Illegal Tender”, “Sentença de Morte”, com o Kevin Bacon, e “Valente”. Este último sem dúvida é o mais intelectual, e foi bem de bilheteria.

Flashback pros anos 70: quem não se lembra do Charles Bronson em “Desejo de Matar”, típico do conservadorismo que alcançaria seu auge na era Reagan? O Charles Bronson nunca se aposentava na proteção do seu bairro, no máximo tirava férias. Na mesma década tivemos vários filminhos B (chamados de exploitation movies, celebrados agora em “Grindhouse”) como “Ms. 45” e “Eu Cuspo na sua Cova”, em que uma moça violentada se vingava dos seus algozes, um por um (bem diferente de “Kill Bill”, que é um gênero distinto. Este tem vigança de superheróis dos quadrinhos). Bom, ou “Valente” pertence à outra época, ou o fascismo tá voltando com tudo.

Na trama, a Jodie faz uma radialista em Nova York. Enquanto passeia com seu noivo e seu cachorro à noite, no Central Park, um bando de delinquentes os espancam e roubam o cão. O noivo morre, e a Jodie, abaladíssima, ferida, cheia de medo, compra um revólver. Daí parece que todos os crimes começam a acontecer perto dela, e ela aproveita que a arma já tá carregada mesmo pra liquidar uns marginais, atraindo as suspeitas de um detetive bonzinho interpretado pelo Terrence Howard (de “Crash”). Tirando o fato de que ser namorado da Jodie no início de um filme significa ter um pé na cova, o que mais chama a atenção é que a Nova York de “Valente” não corresponde à fama atual de metrópole mais segura do mundo. Pelo contrário, pra mim remete à NY-terra-arrasada dos metrôs pichados da década de 70, à la “Warriors, Os Selvagens da Noite”. Seria uma tentativa de minar a candidatura do ex-prefeito Rudolph Giuliani a candidato republicano à presidência? Acho que não, porque o tom é conservador até a medula.

Na sessão em que compareci, o público aplaudiu e vibrou em vários momentos, principalmente no final, numa espécie de catarse coletiva. Um filme como “Valente” nos manipula totalmente, porque primeiro mostra gente ruim maltratando gente boa, depois mostra a ineficiência da polícia, e em seguida mostra a vítima se defendendo e aplicando a pena de morte. Ninguém que pergunta pruma mulher se ela já foi estuprada por uma faca merece viver. E a Jodie só mata homens maus que sempre a atacam antes. É como se fosse legítima defesa. Claro que estar no lugar errado na hora errada pode ajudar a atrair tais elementos. Numa hora torci pra que a Jodie fosse pedir pros meus vizinhos de Joinville abaixar o som da música. Eles iriam gritar com ela, ameaçá-la de morte, e aí pronto: caixão pra eles. E a platéia lá, batendo palmas. A gente torce pra que a Jodie mate todos os vagabundos e, de quebra, recupere seu cãozinho de estimação, porque crueldade contra os animais, jamais.

Ou seja, “Valente” não representa muito mais que um replay de “Desejo de Matar”. A novidade, mais ou menos, é que a justiceira é uma mulher (um dos policiais cita que mulheres não dão boas justiceiras por só matarem o que amam, maridos, filhos...). E não uma mulher qualquer, mas a atriz mais inteligente dos EUA, super prestigiada, vencedora de dois Oscars, talvez uma das poucas capazes de algum dia alcançar a marca da Katherine Hepburn das quatro estatuetas. Se a protagonista fosse uma moça sarada como a Jennifer Garner, seria tudo diferente (só a menciono porque ela tá na propaganda militarista “O Reino”). A Jodie magrinha e esperta permite que seu personagem trave discussões morais com o lindão Terrence Howard. Meu parecer tá na cara: qualquer filme com a Jodie merece ser visto. E deve passar no cinema. Mas não. A estréia da semana no Brasil é o medíocre “1408”, uma historinha de terror baseada num conto do Stephen King. O suspense segura as pontas até a metade, e depois desanda completamente, atrapalhado por uns cinco finais distintos. Vai entender.


P.S.: Sem falar que “Valente” leva a assinatura do conceituado diretor irlandês Neil Jordan, aquele de “Entrevista com o Vampiro”, que antes de ir pra Hollywood fez coisas mais alternativas como “Na Companhia dos Lobos”, “Mona Lisa”, e, acima de tudo, “Traídos pelo Desejo” (92). Preciso rever esse filme. Na época, eu tava tão espantada com a propaganda em volta dele (do tipo “não conte pra ninguém que a cantora sedutora é um homem”, o que se nota desde a primeira cena graças ao gogó), que nem percebi as qualidades da trama.

P.S.2: A subtrama toda do cachorro me fez pensar na afirmação de um presidente americano sobre cães brasileiros. Parece que o Teddy Roosevelt esteve na Amazônia no começo do século passado e reclamou da inutilidade dos cachorros, de como aqui eles não serviam pra nada. Em “Valente” eles seguem os mesmos passos.

P.S.3: E quem é o/a valente do título? É a Jodie Foster, ou o Terrence Howard, que à certa altura se declara corajoso o suficiente pra fazer justiça até contra as pessoas queridas? Ou nenhum dos dois, e o título é que é irônico? Só essa já é uma discussão interessante.

CRÍTICA: MANDANDO BALA / Encha essas inúteis aí

Tem quem veja “Shoot'em Up” (que é mais “Encha-os/as de Bala” que “Mandando Bala”, porque tem um imperativo aí) como uma paródia extrema de filmes de ação. Esse é um jeito de enxergar o copo meio cheio numa produção tão repleta de maldade contra as mulheres. “Bala” já começa como um filme pornô, partindo logo pros finalmentes, sem precisar de pretexto pra disparar a ação. Vemos nosso herói cínico, o Clive Owen, salvando, bem temporariamente, uma grávida perseguida por um bando. O Clive também ajuda no parto, corta o cordão umbilical com um tiro – o sangue espirra no rosto da moça, bem ao estilo pornô, que usa outros fluídos –, e mostra o que ela deve fazer, que é simplesmente amamenar o herdeiro. A pobre loira é tão inútil que nem dar o peito pro bebê mamar ela saberia fazer intuitivamente. Assim que a mulher não tem mais função, pois já deu à luz e já amamentou, ela leva um tiro na testa e morre. O varão, que é o que importa, tá vivo. Puxa, que pena que só mulher tem útero, ou Hollywood poderia se livrar inteiramente delas.

Mais tarde descobrimos que essa mulher descartável era uma prostituta. Normal, porque em “Bala” praticamente todas as fêmeas são prostitutas (num nível de perversão que lembra “Sin City”, não por coincidência outra adaptação de histórias em quadrinhos. Taí um universo próspero pra se vingar de todas as mulheres que já desprezaram um adolescente espinhudo). O problema é que o bebê ainda precisa mamar, então o Clive encontra uma outra prostituta, esta feita pela Monica Bellucci. Quando a vemos pela primeira vez, ela tá realizando uma fantasia erótica masculina, amamentando um cliente. No início, o instinto promíscuo da Monica é maior que o maternal. Ela não pode ser deixada um minuto sozinha com o bebê que vai logo levando um sujeito prum beco pra descolar uns trocados. O poço de virtudes que é o Clive desaprova: “Imagino o que você não faria pra colocá-lo numa boa escola”. Mesmo assim, ele se envolve com ela, que só parece gostar de transar sem ser paga quando corre risco de vida. Dá a impressão que, se o Clive tivesse que optar por ela sozinha, sans bebê, e uma cenoura, ele nem olharia pra Monica. O Clive adora cenouras e as usa como máquinas mortíferas. As cenouras, símbolos fálicos que são, têm mais utilidade que a Monica, por exemplo (compare com o poder feminino de “Grindhouse”).

Numa outra cena, o Clive dá umas palmadas numa mãe que, segundo ele, não sabe como cuidar do seu pimpolho. Cabe a um homem instrui-la. O Clive diz também que odeia um “pussy” com uma arma. “Pussy” tem dois significados: covarde e a genitália feminina. Como fica claro no sádico desfecho do vilão, essa segunda definição tem mais a ver com o espírito do filme. Eles detestam qualquer parte feminina mesmo (menos os seios, que servem pra dar leite). O malvadão, Paul Giamatti (outro que, como a Monica, precisa urgentemente mudar de agente), tem uma cena meio necrófila com o corpo de uma mulher morta. Ele também quer mamar. E aí finalmente dá pra entender o título. No contexto geral do filme, cheio de prostitutas apanhando e sendo inseminadas, “Shoot’em Up” adquire um outro significado, que tem muito mais a ver com ejaculação que com balas. Aqui as fêmeas servem apenas como receptoras de esperma e, infelizmente, na falta de alternativa, portadoras de bebês.O maridão, por ser homem, ignorou essas leituras, e tentou rir em voz alta quando o Clive se auto-ejeta do seu carro pra entrar num caminhão alheio. Pois é, quem gosta de ver vídeos com cenas de dublês provavelmente vai gostar. “Bala” tem toneladas de cenas impossíveis. Minha preferida é a que mostra um bebê mecânico que chora. Ahn, mais importante que perguntar como um casal sem dinheiro e sem equipamento fez essa máquina, é perguntar quando. Isso foi durante o sexo? Dentro do tanque? Enquanto pulava do avião? Como eu estava altamente entediada, perguntei pro maridão se eu e ele não somos iguaizinhos ao Clive e a Monica, mas sem o bebê. Ele disse: “sem a cenoura também”.

Pode ser que eu esteja redondamente enganada e a intenção do filme não seja propagar ódio contra as mulheres, e sim fazer pelas cenouras o que Popeye fez pelo espinafre. A única coisa que dá pra saber ao certo é que o bebê, com sua predileção por heavy metal e tiros raspando nos seus ouvidos, vai ter problemas quando crescer. No mínimo será um psicopata, mas pelo menos um psicopata surdinho.


P.S.: Além de lindo e charmoso, o Clive Owen está perfeito no mediano “Closer – Perto Demais”, e num dos melhores filmes do ano passado, “Filhos da Esperança”. Não dá pra fazer só bons papéis. Mas o Paul Giamatti anda exagerando. Após uma performance sem força em “O Ilusionista” e seu personagem tenebroso em “The Nanny Diaries” (ainda sem estréia no Brasil), em “Bala” ele interpreta um demente que cita o maior sucesso do ator, “Sideways”. Não é sacanagem um indicado ao Oscar gritar “F***-me, Sideways”?

CRÍTICA: LEÕES E CORDEIROS / Eles fazem guerras e filmes sobre guerras, não fazem?

A Fox, grande porta-voz da direita cristã nos EUA, mandou boicotar “Leões e Cordeiros”, mas nem precisava (como disse um crítico, “Leões” não deve bater “Titanic” na bilheteria). O pessoal tá cansado não só do envolvimento americano no Iraque, mas também de filmes que lidam com esse tema incômodo. Eu mesma, se pudesse, evitaria histórias do gênero, se bem que por outros motivos. É que eu geralmente acho esses filmes a maior patriotada. Por exemplo, a Fox considera “No Vale das Sombras” anti-americano, principalmente pela cena final, em que o Tommy Lee Jones (presença garantida nas indicações ao Oscar) pendura uma bandeira meio gasta dos EUA de cabeça pra baixo. O que eu vejo nessa cena? Um veterano do Vietnã, com o maior orgulho de ter servido o seu país, hasteia a bandeira que seu filho, outro soldado, lhe deu. Ou seja, só falta todo mundo no cinema levantar, pôr a mão no peito e cantar o hino. Ok, a Fox faz campanha até contra bobices como “Fred Claus”, não porque deve ser uma bomba incontestável, e sim porque a tal comédia desrespeita as tradições cristãs (eles não têm mais o que fazer, pelo jeito). E aqui é assim: você pode até ser contra a invasão do Iraque (agora!) e querer que o governo retire as tropas de lá, mas você jamais critica o exército americano. Os soldados são heróis, sacou? (a direita cristã, revoltada com o prêmio dado ao Al Gore, disse que quem merecia o Nobel da Paz era... o exército americano! Isso, vamos dar Nobel da Paz pra quem faz a guerra!). É difícil entender, porque nós, brasileiros passivos e pacíficos, não temos esse contexto de querer dominar o mundo. Vou tentar passar o contexto: vamos imaginar que a gente invadisse a Bolívia porque nacionalizaram o gás que a Petrobrás pensava que era dela, invadisse a Venezuela porque quem o Chavez pensa que é, o Paraguai porque os produtos deles são quase piores que os da China, e a Argentina porque – bom, ninguém precisa de pretexto pra atacar a Argentina. Agora imagine que a gente vem fazendo isso há umas seis décadas. Não passa ano sem que a gente invada um paísinho aí que contrarie os nossos interesses. Pra isso, claro, precisamos ter um exército gigantesco e gastar a maior parte do nosso orçamento em armas. Imaginou? Assim dá pra começar a entender os EUA e a importância dos soldados por aqui. É impressionante como em todo lugar a gente conhece veterano de guerra. Porque não é uma guerra só, é um monte.


Ahn, e o que essa longa introdução tem a ver com “Leões”? É que “Leões” é sobre americanos metendo o bedelho no Afeganistão (e, por tabela, no Iraque). O filme não é muito bom (outro crítico o definiu como “Ibsen com helicópteros”), mas é instigante. Pelo menos traz uma certa discussão à tona (tudo que a Fox não quer). O problema é que várias cenas são cheias de falatório, entrecortadas com imagens de soldados em combate. Essas cenas de ação são um porre por mostrarem tudo que já conhecemos – o heroísmo e a honra das forças armadas, acentuado por aquela trilha sonora melequenta que tenta nos emocionar. Olha, sorry, mas se eu odeio guerras, não tenho como aplaudir exércitos. E um bom debate não faz um bom filme.

Há coisas atraentes em “Leões”, principalmente o elenco. O Tom Cruise faz o senador mais lindo e sexy da história do cinema. Eu até votaria nele, se ele não fosse um republicano asqueroso (refiro-me ao personagem, não ao Tom que, apesar de ser um louco da Cientologia, vota nos democratas). A Meryl Streep está ótima como sempre como a repórter que finalmente entende que ela faz parte do esquemão. Inclusive, recomendo este filme pra todas as faculdades de jornalismo, ainda mais se der pra pular todas as tramas paralelas que não sejam os diálogos entre a jornalista e o senador. E o Robert Redford prova que a vida não acaba aos 70. Ele não apenas dirige “Leões” como também interpreta um professor liberal. Como ator, ele hoje adota um visual meio embaraçado. Sério. Às vezes ele parece estar fora de foco. A gente continua admirando o cara porque ele fundou Sundance e é um ativista político. Também ajuda que ele tenha sido sex symbol de toda uma geração.

Mas “Leões” não se define. Assim como a gente fica sem saber o que o professor quer que seus alunos façam (lutem em guerras? Virem homens-bomba? Concorram ao Senado? Vão até a esquina comprar rosquinha pra ele?), o filme tenta atirar pra todos os lados. Todos os filmes de guerra daqui são muito light em criticar os ideais americanos, porque seu público-alvo é, dãã, o espectador americano. É um tal de “Não queremos ofender ninguém! Amamos nosso país! Viva o exército!”. E não adianta fingir ser pluralista, já que pra direita cristã Hollywood é um antro de perversão, todos os astros são gays liberais que vão arder no inferno, e qualquer filme que saia de lá falando do Iraque vai ser invariavelmente anti-americano.

P.S.: “Leões” faz várias referências ao império romano. Seria inteligente se isso revertesse a apatia americana, mas suspeito que uma boa parte do pessoal daqui ache que o império romano não acabou e que lá eles vestem togas.
P.S.2: O Michael Peña, que faz um aluno que se alista, precisa urgentemente fazer um filme em que ele NÃO esteja imobilizado correndo perigo em algum lugar escuro. Primeiro “As Torres Gêmeas”, agora o Afeganistão. Será que ele protagoniza “P2”, o thriller de uma vítima perseguida por um guarda noturno num estacionamento?
P.S.3: O Robert Redford já dirigiu coisas mais inspiradas, especialmente no que envolve ritmo e emoção. Tô falando de “Gente como a Gente”, até daquele filme com a Sonia Braga, “Rebelião em Milagro”, e de “Quiz Show”. De “Nada é para Sempre” e “Encantador de Cavalos” eu nunca fui grande fã. Mas me mato de chorar sempre que vejo “Gente”.

P.S.4: Não é só o Theodore Roosevelt que pensa que, entre o correto e a paz, deve-se optar pelo correto. É toda a América. O correto, no caso, é qualquer coisa que vá contra os EUA, porque americano acha que tem a obrigação moral de levar seu estilo de vida (que eles apelidam de “democracia”) a todos os cantos do planeta, já que foram eleitos por Deus. E aí eu tenho que ter medo que os fanáticos do Irã usem a bomba atômica?!

CRÍTICA: HALLOWEEN (2007): Michael Myers antes da fama

Halloween”, refilmagem de... “Halloween” (não tem nem subtítulo), estreou em setembro nos EUA pra não ter que brigar diretamente com “Jogos Mortais 4”, que chega no, bem, Halloween. Que decadência, não? Até que o terror foi bem de bilheteria, inclusive porque a primeira metade é bastante boa, e pelo menos o diretor Rob Zombie não quis refilmar cena a cena. Bom, pra começo de conversa, nem acho o clássico de 78 um clássico tão indiscutível assim. Claro que a trilha sonora é ótima, e os primeiros instantes da câmera subindo escadas e indo parar no quarto de uma menina semi-nua (quatro minutos sem cortes!) já valem o ingresso. Mas cai muito quando se transforma em carnificina e se concentra nos berros da Jamie Lee Curtis. Tudo bem, foi super influente, e sem o “Halloween” não existiria “Sexta-Feira 13”, e como a gente poderia viver sem o Jason? (tô sendo irônica).

O que esta refilmagem tem de bom é detalhar mais a infância difícil do Michael Myers. O pobre menino tem motivos de sobra pra se tornar um serial killer. Minha opinião é que qualquer um que use máscara de palhaço deformado tem problemas e deve ser internado imediatamente. Fora isso, a mãe do guri trabalha como stripper e é abusada verbal e fisicamente por homens (o que mora com ela no momento ainda tem olhos pra filha adolescente), e garotos da escola esfregam fotos da mãe nua na cara do Michael. Quando o Malcolm McDowell como psiquiatra aparece pra dizer que o garoto é um psicopta em potencial, a gente pensa que o cinema em coro vai gritar “Bidu!”. No ínicio o Michael se diverte torturando e matando bichinhos, gatos e ratos. Depois decide que já está pronto pra experimentar com bichos maiores, como um valentão do colégio. Daí é um pulo pra ele chegar às suas vítimas favorita – babás. De preferência babás atrevidas que levam seus namorados pra transar em casa. Aqui o sexo é punido com morte mesmo. O Bush e o Papa ficariam orgulhosos.

Michael vai montar e desenhar mais máscaras ainda, tudo pra esconder como ele é feio (e ele nem feio é!). Mais adiante ele fica tão cabeludo que nem dá pra ver seu rosto, e ele pára de falar. Não é uma boa companhia. Só não entendi em que momento ele se torna sobrenatural. Será que uma aranha radioativa o mordeu, pra ele virar indestrutível, e a câmera esqueceu de mostrar? A mensagem do filme é conservadora até a medula, não só por exibir meninas que fazem sexo e por isso merecem morrer, mas também por defender a pena de morte pro Michael. “Halloween” insiste que não tem por que alguém tão cheio de maldade continuar vivendo. Esse tipo de mentalidade parece estar na moda nos EUA, com o lançamento de três filmes prestigiando os justiceiros que pregam a pena capital com suas próprias mãos (“Valente”, com a Jodie Foster, “Death Sentence, com o Kevin Bacon, e “Illegal Tender”, com ninguém minimamente conhecido).

Além do Michael passar a ter poderes especiais pra aturar tantas facadas e tiros, ele também cresce pra caramba. O maridão pergunta se todos os atores do filme tinham que ter menos de um metro e meio de altura pro vilão parecer enorme. Não sei, só sei que não existe a menor chance de um grandalhão de mais de dois metros portando uma máscara medonha rondar um subúrbio americano e ninguém perceber. Num segundo algum vizinho apavorado chamaria a polícia. É sério. Quer um exemplo da vida real? Em Chicago, uma massagista branca foi atender a uma cliente num subúrbio. O marido, negro, e o filhinho, ficaram brincando na rua, esperando a mulher terminar. Em cinco minutos onze vizinhos ligaram pra polícia, que foi lá e prendeu o cara. Pelo jeito o direito de ir e vir não existe por aqui.

Ainda sobre o tamanho descomunal do Michael, alguém me explica como uma moça com um namorado anão vê um sujeito de dois metros fantasiado de fantasminha e acha que é o chamego dela. E tem uma hora em que o Michael poupa uma babá por notar que ela é sua irmã, que ele não via desde que a menina era bebê. Ahn, eu não sabia nem que o bebê era menina, e o Michael olha pra uma mulher feita e pensa “Minha irmã!”? Uau, ele é sobrenatural mesmo! Pra fugir dessas baboseiras, minha dica é: deixe a sessão assim que o Michael deixa de ser garoto. Afinal, o Michael gigante a gente já conhece de mil e uma péssimas sequências. Fique só com a origem do mal.

CRÍTICA: 30 DIAS DE ESCURIDÃO / Tem vampiro no meu congelador

Aqui em Detroit uns artistas fizeram umas esculturas de gelo muito bonitas. O problema é que elas não derretem. Ou seja, é como se eu estivesse vivendo dentro de um congelador. Pra piorar, nos meses de frio há cada vez menos luz. O sol tá indo embora às 5 da tarde, mas me disseram que logo será ainda mais cedo. Não é normal, e esse clima sinistro faz com que eu agradeça todos os dias pelo país tropical que temos, porque quem gosta de frio e noite é urso polar e coruja. E, a julgar por “30 Dias de Escuridão” (ou "30 Dias de Noite"; pelo jeito, saiu com dois títulos no Brasil), outra criatura que adora um breu gelado é vampiro. Tanto que um grupo deles faz de uma cidadezinha do Alasca seu buffet particular.

Agora, por que alguém em sã consciência viveria no Alasca? Ainda mais numa vila em que o sol não dá as caras durante um mês? Eu até empatizo com o pessoal, mas começo a pensar se todos nós que nos sujeitamos a temperaturas desumanas não merecemos mesmo virar comida de vampiro. Enfim, “30 Dias” parte de uma idéia interessante, embora a realização seja bastante ridícula. Pra mim, seria mais instigante se fizessem algo do tipo “Insônia”, falando dos males causados por morar isolado num lugar escuro. Na trama até mencionam que a venda de alcóol fica proibida durante o mês, pois o pessoal já têm problemas suficientes sem perder o juízo. Imagina que legal seria se os vampiros fosse meras alucinações dos habitantes ... Mas claro, seria um outro filme. Um melhor.

Do jeito que tá, “30 Dias” deixa o terreno prontinho pra uma sequência (que deve se chamar o quê, “60 Dias de Escuridão”?), sem se preocupar em esclarecer qualquer regra. Tudo bem, dá pra compreender que o terror considera estaca no coração algo do passado, e que o quente hoje é cortar cabeças a machadadas. No entanto, o modus operanti dos vampiros fará com que eles passem fome, tadinhos. Eles matam quase todo mundo na cidade imediatamente. Não sei se eles têm a opção de matar as vítimas e deixar que a temperatura ambiente conserve a refeição. Eles podem comer comida congelada? Em “Entrevista com o Vampiro” não podia. Tinha que ser uma presa viva. E tampouco tá bem explicado como se dá o contágio. Basta uma mordida? “Extermínio” foi mais inteligente quando lidava com zumbis. Uma gotinha de sangue infectado no olho de alguém já era morte certa. Em “30 Dias” usam até seringa. Ah, e já que é pra criar novas regras, que tal alterar o jeito vampirístico de beber sangue? Por que não usar um humano como se fosse uma jarra? Usam como se fosse um bebedouro.

Outra dúvida cruel: quem inventou esse tipo de edição? Sério, não dá pra ver nada. E, apesar d'os vampiros serem super rápidos pra agir, pra falar eles são bem lerdinhos. Inclusive, nenhum deles tem muito a dizer, a não ser o Danny Huston, o líder, que curva a cabeça antes de proferir qualquer palavra e repete sempre o mesmo vocábulo: Shakara shakara shakara. As legendas traduzem como querem. O Danny diz Shakara e a legenda: “Acabem com eles”, ou “As coisas em que vocês acreditam são bizarras” ou “Devíamos ter invadido aqui antes”. Se Esperanto fosse assim tão fácil! Mas nem todos os vampiros dominam o Shakarez. Numa hora uma menininha é vista de costas, e a gente sabe que boa coisa ela não tá fazendo. Daí ela vira e diz, em inglês: “Cansei de brincar com este aqui”, e sua boca tá cheia de sangue. Só que a guria é tão má atriz que declama sua linha de forma exagerada, estragando a cena inteira. Ok, pode ser que a Dakota Fanning não estivesse disponível pro papel, mas não tinha ninguém menos pior? Em seguida a garotinha se agita mais que a do Exorcista enquanto girava a cabeça. Machadada nela!

Infelizmente não podemos ficar com os vampiros que falam Shakarez mais tempo, provavelmente porque americano não atura filme com legenda. Então somos apresentados aos humanos chatinhos da história. Os principais são um casal de xerifes interpretados pelo Josh Hartnett (de “Pearl Harbor”, mas posso estar enganada. Costumo confundir o Josh com o Ashton Kutcher. Juro que não sei distinguir um do outro. Qual é casado com a Demi Moore?) e pela Melissa George (de “Turistas”). No início eles estão de mal, mas a gente sabe que no fundo eles se adoram. É tão meigo como o amor floresce no meio de tanta carnificina. Se eu e o maridão brigarmos, espero que monstros invadam nossa cidade pra gente reacender a chama da paixão. Sempre desconfiei que esse troço de terapia de casal não tá com nada. Problemas conjugais? Tranque os pombinhos briguentos numa vila sem sol e jogue uns draculinhas pra temperar. Se o casal sobreviver, vai ser amor eterno.

P.S.: Só pode ser piada “30 Dias” mencionar o Bela Lugosi. Imagino a tribo de adolescentes ouvindo esse nome e falando “Bela quem?”. Eles não tavam nem vivos na época do “Ed Wood”.

P.S.2: A direção de “30 Dias” é do David Slade, que se saiu muito melhor em seu primeiro filme, “Hard Candy” (aquele que levou o título tolinho de “Menina Má.com”). “Candy” não só é um ótimo e polêmico suspense sobre pedofilia, como merece ser (re)visto agora que a carreira de sua protagonista tá indo de vento em popa. Refiro-me a Ellen Page. Andam falando até em indicação ao Oscar pra ela por “Juno”.

P.S.3: Essa nota não tem muito a ver com nada, mas... Um apresentador/comediante da TV americana, o Stephen Colbert, que é hilário, foi entrevistar um jornalista/ativista ecológico que avisou: “O planeta corre perigo”. E o Colbert: “Quando você fala isso, você quer dizer o Planeta Terra? E como esse perigo poderia afetar o Planeta América?”. Então, quem sabe, com o aquecimento global, todo o Alasca derrete e os habitantes não precisam mais enfrentar um mês de escuridão? O lado negativo é que todos nós fritaríamos, sem o gelo pra conter os raios solares. Mas é um preço pequeno pra se pagar pra nos vermos livres de filme de terror medíocre passado no Alasca.

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

O LADO NEGRO DE QUE FORÇA MESMO?

Não tenho vergonha de confessar que nunca fui fã de “Guerra nas Estrelas”. Embora em 77 eu já fosse uma menina-prodígio de dez anos, eu ainda era isso, uma menina, e sabres de luz não me interessavam. Jedis nunca me disseram nada. Na realidade, celebrar tanto um filme, como vários críticos fazem com “Guerra”, é como adorar uma música de quando a gente era criança ou adolescente: a qualidade do produto em si importa menos que as lembranças que esse produto gera. Ou seja, o filme funciona como pretexto pro pessoal ficar nostálgico da própria infância.

Pra escrever este textículo, fiz minha lição de casa. Entrevistei um amigo de SP, o Maurício Muniz, especialista em quadrinhos e ficção científica. Ele concorda que “Guerra” tenha infantilizado o cinema, mas acha que a responsabilidade não é só do Lucas. “Guerra” seria apenas um dos inúmeros filmes pensados pro público de 12 anos. Pro Maurício, os efeitos especiais foram revolucionários, e, mais ainda, a franquia criou uma venda de bonecos licenciados inédita até então. Porém, meu amigão prefere “Jornadas nas Estrelas” e crê que a primeira trilogia de “Guerra” é muito melhor que a segunda – por não ser totalmente dirigida pelo Lucas. Segundo ele, Lucas é melhor produtor que diretor.

Continuando com a lição de casa, além da entrevista, revi o “Guerra” de três décadas atrás, o que não foi fácil, porque agora o DVD vem como “Episódio IV – Uma Nova Esperança”. O maridão não tinha certeza absoluta que o IV era o antigo I. Colocamos o DVD pra tocar, e o maridão dizia, triunfante: “Olha só, é a mesma música do de 77!”. E eu: “Todos os seis têm a mesma música!”. Ele continuava clamando que eram os mesmos letreiros, e eu insistindo que os letreiros eram sempre iguais. Até que ele se cansou: “Então, meu anjo? Se o filme de 77 é igual aos que vieram depois, qual a diferença em ver qualquer um deles?”.

Enfim, juro que tentei rever “Guerra”. E agora compreendo mais do que antes por que o Han Solo virou símbolo sexual (o Harrison Ford jovem era tudo). E sigo achando estranho que a princesa Lea seja a única mulher da galáxia. Mas toda vez que aparecem os robôs eu caio num sono profundo. Eles funcionam como medicamentos élficos pra mim. Podiam mandar o R2-D2 e o C-3PO pro espaço. Aliás, não é por nada não, mas HAL é que era computador de verdade. Provavelmente, não existiria “Guerra” se não fosse por “2001, Uma Odisséia no Espaço”. E talvez não existiria “Piratas do Caribe” se não fosse por “Guerra”.