quarta-feira, 30 de abril de 2008

CRI-CRÍTICA DE TRAILER: INCRÍVEL HULK E HOMEM DE FERRO

Leia a crítica de Hulk aqui, e a de Homem de Ferro aqui.

Esta sexta inaugura-se a temporada de verão americano. E você sabe o que isso significa: de maio até o comecinho de agosto praticamente tudo que entra nas salas daqui será filme de ação que custa mais que o PIB de vários países juntos, feito pra atrair meninos de 12 anos que estarão de férias. Então dá-lhe super-herói. Pelas minhas contas, vêm aí Homem de Ferro, Hulk, Hancock, Batman, e Hellboy 2. Sem contar heróis mais humanos como Indiana Jones, Speed Racer, Agente 86, e os de Procurado e Arquivo X. Não vai ser fácil. É como
disse a Libby no meio de um verão, tentando convencer seus filhinhos a não levá-los pra ver outro arrasa-quarteirão: “Mais um efeito especial e meu ciclo menstrual ficará alterado”.

Como falta-me assunto pra tratar de O Incrível Hulk e Homem de Ferro separadamente, vou falar dos dois juntos. Odeio quando dizem “Nossa única esperança”. É algo tão americano. Porque sério, não tem país que precisa mais de heróis que os EUA. O super-herói é a essência do individualismo. Mostra que o sistema judicial não funciona e que não existe a menor chance de recuperação pra um crimininoso, ao mesmo tempo que sugere que precisamos ser salvos. Mas o mal nunca é o sistema. O mal vem encarnado na pele de um super vilão, alguém com superpoderes que não tem a mesma índole bonzinha do herói, e que geralmente quer dominar o mundo. Quer dizer, o mundo mesmo não importa. Importa os EUA, principalmente Nova York. E convenhamos, pensar que “Se eu puder controlar este super-poder, poderei usá-lo” é como justificar as bombas nucleares em Nagasaki e Hiroshima e planejar uma nova utilidade pra elas no Irã.

O Hulk do Ang Lee era fraquinho, e não tenho nenhum bom pressentimento quanto a este. Pô, o mais incrível de Incrível Hulk é que um cientista que estraga a calça e vira bicho verde de bermuda toda vez que fica nervoso possa perder em popularidade apenas pro Homem-Aranha. A decisão de fazer um novo filme cinco anos após o relativo fracasso do primeiro Hulk é puramente comercial, óbvio. É que a Marvel está começando a financiar suas próprias produções, sem depender dos estúdios. Hulk e Homem de Ferro são seus investimentos iniciais.

Por coincidência, os dois super-heróis são extremamente militaristas. Hulk “pertence ao exército americano”, e as paixões do Homem de Ferro se resumem a armas e mulheres, nessa ordem. Aparentemente Hulk começa no Brasil (não mostrado no trailer), com o Bruce Banner querendo se curar dos seus acessos de raiva radioativos . E Homem de Ferro costumava brincar no Vietnã, mas foi atualizado pro Afeganistão (já que Guerra de Iraque virou veneno de bilheteria). Ele se orgulha de ser chamado de Mercador da Morte e, sarcasticamente, brinda à paz. Pelo jeito, um ótimo acompanhante pra esta joça seria O Senhor das Armas que, pra mim, é um dos melhores filmes de 2005.

Hulk tá com problemas: o Edward Norton brigou com a Marvel e não está participando da divulgação (o filme será lançado em todo o mundo 13 de junho). Homem de Ferro, que estréia oficialmente esta sexta, vai tentar ver se o Robert Downey Jr. consegue “abrir uma superprodução”. Pra mim esse é um argumento estranho, porque quantos vão ao cinema pra ver o Robert, ou o Edward, ou o Christian Bale, ou o Tobey Maguire? Eles todos ficam dentro de uma máscara ou pintados de verde, irreconhecíveis. Tá, ajuda que seja um astro do primeiro escalão e não o Eric Bana, mas só pra provar que o estúdio gastou mesmo uma grana preta pra fazer o filme. É mais ou menos como a gente saber dos interesses românticos dos heróis: o do Hulk é a Liv Tyler; o do Ferrudo, a Gwyneth Paltrow. São estrelas que devem ter sido bem-pagas, mas pelo trailer a gente já pode constatar a importância delas na história. Tipo, você notou que a Gwyneth tava lá? E alguém prova pra mim que é o Tim Roth dentro daquela maçaroca bege que virá a ser o inimigo número 1 do Edward Norton verdinho.

Você já notou que, pelo meu entusiasmo, as notas não serão altas. Nota 1 pro trailer de Homem de Ferro, e 2 pra Hulk. Espero que os filmes sejam melhores. Mas duvido.

O AMOR NÃO PODE SE DESIDRATAR

Diálogo entre eu e o maridão. Eu começo:

- Amore, posso te dizer uma coisa muito séria?
- Ih, lá vem crítica. Só um minutinho. Não fala ainda! Deixa eu colocar o fone de ouvido.
- Alguém tem que falar: eu te amo e tudo, mas acho que você não bebe água o suficiente, e nem faz tanto xixi quanto deveria.
- Água! Água! Bem lembrado! Tô com sede agora! [Vai beber água]
- Desculpa ser tão dura com você.
- Ah, minha fofinha, não precisa pedir desculpa por ser pão-dura. Eu já tô acostumado. Às vezes você não me deixa comprar um suco que custa US$ 1,60, mas tudo bem, porque aquele suco nem é muito bom. É verdade que você é uma pão-dura miserável na maioria das vezes, mas...
- Amor, posso falar uma coisa?
- O quê?
- Eu não falei “pão-dura”.

- Ah, não?

terça-feira, 29 de abril de 2008

MORTE AOS HOMENS

Agora vi Ms. 45, um filme B de 1981 conhecido no Brasil como Anjo da Vingança. Se minha mãe souber que estou vendo produções de segunda ao invés de todos os clássicos franceses e italianos à disposição (estou vendo alguns desses também), ela me deserda. Mas eu entendo da seguinte forma: quando veria Ms. 45 se não fosse agora, aqui nos EUA? Eu peguei o DVD principalmente porque antes vi I Spit on Your Grave (Eu Cuspo na sua Cova), típico exemplo do sexploitation movie, sobre o qual ainda vou escrever. E, como alguns críticos mencionam Ms. 45 e Spit na mesma frase, pensei que fossem parecidos, e achei que um filme do Abel Ferrara seria uma forma mais nobre de encerrar minha experiência com esse tipo de cinema (dois sexploitation movies! Já deu pra tosse, né?). Bom, ou eu vi uma versão muito, muito cortada de Ms, ou o filme tem quase tanto a ver com Spit como o remake de Funny Games tem a ver com Albergue e Jogos Mortais o que os críticos americanos andam dizendo – o que eles fumam antes de escrever?). Ms é sobre uma jovem muda numa Nova York repleta de predadores, como mostra o trailer. Todos os homens parecem ser tarados que falam sacanagens pras mulheres que passam. A personagem-título é estuprada duas vezes no mesmo dia, uma por um psicopata na rua, outra por um criminoso que invade seu apê (ser violentadas duas vezes no mesmo dia é extremamente pouco realista, ainda mais se considerarmos que mais de 80% das vítimas de estupro conhecem o estuprador, que ora é alguém da família, ora “amigo” da família ou da vítima). No caso do estuprador no seu apê, ela consegue matá-lo com um ferro de passar roupa. Fica com a arma dele, uma pistola 45. E pouco a pouco vai gostando cada vez mais de matar homens. E não precisa ser apenas estupradores. Qualquer homem que beije uma mulher em público entra pra sua listinha. Nisso Ms tem muitas semelhanças com Repulsa ao Sexo, clássico de 66 do Polanski (se você não viu, veja. É um terror psicológico de primeira. Mas saiba que tem seu ritmo próprio, muito mais europeu que americano). Aliás, em ambos os filmes as protagonistas trabalham com armas em potencial – em Ms, Zoe Lund passa roupa com um ferro pesado e quente; em Repulsa, Catherine Deneuve faz uma manicure. Enquanto em Repulsa o sinal mais explícito da deterioração da moça seja uma carne de coelho deixada fora da geladeira, em Ms a preocupação maior é o que fazer com seu único cadáver (os homens mortos na rua ela pode deixar onde estão). Ela o corta em pedaços e despeja um pacote por dia em diversos pontos da cidade. Pra mim fica claro que trata-se de uma fantasia feminina/feminista quando Ferrara mostra como é fácil cortar o braço de alguém com uma faquinha de cozinha (mas nem as facas Ginzu!). Enfim, esse tipo de exploitation geralmente tem duas partes, igualmente importantes. Na primeira a vítima sofre o diabo, é estuprada e espancada, tudo diante da câmera. Na segunda a vítima se vinga de seus algozes, usando o máximo de crueldade (e originalidade). A primeira parte deve ser bem executada pra que a gente vibre com as mortes na segunda (como fazemos em Desejo de Matar e, mais recentemente, Valente, com a Jodie, se bem que Valente tem algumas discussões éticas no meio, o que o desqualifica como exploitation). Em Ms, os dois estupros são rápidos, sem sensacionalismo, e a vingança também. Ok, eu mentalmente pensei “Mata! Mata!” no instante em que a vítima segura um ferro de passar em cima da cabeça do estuprador (que deve ser uma homenagem ao modo que a filha-zumbi mata a mãe em A Noite dos Mortos-Vivos). Mas as mortes que vêm depois são todas limpinhas (com revólver!), e envolvem homens que não são necessariamente monstros (na festa de Halloween, em que ela atira em todos os machos que vê pela frente, sabemos que um deles é um sacana – não quer mais fazer a vasectomia que prometeu à esposa. Mas, ainda assim, pena de morte é uma sentença meio forte prum crime desses). E nossa heroína nunca mais encontra seu primeiro estuprador; logo, não pode vingar-se dele. Um exploitation movie sem tanta exploração. Eu gostei. É um cult.

Zoe Lund dá uma de psicopata de Taxi Driver em Ms. 45. Aqui ela está vestida de freira porque 1) é Halloween no filme, e 2) Abel Ferrara é tarado por freiras, o que a gente sabe por causa de Vício Frenético.

GOOGLE PRA LOLINHA: TOMA QUE O FILHO É TEU!

Mais Google searches acabam trazendo leitores incautos pro meu bloguinho. Nota 5 é se o leitor saiu daqui feliz da vida por ter encontrado o que buscava; nota 1 é se ele ficou tão tiririca que não volta nunca mais.


Primeira tranda de Lola e Fernando – graças às buscas dos leitores, já sei o suficiente sobre Lola e Fernando pra saber que eles transaram. E pelo jeito foram várias vezes. Suponho que o leitor(a) queria escrever “transa”, mas na hora pensou num panda e ficou assim. Os pandas não transam. Por isso estão quase extintos, tadinhos. Já Lola e Fernando seguem numa atividade febril. Nota 1.

Criacionista na pré-história – realmente, naqueles tempos pré-históricos, havia mais chance de encontrar um criacionista que um evolucionista. Mas como era antes da Bíblia, nem as pessoas das cavernas acreditavam em Adão e Eva. Nota 1.

Dissertação de amor pronta – se eu tô entendendo direito, o leitor(a) quer uma dissertação prontinha, saída do forno, pra entregar? Nota 1. Eu não escrevo nem a minha, vou escrever a dos outros? Mas lembro da enrolação que foi escrever a tese de mestrado. Pedi pro maridão: “Amor, escreve a tese pra mim?”. E ele: “Eu não, já fiz o almoço”.

Adolescentes que adoram pênis enormes – meninos adolescentes? Ué, todos. É a obsessão deles. Nota 1.

Lola grávida de Fernando – não podemos deixar o maridão saber disso. Nota 1.

Filme nacional fotografo casado amiga da filhaNota 5. Foi direto pra minha crítica de Tolerância. Não é incrível? Às vezes o Google acerta.

Bulli o menino que foi enterrado no colegial interno para jogar grátis – um menino foi enterrado vivo? E você tá preocupado em não pagar pra jogar? Ok, a essa altura eu já entendi que Bully ou Bulli é um personagem de videogame, mas não preciso saber mais do que isso. Nota 1.

Ouvir música da bola lola – alguém tá me ofendendo. De qualquer jeito, não tenho uma trilha sonora me acompanhando. Se tivesse, seria bong bong? Aceito sugestões. Nota 1.

Meu filho não é meu filho – também não é meu. Não me comprometa! E espero que não seja do Fernando (ver “Lola grávida de Fernando”). Nota 1.

Tese onze homens e um segredo – tudo que tem “tese” no assunto o Google manda pra mim. Deve ser uma indireta. Será que o site de busca tem um pacto sinistro com meu orientador? Nota 1.

Blog mais badalado das tatu – obviamente não é o meu. Nota 1. Mas de qual tatu o leitor tá falando? Do Tatu da Ilha da Fantasia? Dos tatus, bichos, só que fêmeas (daí “as tatus”)? Ou ele queria dizer “das tatuagens”, mas teve um tilt mental antes de terminar a frase?

Tudo sobre as pessoas brancas – puxa, tudo?! Acho que vai ser difícil encontrar tudo na internet, porque tem bastante pessoa branca no mundo. Mas este leitor o Google ao menos mandou pro meu post recomendando o Stuff White People Like. E lá no Stuff dá pra ter uma boa noção de como as pessoas brancas não sobrevivem sem rituais estressantes como organizar jantar pros amigos, por exemplo. Nota 3.

Tudo sobre a vida de Lola na vida real – o Google achou que o leitor quis dizer “Lula”, porque, de fato, quem se interessaria pela vidinha desta que vos fala? Bom, tem o Fernando. Nota 2.


Mais google searches aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

QUEM O MARIDÃO NÃO LEVARIA PRUMA ILHA DESERTA

Mais um diálogo romântico que eu comecei com o maridão:

- Tô lendo o blog de uma moça que escreve muito bem, uma brasileira que se casou com um inglês e foi morar numa ilha, Jersey, lá na Inglaterra. Ela teve que pagar o visto de esposa no consulado britânico no Rio, e sabe quanto custou? 1.400 reais! Caro, né? E isso três anos atrás. Hoje deve estar mais caro ainda.

- É, é caro mesmo. Mas eu pagaria pra você.

- Pagaria o meu visto pra eu me casar com um inglês?! Pra quê, pra eu ficar mandando libra pra você, seu explorador de uma figa?

- Você numa ilha inóspita, longínqua... É, eu pagaria pra você.

POBRE PITEKO

Esta crônica eu escrevi um mês depois de começar meu mestrado, ou seja, em 2003. Reproduzo-a aqui porque a) ela elucida mais o caráter, ou falta de, do maridão; e b) tenho amigas cuja especialidade é Fonética, e senti uma vontade incontrolável de cutucá-las. Espero que quem não tenha nada a ver com a história também goste. Algum dia, se alguém perguntar nos comentários, eu conto como fui na prova.

SONS GUTURAIS

É um pouco decepcionante, confesso, entrar num mestrado de literatura e os primeiros pontos que eu aprendo são... sons guturais. Certamente deve haver coisas que eu odeie mais que Fonética. Por exemplo, detesto muito mais a guerra, a fome, a crueldade contra pessoas e animais, mas fonética ocupa um lugar de destaque na minha lista de Temas Abomináveis. O maridão, pra não perder o costume, aproveitou pra me esculhambar.

Ele: “Sei por que você tem aversão à Fonética. É porque você não está acostumada à última parte da palavra, ‘ética’ ”.

Eu: “A última parte da palavra é ‘nética’, sua metástase retardada!”.

Ele: “Aposto que você fala pras suas colegas: ‘E aí, estudou pra Fono?’".

A fonética adota uns símbolos extraterrestres que, pra mim, é tudo grego. Mas o pior é que vai ter prova. Quando a professora proferiu as arrepiantes palavras “sem consulta”, você precisava ver o pânico estampado nos rostos. Minha reação inicial foi me jogar pela janela, mas notei que esse ato impensado poderia causar a morte de um transeunte que tivesse o azar de passar embaixo, e mudei de idéia. Logo me conformei e vi que o único jeito de sobreviver à Fonética seria decorar umas tabelas. Agora tenho o final de semana inteiro pra memorizar o que aparenta ser a tabela periódica. Sabe aquela dos símbolos químicos? É parecida. Colei as tabelas no banheiro pra poder visualizá-las. O maridão olhou pras paredes do banheiro, olhou pro meu estado de nervos, e avisou, solidário: “Tchau, amor. Vou viajar. Volto no próximo fim de semana”. Depois de um ou dois tabefes carinhosos, ele acabou ficando. Mais tarde, ele perguntou se eu tinha certeza que as tabelas eram de Fonética mesmo, pois, pra ele, pareciam esquema de assalto a banco.

Com minha mente privilegiada, decorar tabelas não deve ser difícil. Tenho vários truques. Há umas tais de consoantes mudas: p, t, k, s, f. Como lembrar disso? Ué, eu coloquei vogais no meio e formei uma frase: “Piteko si fu”. E, pelo jeito, Piteko não será o único.

SOMOS NACOS DE CARNE NUM AÇOUGUE

Pra ser sincera, pouca gente fala comigo sobre eu ser gorda. Ok, teve o vendedor sem simancol de Herbalife, teve dois rapazinhos num shopping, que passaram por mim e sussurraram “Gorda”, quase inaudivelmente, pra eu não poder ter certeza e revidar; tem a minha família, que pra não falar de gordura fala de saúde, tem todas as mulheres do mundo que parecem que só falam em dieta, mas nesse caso não é pessoal, e tem quem já perguntou se eu tava grávida. Conheço mulheres mais gordas que eu que sofrem mais abuso e que não podem nem comer em público sem que uma multidão aponte pra elas e acuse: “Tá vendo porque ela é gorda? Ela come!”. A Renata e outras moças já relataram coisas parecidas por serem muito magras. O fato é que, se isso acontece com homens gordos ou muito magros, é em escala infinitamente menor. E por uma razão simples: porque homens não são avaliados unicamente por sua aparência. E porque a sociedade sente-se um tiquinho constrangida em chegar prum cara e, do nada, discorrer sobre sua forma física. Mas com as mulheres isso é corriqueiro. Somos nacos de carne pendurados num açougue, prontos pra escutar passivamente inúmeras críticas a nosso respeito. Qualquer estranho pode passar e opinar. Qualquer operário de obra pode assobiar sua aprovação. Qualquer grupinho de rapazes pode discutir, na nossa frente, “Você pegaria essa?”. Estamos às ordens. Pelo jeito, Deus nos criou da costela de um ser superior feito a sua imagem e semelhança pra isso mesmo. Mas não devemos nos sentir mal. Jesus nos ama.

Não, o que eu ouço bastante é sobre as minhas olheiras. Que eu saiba, posso ter sido a única criança no universo com olheiras. Sempre as tive, e nunca dei muita bola, embora elas estejam associadas a doenças, ressaca e a dormir mal. E eu sou saudável, não bebo nem nunca bebi, e durmo minhas sete horinhas por noite. Quando me olho no espelho mal noto esses círculos escuros embaixo dos olhos. Mas as pessoas fazem questão de me lembrar. Uma vez foi até bonito: um amigo escritor referiu-se a elas como “olheiras de Capitu”. Quase encarei como um elogio. Noutra ocasião uma menininha quis saber, genuinamente curiosa, o que eram essas manchas. Até aí, normal. Mas quando se junta um comitê pra analisar minhas olheiras, eu não acho legal. Ou quando um carinha na pós interrompe minha conversa com uma professora, na escada, pra perguntar: “Puxa, isso é real ou é maquiagem?!”. Aí eu fico meio revoltada, sabe?

Moi, precisando urgentemente pintar os cabelos, com olheiras, sem maquiagem ou fotoshop, que nem sei como funcionam essas coisas.


É estranho, porque se um comitê de avaliação se reúne pra decidir se meus olhos são azuis ou verdes (obviamente são verdes; nunca vi meus olhos azuis na vida), eu não me estresso. Mesmo se o comitê insiste que sou daltônica e não reconheço a cor dos meus próprios olhos. Mas, claro, olhos claros são valorizados numa cultura em que moças de cabelos crespos são condicionadas a só gostar de cabelo liso. E olheiras não são valorizadas, a menos que eu tivesse nascido panda ou guaxinim.

Mas por que eu não uso maquiagem pra esconder minhas olheiras? Ou, melhor, por que não uso maquiagem, ponto? Porque nunca gostei. Porque me incomoda profundamente, como feminista, ter que gastar tempo e dinheiro fazendo uma coisa que os homens não têm que fazer. Pensa só: o único instante em que é socialmente aceitável prum homem se maquiar é se ele é ator ou modelo, profissões em que a aparência conta. Mas mulheres estão sempre no palco, na passarela – ou no açougue. Lembra do que nos ensinam as revistas femininas, né? A gente deve se arrumar até pra ir à padaria. Como aparência conta sempre pra mulher, talvez seja aceitável pruma profissional não se maquiar se ela usar um escafandro e tiver que ficar embaixo d'água 16 horas por dia. Talvez.

Eu me recordo bem de uma vez em que era adolescente e fui fazer um mini-curso de Ciência Política em Washington. Dividi o quarto com uma americana, que acordava duas horas antes do necessário pra se arrumar e maquiar. Pô, ela tinha 19 anos! E era havaiana, vinha de uma cultura com mais sol, mais praia, o que combina menos ainda com maquiagem. Nunca entendi o que o seu rosto tinha de tão terrível que precisasse ser escondido. Por que isso é tão comum entre nós, mulheres ocidentais, mas achamos opressor que muçulmanas tenham que cobrir seus rostos com véus? Por que ficamos horrorizadas com as histórias de africanas que têm seu clitoris extirpado para não permitir prazer, mas compramos revistas femininas que ensinam como devemos nos posicionar durante o ato sexual pra disfarçar gordurinhas e seios flácidos? Difícil ter prazer sem clitoris, assim como é difícil ter prazer quando a gente se detesta full time.

Mas que bom que Jesus nos ama. Porque, tirando ele, não sobra muita gente.

domingo, 27 de abril de 2008

“ESQUEÇA A LEI”

Começando do começo. Quarta retrasada, em um dos dois supermercados mais próximos de casa (em Detroit) a que vamos sempre, havia um pacotinho de cream cheese (espécie de requeijão) em promoção. Ele tava numa gondola separada, com uma placa grande em cima, escrito “2 por $3”. 1,50 cada, um bom preço, considerando que ele normalmente custa 2 dólares. Peguei dois. Ao chegar ao caixa, como esse foi o primeiro produto a passar e não havia qualquer dúvida quanto ao preço, nem chequei. Chequei as outras mercadorias e, lógico, havia uma discrepância entre o preço marcado no produto e o preço cobrado no caixa. Eu digo “lógico” porque sempre há. Nesse supermercado em particular acontece 100% das vezes. Não tô exagerando. Nos outros supermercados ocorre menos, talvez apenas em metade das ocasiões. Mas é fato que ocorre em todos, médios e pequenos. O Food Pride (Orgulho da Comida, ou algo assim) é médio, e o atendimento, péssimo. Mas fica perto de casa, a apenas oito quarteirões, e não temos carro. Já contei do bafão que teve lá entre eu e uma caixa uma outra vez, porque eu afirmei não ser possível que o consumidor tivesse que conferir o preço de cada produto, já que sempre havia erros, e ela, grossa, disse: “Faz parte da vida”.

Cheguei em casa e verifiquei o cupom fiscal. Sabe o cream cheese que tava na gondola por 1,50? Passou por 2,39. Cada. Uma diferença enorme, de quase 90 centavos por produto. Por esse valor, 1,80 a mais que me foi cobrado, dava pra comprar duas barrinhas de chocolate em promoção na farmácia. Falei pro maridão: não vamos voltar àquela porcaria de supermercado só pra isso. Na semana que vem, quando formos novamente, aí reclamamos.

Voltamos na última quarta. Logo ao entrar, procurei o gerente. Expliquei a situação. Disse que isso acontecia todas as vezes. Precavida, eu havia levado uma cópia impressa de uma lei estadual chamada Scanner Law, que afirma claramente: se um produto passar com um preço mais alto no caixa, e a transação for finalizada, o consumidor tem até 30 dias para reclamar. A loja “pode escolher devolver” (palavras um tanto estúpidas, pra uma lei) a diferença entre o valor marcado e o valor cobrado, mais um bônus de até dez vezes essa diferença, num mínimo de 1 dólar e num máximo de 5. Se a loja se recusar a pagar essa diferença e esse bônus, o consumidor pode entrar com um processo pedindo um máximo de 250 dólares por danos morais, mais 300 pras taxas de advogado. Parece uma lei decente pra proteger o consumidor, né?

O gerente me disse que eu não podia voltar lá uma semana depois e dizer que o preço era outro, porque fica a minha palavra contra a dele, e está mais do que na cara que eu sou uma ladra mentirosa, e que o estabelecimento comercial, que cobra a mais 100% das vezes, é que é honesto. Não foi bem isso que ele falou, mas você entendeu. Ele aceitou “confiar na minha palavra” e me devolveu a diferença, $1,80. Eu repeti que esse problema não acontecia uma só vez, mas todas, e o que eu queria mesmo é que isso parasse. Ele falou que, se ocorresse novamente, era pra passar lá pra falar com ele na hora. Logo, fui às compras sem stress, peguei o de sempre, desisti de conferir o preço de cada produto no caixa, porque as estatísticas não mentem - óbvio que ia acontecer de novo. Paguei, vi a nota. Tava lá. Um pacote com três sabonetes que compramos passou por $1,49, quando o preço marcado no produto era 1,09. Eu tinha levado os dois últimos pacotes, ambos marcados 1,09. Fui ao gerente, mostrei a nota, mostrei o produto, e ele, muito revoltado, foi consultar um outro supervisor. Não havia nem o que consultar. A etiqueta no produto dizia 1,09. Pagamos 1,49. Pela lei, o supermercado deveria nos dar 4 dólares, porque é a diferença, 40 centavos, vezes dez. Mas eu e o maridão ficamos lá, plantados, aguardando. Enquanto esperávamos, mais de quinze minutos, um empregado do supermercado, nervosíssimo, veio falar comigo, engrossando a voz:

- Eu sei o que você está fazendo. Você fica caçando produto com preço diferente pra lucrar. Por isso você trouxe a cópia da lei. Eu conheço o seu tipo. Muita gente faz isso, e não acaba bem pra eles. Eles vão presos. Você devia tomar cuidado!

Assim, na cara dura, me ameaçando. Por eu estar exercendo um direito meu! (Sem falar que como que alguém pode adivinhar o produto que vai dar erro?). O carinha não tava interessado em me escutar. Só me insultou, me ameaçou, e foi embora. O que mais revolta é que esse pobre coitado deve ganhar salário mínimo e trabalhar feito um escravo no supermercado, mas toma as dores dos patrões, que lucram com a diferença de preço entre o que tá marcado e o que é cobrado. Eu só tive tempo de responder, meio que gritando atrás dele: “Vocês é que deviam tomar cuidado! São vocês que não estão agindo dentro da lei”.

Veio outro empregado ameaçador perguntar o que estava havendo. Repeti. Depois outro. Finalmente voltou o gerente, com uma pasta imensa, e um outro supervisor, mais velho. O gerente me mostrou um numerinho na pasta, entre centenas de produtos, com o preço do sabonete, 1,49. Portanto, o preço era aquele mesmo e eu estava errada, porque tava marcado na pasta, entende? E não importa o que está marcado na cara dele, no produto. Argumentei que não tenho como saber o que está marcado na pasta dele. Que o único preço que conheço é o marcado no produto. Que a lei é clara nesse sentido. O supervisor disse que às vezes as pessoas, sem querer, trocam as etiquetas dos produtos, e que o supermercado, coitadinho, não tem como fiscalizar tudo. Mas que não, imagina, ele não tava me acusando de fazer isso. Peguei o papel e comecei a ler a lei pra ele, e ele me cortou: “Esqueça a lei”. Eles disseram que não iam nos pagar a diferença coisa nenhuma, e era melhor ir embora. O gerente ainda começou a gritar que eu mandasse algum órgão fiscalizador pra lá, que ele iria mostrar a mesma pasta. E que ele fez muito em me devolver a diferença do cream cheese. E que não deveríamos mais fazer compras lá. Pra ficarmos longe daquele supermercado pra sempre.

Agora nem sei direito o que vou fazer, a quem recorrer. Mas alguma coisa eu vou fazer, escrever umas cartinhas, sei lá. E, claro, não voltaremos àquele supermercado. Provavelmente minha reclamação não vai levar a nada. Mas o que me chateia mesmo não é termos sidos humilhados em público e expulsos por exercer um direito nosso, nem a corrupção aberta de um estabelecimento comercial, nem essa diferença entre o preço marcado e cobrado. Não, o pior é a diferença de percepção entre o que brasileiro de classe média acha que é a América e o que é a América de verdade. Passei a vida toda ouvindo “as verdades” de gente que provavelmente nunca pisou no exterior. Frases como:

“País civilizado é outra coisa!”

Isso só acontece no Brasil!”

Se isso acontecesse nos EUA, ohhh, não quero nem pensar!”

Lá as pessoas cumprem as leis”.

Lá tudo funciona direitinho”.

Etc etc etc. Pois é, o Brasil é uma droga mesmo, e paraíso é aqui nos EUA. Aqui, onde te roubam, olham pra tua cara e te dizem, com todas as letras: “Esqueça a lei”.

MUÇA E MAU-MAU NO VITRINE

Pra quem mora em SP e tem TV Cultura, ou a Cultura pega aí (em Joinville, por exemplo, pegava, mas venderam a concessão pra uma rede evangélica, o que é um pecado capital), hoje, às 20 horas, meus amigos Mucinho e Maurício Muniz estarão no Vitrine (com reprise na terça, no mesmo horário). Imagino que eles não estarão sendo entrevistados lá por seus lindos olhos azuis, mas pra falar de seu novo filme, o desenho animado Procura-me, que terá as vozes de Luana Piovani e Paulo Ricardo. Pensando bem, nem sei se será uma entrevista ou uma reportagem sobre o projeto. Mas não deixem de ver, porque o que vem dessa dupla Muça e Mau-Mau geralmente é ótimo. E visitem o site do desenho e a comunidade no orkut.

CRÍTICA: BEM-VINDOS À CASA DE BONECAS / Mais um grande clássico adolescente

Se existe feel good movie, também deve existir feel bad movie, do qual Bem-Vindos à Casa de Bonecas (1995) é um belo exemplar. O único jeito de considerar este um feel good movie é se você comparar a sua adolescência com a da protagonista e constatar que puxa, ela até que foi encantadora. Aqui é o inferno. Pra quem acha Atração Mortal (Heathers) ou Eleição cínicos demais pra serem enquadrados como filme adolescente, bom, bem-vindo a Bem-Vindos.
Sou fã do Todd Solondz por dois motivos principais. Primeiro que ele não se vendeu ao sistema. Começou como diretor independente e, depois de quatro filmes, continua como diretor independente, sempre muito audaz (sem ser chato ou pretensioso). Aliás, dá a impressão que ele tá cada vez mais independente – é só ver seu filme mais recente, Palindromes, que soa quase amador. O carinha não tem vergonha de falar dos temas mais polêmicos, como pedofilia (Felicidade, Palindromes), sexo entre professor e aluna na universidade (Histórias Proibidas, seu pior filme, ainda assim acima da média), aborto (Palindromes), ou o desprezo dos pais pelos filhos (principalmente Bem-Vindos). O segundo motivo pra eu gostar do diretor é que ele consegue fazer isso com humor.
Não que Bem-Vindos seja uma comédia de humor negro, como alguns a definem. Pra mim é um drama. Dawn é uma menina fora dos padrões de beleza que sofre na sétima série. Seus colegas a chamam de “cara de cão”, os professores a humilham, e sua mãe só tem olhos pra irmãzinha, que vive vestida de bailarina e dançando (a maior parte de nós que tem uma irmã mais nova já a viu saltitante, vestida de bailarina). Numa produção convencional, tipo Disney, até o final o patinho feio Dawn se transformaria em cisne. Mas como é do Solondz, a situação só piora. O que temos deve ser o retrato mais cruel já mostrado num filme sobre uma adolescente americana. Ela pergunta a Mark, seu irmão mais velho, meio nerd, se a vida melhora na oitava série. Ele diz que não, e que começa a melhorar apenas nas séries finais, mais perto da faculdade: “Ainda vão te xingar, mas não na sua frente”.
Pobre Dawn! É incrível a sensibilidade do Solondz pra tratar do que parece ser a mais ameaçadora espécie de bullying – um colega diz que vai estuprá-la. Felizmente isso não ocorre, e algoz e vítima passam a ser amigos, mais ou menos. Mas a relação de abuso só se perpetua. Dawn aproveita os palavrões novinhos que aprendeu na escola (usados contra ela) pra insultar sua irmã. E as melhores cenas nem são as da escola, mas a do ambiente familiar, igualmente terrível. A mãe é uma víbora total. Adoro o momento em que Dawn explica que revidou uma agressão, e a mãe, histérica, questiona: “Quem te ensinou a revidar?”. Ou quando a família inteira, reunida, assiste a um vídeo caseiro, e todos riem quando a irmã joga Dawn numa piscininha (todos menos Dawn. Ela não tem razão pra rir no filme). Mas quase choro na cena em que a mãe pede a Dawn para esvaziar o quartinho no quintal que lhe serve de refúgio, porque será usado na comemoração do aniversário de casamento. Dawn se recusa, e a mãe volta pra mesa de jantar com uma bela sobremesa, separada em cinco pratos. Na hora de passar o prato à filha, a mãe muda de idéia, e Dawn fica lá, arrasada, vendo todos se deliciarem. A irmãzinha não perde a deixa e pergunta: “Mãe, já que a Dawn não vai comer sua parte, você pode reparti-la entre eu e o Mark?”. E Mark, na hora: “É, mãe, divide, vai!”. A mãe acata a sugestão, e em seguida pede ajuda dos irmãos para limpar o cantinho de Dawn. É de cortar o coração.
Bem-Vindos é o anti-Patricinhas, mas dá pra gostar dos dois. Se eu fosse você, via (ou revia) logo todos os filmes do Solondz, porque o cara é fodonz (ignore esse trocadilho infame).

sábado, 26 de abril de 2008

UM FILME ANTIGO E MINHA EXPERIÊNCIA DE BULLIED

Cuidado com meu Guarda-Costas (1980) não é nenhuma obra-prima, mas se a gente for pensar em Meu Nome é Taylor, Drillbit Taylor, Cuidado é mais ou menos assim: comparar isso com a Mona Lisa (com todo respeito ao maridão). Pra começar, Cuidado não é uma comédia, e sim um drama sobre um rapaz que é bullied no colégio por um Matt Dillon muito jovem, e tem que pedir ajuda a um colega grandão e com má reputação (feito por um Adam Baldwin muito jovem) para defendê-lo. Eu revi o drama esses dias, e fiquei pasma em ver a Joan Cusack (de aparelho) e a Jennifer Beals, que três anos depois ficaria famosa mundialmente por Flashdance, mais tarde sumiria da face da Terra, e ainda renasceria das cinzas no seriado The L Word. Ela não tá nem creditada em Cuidado, e não tem nenhuma fala, mas não dá pra não reconhecê-la como uma das alunas legais (ao contrário dos bullies). Agora, continuo sem entender como uns valentões podem abusar de uma vítima na frente de todo mundo e ninguém fala: “Pare imediatamente, seu idiota!”. Quer dizer, nem uma das meninas tem voz? Que eu me lembre, o único filme que lida com bullies em que uma menina se intromete é o ótimo Bem-Vindo à Casa de Bonecas (vou publicar um texto sobre ele amanhã).
Eu fico tentando me lembrar da minha infância. Não havia bullies na minha escola, então não posso saber como eu reagiria. Mas eu tinha uma turminha no meu prédio, e uma das minhas amigas nessa turma era a Regina. Ela era um doce, filha do zelador, e jogava bem futebol. Só que também era gordinha e, aos doze ou treze anos, ainda não tinha entrado na puberdade. Tava naquela fase em que, se você não fala nada, as pessoas podem demorar pra descobrir se você é menino ou menina. Na minha turma isso não era um problema, mas ocasionalmente, quando brincávamos com crianças de fora, alguns garotos eram bem estúpidos com ela (porque crianças podem ser cruéis). Eu não tinha nenhuma tolerância com essa gente, mandava parar na hora, e explicava direitinho que, se quisessem brincar com a gente, tinham que tratar bem todo mundo. Acho que eu era meio mandona, eu sei, mas por uma boa causa. E o pessoal obedecia. Por isso não entendo quando vejo uma humilhação pública num filme, e todas as garotas ficam olhando sem interferir, como se fossem zumbis. Se uma delas se intrometer, os valentões vão fazer o quê? Bater nela? Pode até acontecer, mas suponho que rapazes batendo numa menina chamariam a atenção da diretoria da escola.
Pra não dizer que eu nunca fui bullied, vou recordar uma ocasião, com muito esforço, porque que eu me lembre foi uma vez só. Eu tinha uns oito anos e morava no Rio. Acho que a professora havia pedido pra cada aluno trazer alguma coisa de casa pra montar uma exposição. Não tenho a menor idéia do tema da exposição, só que acabei levando uma estatueta de madeira de um homem nu, que vivia na sala de casa. Quando eu digo “homem nu”, não estou me referindo ao Davi de Michelangelo. Não havia órgãos genitais naquela estatueta tosca, sem cor. Era nu como o Ken da Barbie, sabe? Mas uns coleguinhas da minha classe devem ter achado aquela estatueta a coisa mais indecente já vista, porque a pegaram e simularam atos sexuais com ela. Claro que os insultos não se restringiram à ela e eu também fui xingada. Mas o que me chateou mais foi o desrespeito com a estátua. Eu me senti a própria. Porque aquele troço vinha da minha casa, tava todo dia na sala, e era algo familiar, íntimo. E eu não compreendia como alguém podia ver maldade num nu, ainda mais num nu que nem era nu. Esse foi meu momento “vítima de bully, e doeu. Seguiu uma das principais características do ritual bullístico: ninguém interferiu pra me acudir. Nessas horas os adultos nunca aparecem, e as vítimas-mirins são deixadas às moscas. Àquelas do Senhor das Moscas, bem entendido.

RESULTADO DA ENQUETE SOBRE AL PACINO

- 88 já deixou as salas? Posso sair agora? Ética! Ética!


Devo admitir que minha enquetezinha sobre o Al Pacino não atraiu muita gente. Pra escolher a pior encrenca em que o Al já se meteu em sua longa carreira, apenas 21 pessoas votaram. Contato de Risco (Gigli) ganhou 4 votos, ou 19%, mas lembre-se que nessa bomba o Al é apenas coadju
vante (as principais estrelas são Ben Affleck e Jeniffer Lopez). Se você tiver nove minutos, esta cena com a interpretação do Al já diz tudo. Perfume de Mulher, que lhe deu o Oscar, e Parceiros da Noite, um filme cruel e homofóbico, receberam 3 votos cada. Se bem que 3 pessoas também disseram que qualquer coisa com o Al valha a pena ser vista. Esses tolinhos não viram 88 Minutos, o grande vencedor, eleito com 28%. Certamente levou o meu voto.

26 participaram na enquete da atuação mais marcante do Al. Pra você ver como Perfume é amado e odiado ao mesmo tempo, 7% dos votantes deram razão ao Oscar e afirmaram que sim, é o melhor trabalho do Al. 15% acham que é O Advogado do Diabo. 19% preferiram sua atuação na trilogia O Poderoso Chefão (porque eu não ia fazer a sacanagem de pedir pra escolher onde o Al tá mais brilhante, no Chefão 1, 2, ou 3). O maridão não aceita esse resultado, pois considera Chefão 1 e 2 os melhores filmes de todos os tempos (ele ama Lawrence da Arábia também). A grande surpresa pra mim foi que 23% escolheram Scarface, que só ficou atrás do vencedor, o fabuloso Um Dia de Cão, por um votinho. Pessoal, vocês andam vendo muito videogame baseado no filme. Eu gosto muito do Scarface hiperviolento de 83, mas o Al tá um tantinho exagerado, não? E em Advogado do Diabo também, se me permitem. Bom, pelo menos por causa do meu voto, Um Dia de Cão ficou na frente. E tem gente que diz que um voto não faz diferença...

sexta-feira, 25 de abril de 2008

UMA MÃE PARA MEU BEBÊ / Anotações

Antiga tradição japonesa: karaokê? Merchandising um pouco exagerado de American Idol. Mas eu joguei na casa de uns amigos e é bem legalzinho.
Entrada no hospital também é divertida. Derrubando gente, perguntando se aquele lá tá morto.
Vi na The Advocate que alguns gays referem-se aos heteros como “breeders”, reprodutores. Não gostei.
No começo a mãe da protagonista diz algo racista, como não adote um negro. No final ela abraça o único negro da história. Forçação de barra, anyone?
Mundinho branco: comida orgânica, suquinhos de vitaminas, reprodução assistida.
Custa 100 mil dólares.
Adota, pô! Leva cinco anos pra uma mulher solteira? Sim, se você quiser um bebê recém-nascido bem branquinho.
Saída fácil no final.
Narcisismo de querer fazer uma cópia de você.
Você só tem valor como mulher se engravidar/ser mãe. Quem não é fértil é inferior? Perdão? A maioria pode engravidar até sem querer.
Steve Martin sussurra que o segredo do sucesso é ter um pênis.
Vegans, reclamem. Vão a um restaurante vegan e a comida é intragável. Certamente deve ter coisa melhor.
Endless Love no começo é uma trilha sonora irônica pra revelar o “amor” entre as duas. Mas faz pensar que Hollywood nunca fez uma produção mainstream em que um casal de lésbicas tenta engravidar. A Renata disse que aguardava este filme porque tem todo um subtexto lésbico e, na falta de uma produção própria sobre isso, ela fica com as migalhas que o cinemão oferece.
Trilha sonora boa. “Be my / be my baby”.
Vilanizam a Sigourney Weaver. E fica a impressão que tinha mais, e tiraram. O que permanece é todo mundo achando estranho, suspeito e nojento que uma mulher mais velha possa ter filhos.
Presente de Grego, em 1987, Diane Keaton.
E claro que ela vai encontrar o grande amor. Porque isso de mulher criar filho sozinha não tá com nada pra Hollywood.

CRÍTICA: MEU NOME É DRILBIT TAYLOR / Playground onde se fazem homens

Ser bullied na escola pode não só ser divertido como útil pro futuro

Sabe quando a gente critica as distribuidoras brasileiras por não manterem o título no original? Em Meu Nome é Taylor, Drillbit Taylor, considero isso um erro. Porque o título original não quer dizer absolutamente nada. É o nome de um desertor do exército que se tornou vagabundo profissional e é contratado para proteger dois garotos atormentados por bullies na escola. Esse sujeito, que nem é o personagem central, é interpretado pelo Owen Wilson (Penetras Bons de Bico). Na vida real, foi logo depois desta comédia sem graça que o Owen tentou se matar. Dá pra entender porquê. O maridão e eu concordamos que Drillbit foi um dos piores programas dos últimos tempos, e o maior desperdício de duas horas de que temos notícia.
O filme é ofensivo em tantos níveis que nem sei por onde começar. Tá, é ofensivo com os vagabundos, o pessoal que não faz nada ou que pede dinheiro, porque todos são pintados como ladrões. E se é pra ter pena de alguém, vamos ser solidários com uma mulher de rua com duas crianças de colo ou com um jovem homem branco de olhos azuis, bronzeado de sol? Ah, pobrezinhos dos homens brancos, esses discriminados. Se Drillbit fosse de outra cor ou falasse espanhol, poderia se integrar tão bem à escola? Poderia tirar dinheiro de criancinhas tão impunemente?
O filme é ofensivo com as mulheres. Imagina que você seja uma menina numa escola e constantemente alguns bullies maltratarem guris na sua frente. Você não vai falar nada? E se um deles te chamar de vadia na frente de todo mundo, você continua quietinha? Precisa mesmo que algum menino venha te defender pra abrir a boca? Tá, agora vamos supor que você esteja tomando sol de bíquini no seu quintal, e três garotos passam correndo e quase te pisoteiam. Você não apenas continua deitada, como também, quando os moleques voltam, posa de modo sexy pras câmeras de celular que eles têm, pra mostrar como você está disponível 24 horas por dia. Ok, agora suponhamos que você seja uma professora solteira, bonita e independente, apesar de burra como uma porta. Aparece um carinha do nada e você se envolve com ele. Mesmo depois de descobrir que o sujeito mentiu descaradamente, você continua apaixonada. Que homens desinteressantes se envolvam com lindas mulheres já se tornou padrão nas comédias com o toque do Judd Apatow - O Virgem de 40 Anos, Superbad, Ligeiramente Grávidos, e agora este. Queridos nerds, desempregados, e homens que não querem crescer: não se preocupem. Tá cheio de mulher deslumbrante pra te adorar do jeitinho que você é.
Drillbit é ofensivo com a escola e seus professores. Professores só existem pra tomar cafezinho. Se algum dia você precisar deles pra salvar a sua pele, desista. E nem pense em reclamar com o diretor sobre os bullies que vêm tornando a sua vida um inferno. Ele não só não vai fazer nada, como vai rir de você. Ah, e tem mais: qualquer vagabundo pode entrar na escola e fingir ser um professor substituto durante meses. Pode circular entre os alunos tranquilamente. Pode até trazer sua turma de amigos mendigos pra também dar aula e tomar cafezinho.
É ofensivo com os pais. Na realidade, os dois garotos são fracotes covardes pela falta da autoridade paterna. O pai do gordinho se separou da mãe e nunca o vê. O magrinho não tem pai - tem padrasto, que não lhe dá a menor bola. O padrasto, inclusive, revela que ele mesmo foi um pouco bully na sua época de escola, e que isso é bom e natural, e que provavelmente suas “vítimas” devem estar agradecidas até hoje. Não há ninguém para contestá-lo, porque o filme não tem nada contra os bullies, pelo contrário. Se não fossem eles, nossos teens fraquinhos não se tornariam homens (os dois atores-mirins foram escalados por lembrarem os adolescentes de Superbad. Conseguem ser os piores atores do universo).
Porém, não pense que Drillbit seja apenas contra todas as categorias mencionadas acima. Ele é favor de várias coisas. Por exemplo, tem fascínio pelo capitalismo e a iniciativa privada. Você tem que pagar pra ganhar o direito de não sofrer na escola, entende? É também extremamente militarista. O segredo pra parar de ser infernizado por bullies é faltar à escola durante o máximo de tempo possível, e ficar treinando. Violência, como os americanos sabem tão bem, só pode ser resolvida com violência. O treinamento militar é a resposta. E o filme defende uma punição mais severa para desertores do exército.
No início da década de 80, a gente teve Cuidado com meu Guarda-Costas (Adam Baldwin aparece brevemente em Drillbit como candidato). Em 93 Dazed and Confused (Jovens, Loucos e Rebeldes) fez enorme sucesso entre os críticos. Não é exatamente sobre guarda-costas, mas tem bullies atormentando guris, e toda a comunidade (inclusive as vítimas) encara isso como um rito de passagem. É aquele mantra de “a escola é um inferno”. Quem sobreviver virará uma pessoa de valor e nem perceberá quando tiver que participar de um outro inferno, como a guerra. A cada geração fazem um filme sobre bullies. A situação não muda. Depois acontece um Columbine e ninguém liga os pontinhos.
E o agressor não é um sistema que permite que esse tipo de atrocidade se repita em cada escola. Não. Nesses filmes todos o agressor é um indivíduo, com um problema individual. Em Drillbit, é um carinha desequilibrado que ainda por cima nem é muito americano e pode ser mandado embora do país. Porque os EUA não tem nada a ver com isso. Olha, mesmo sem conhecer nada sobre, sei lá, Hong Kong, sou capaz de apostar que bullying é um problema menor lá que nos EUA. Na Terra das Oportunidades, colégio é apenas o primeiro dos muitos treinamentos militares que virão.