domingo, 26 de novembro de 2000

CRÍTICA: TOLERÂNCIA / Profissão: Bundão

O sentimento de culpa levou-me à Tolerância. Como não fui ver O Auto da Compadecida por não haver entendido patavinas do trailer, não poderia deixar de prestigiar outro exemplar do cinema nacional. Daí, corri às salas de exibição para me frustrar com Tolerância. Acho que a gente pode chamar de "Intolerável" mesmo. "Intolerável" é o tipo de filme nacional que dá péssima fama ao cinema nacional. Se você for da minha geração, ou ainda mais antigo, se isso fosse possível, você se lembrará daquele programa de TV chamado "Sala Especial". Eram produções ingênuas e altamente lúdricas com títulos como "A Superfêmea". Serviam pra mostrar a Vera Fischer pelada, isso que hoje em dia dá pra curtir sem transgressão na novela das oito. Era trash, mas onde mais você tinha a oportunidade de presenciar o affair entre Claudio Cavalcanti e sua melancia? Bom, "Intolerável" parece uma sessão da "sala especial". Trata-se de um filme pornô casto. Falta sexo explícito e closes ginecológicos, mas o resto está lá. Um homem chega e fala "oi". É a senha pra mulherada tirar a roupa.
Tudo serve de pretexto para se exibir seios e bumbuns, a começar pela própria profissão do protagonista. Ele é editor de fotos. Seu maior desafio é retocar nádegas em imagens que não saíram perfeitas. A típica profissão bundão. O cara é casado com uma advogada não muito fiel. Juntos, criam uma filha de 18 anos que tem uma amiga da mesma idade que se interessa pelo cara. Use sua imaginação para fantasiar a suruba que sai desse enredo. Você acharia que é pega no ganzê, pega no ganzá, né? Pois decepcione-se. Os quatro roteiristas (quatro pra escrever isso! Quatro! Acho que eles passavam o tempo com joguinhos de computador) incluíram uma sub-trama policial sem nada a ver com nada. Então, o espectador passa sem cerimônia de uma ninfeta de camiseta molhada a um conflito agrário. Os quatro roteiristas, entre eles o diretor, são todos homens. E todos devem estar por volta dos 40, a idade do lobo. Como eu deduzi? As fantasias masculinas pipocam: duas moças idênticas, inclinação ao lesbianismo, cinta-liga, sexo virtual... "Intolerável", inclusive, é injusto com as mulheres. Só tem ator feio. Não dava pra colocar um garanhão galã, não? Não tinha como pagar o cachê do Giane? As atrizes pesam cerca de 30 quilos cada uma, dentro, portanto, do padrão de beleza vigente. Embora quem goste de osso é cachorro, deve haver quem ache que dê pra se fazer um bom caldo só com os ossos.
Apesar de "Intolerável" ir de mal a terrível, há momentos clássicos da comédia. As cenas em que Roberto Bomtempo, o principal, fica na frente do computador para bloquear da Maitê Proença a cena comprometedora da tela, por exemplo, são de chorar de rir. Aqui os roteiristas capricharam e provaram que possuem uma veia cômica (involuntária). Se tivessem seguido este caminho, o filme seria puro entretenimento.
Há uma sequência em que nosso herói transa com a amiga da filha em várias posições. Dá a impressão de passarem horas (meu marido me explicou que isto é ficção). Quando ele chega em casa, a esposa pergunta "usou camisinha?". No singular? Uma só? Por isso que tem tanta contaminação.
Há um crime e o cenário do crime. Entra a polícia e tem a perícia, que faria corar o Badan Palhares. Duas mulheres brigam aos arranhões e puxões de cabelo, rolando no chão, e a polícia não detecta? Eu fiquei procurando o nome do Badan nos créditos, ou pelo menos um agradecimento pelo auxílio técnico.
As interpretações são, deixe-me escolher um adjetivo dúbio, incríveis. Para a amiga da filha, atuar é... morder o lábio inferior e rolar os olhos. Que Stanislawski, que Actor’s Studio, que nada! Isso que é interpretação singular. A Maitê segue o estilo "abrir os braços e simular vôo". Ela gesticula o filme inteiro, o que lhe desmancha o penteado. Não tem problema. Como esta forma de atuar é versátil, sempre sobra uma das mãos para que ela arrume o cabelo. E o Bomtempo? Pensei que, já que a atividade de seu personagem consiste em maquiar bundas, ele retocaria a própria cara. "Intolerável" às vezes imita um videoclip. O sujeito brocha, a música de fundo diminui. Seria um musical e eu não entendi? Mas tem seu valor. O filme demonstra, com todas as letras, que não existe homem fiel. Mesmo o cidadão casado com a Maitê deseja pular a cerca. Por favor, não pode rotular. Só porque Tolerância lembra uma porno-chanchada das piores não significa que cinema nacional é isso aí. Os americanos fazem, sei lá, Showgirls, e nem por isso concluímos que o cinema ianque é uma porcaria. Bem, concluímos sim, mas não só por causa de um filme. Você entendeu.
P.S.: O que o Antonio Britto está fazendo em "Intolerável"?

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