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quinta-feira, 14 de outubro de 2021

UM PATROCÍNIO INGRATO PARA AS JOGADORAS DE XADREZ

A mãe de um aluno de xadrez do maridão, uma leitora frequente do blog, me pediu pra escrever sobre isso, então lá vai. 

Você quer a boa ou a má notícia antes? Vamos começar pela boa: a FIDE (Federação Internacional de Xadrez, em francês) fechou o maior contrato de sua história com uma empresa para patrocinar o xadrez feminino. A FIDE já determinou que 2022 será "o ano das mulheres no xadrez".

Maravilha, né? Agora a má notícia: o contrato é com a Motiva, uma empresa que lida com aumento dos seios e implantes de silicone, através de cirurgias plásticas. 

Obviamente, várias jogadoras (anônimas) criticaram a medida no site Lichess. Uma delas questionou: "O xadrez, um jogo que depende do cérebro em vez dos peitos, não deveria se distanciar dessa linha de pensamento misógina e reducionista?" Outra declarou: "Nojento". Uma jogadora afirmou ao jornal britânico The Guardian: "A FIDE não tem um bom histórico em empoderar mulheres e eu acho degradante e humilhante que uma atividade como o xadrez, que é tão cognitiva, seja patrocinada por uma empresa que lucra com a insegurança das mulheres. Eu realmente duvido que a FIDE traria uma empresa de aumento peniano para patrocinar o Campeonato Masculino". 

Concordo! Mais uma jogadora apresentou um ótimo argumento: "Já vi comentários online de gente dizendo que espera que a premiação para eventos femininos agora inclua aumento dos seios. Vi piadas citando nomes de jogadoras que 'melhorariam' se fossem contempladas. O xadrez sempre tem lidado com o machismo, e essa nova medida não ajuda em nada a brecar isso". 

Já a jogadora norueguesa Sheila Barth Stanford defende que "Nós desesperadamente precisamos de patrocínio. Já jogamos por muito menos dinheiro que os homens. Espero que este patrocínio facilite que as mulheres possam jogar profissionalmente". 

O primeiro torneio feminino com patrocínio da Motiva já aconteceu, na Espanha. Uma jogadora de Luxemburgo, Fiona Steil-Antoni, apontou que o único material promocional distribuído pela empresa foram panfletos mostrando como fazer o auto-exame mamário. A Motiva também gosta de reforçar que implantes de silicone são usados não apenas esteticamente, mas para reconstrução de mamas de quem passou por uma mastectomia.

Pros leigos que não entendem como um jogo mental (e também físico) como xadrez precisa ser separado em mulheres e homens, a resposta é bastante simples. Primeiro que a maioria dos torneios é "absoluta", ou seja, pessoas de qualquer gênero e idade podem jogar. Porém, assim como há campeonatos por idade (sub-4, sub-8, sub-12, sub-18 etc), também há torneios só para mulheres. Isso porque há muito mais homens que jogam xadrez do que mulheres, principalmente em nível profissional. Só pra saber: existem 1.694 grandes mestres (a titulação mais alta no xadrez) no mundo (14 são brasileiros). Desse total, apenas 38 são mulheres. Uma diferença gigantesca!

Ah, mas xadrez não tem a ver com inteligência? Claro, mas não só isso. Tem a ver com interesse também. O que a gente vê muito é que, além de meninos serem encorajados a jogar muito mais que meninas, quando chega a adolescência várias garotas são direcionadas a adotar outras atividades mais "femininas". Sem falar que clubes de xadrez muitas vezes são ambientes machistas. Como atesta o maior campeão da atualidade, o norueguês Magnus Carlsen, “Clubes de xadrez não têm sido muito gentis com mulheres ao longo dos anos”.

Pense num país sem tradição no xadrez. A chance de sair um campeão mundial de um país como o Brasil, por exemplo, é infinitamente menor que a Rússia produzir um campeão, já que lá xadrez é jogado por boa parte da população. Quanto mais gente joga, mais gente vai se destacar. Por isso é tão importante a excelente série da Netflix O Gambito da Rainha. Ela incentiva meninas (e meninos também) a jogarem. A série, junto com a pandemia, que faz as pessoas ficarem mais confinadas em casa, causaram um boom internacional no xadrez. 

E é por isso também que a FIDE ter escolhido como patrocinadora uma empresa de implante de silicone é tão irresponsável. A FIDE deveria aproveitar a popularidade da série O Gambito da Rainha para atrair mais meninas. Fazer meninas e mulheres pensarem criticamente no seu corpo faz exatamente o contrário: pode afastá-las dos esportes e de atividades intelectuais. 

Já contei sobre um estudo que foi feito nos EUA em 1998 (aliás, tem vários parecidos) com 72 universitárias. Cada uma era chamada individualmente a um vestiário. Metade da amostra ouvia que daqui a pouco teria que provar um maiô. A outra metade ouvia que teria que provar um suéter. Enquanto esperava, cada moça respondia um teste de matemática. Adivinha quem se saiu muito melhor no teste? As mulheres que iriam provar um suéter. As que iriam provar um maiô ficaram ansiosas com seu corpo, preocupadas demais sobre como se sairiam num maiô, e isso afetou suas habilidades matemáticas.  

E aí? Não será que associar jogadoras de xadrez a aumento dos seios possa causar uma ansiedade parecida? 

Silvio, meu marido, que dedica sua vida ao xadrez faz meio século (desde os 13 anos), lembra outro detalhe. 

Digamos que um fabricante de armas de fogo quisesse patrocinar o xadrez. Armas têm muito mais a ver com o jogo/ arte/ esporte que implantes de silicone, certo? Afinal, o xadrez é sempre comparado a uma batalha, uma guerra, uma luta, um embate. Mesmo assim, a FIDE deveria aceitar ter uma empresa armamentista como patrocinadora?

E a indústria tabagista? E a de álcool? E se uma firma de acompanhantes de luxo quisesse patrocinar os torneios femininos? Ou patrocínio é patrocínio e o que importa mesmo é que entre dinheiro para o esporte? 

sexta-feira, 4 de junho de 2021

ALGUNS TEMAS DE FRIENDS ENVELHECERAM MAL. OU: QUEM PODE ENVELHECER?

Sou uma grande fã de Friends, considerada por muitos a melhor série de TV de todos os tempos (minha preferida ainda é A Sete Palmos, mas pra rir tem pouca coisa melhor que Friends e o The Office americano). A cada cinco anos, mais ou menos, o maridão e eu revemos a série inteira, sem nos lembrarmos de quase nada. E rimos muito, sempre.

Eu não esperava que o reencontro especial que chegou/está chegando fosse maravilhoso (nunca é). No entanto, são seis atores notáveis, com grande timing cômico, todos eles, interpretando personagens simpáticos (até o Ross! Eu gosto do Ross, apesar d'ele ser um babaca em vários momentos. E o Joey é bobo demais pra ser um predador). Portanto, foi bacana revê-los. Eu acredito que o grupo realmente se dava bem. E que bom que cada um ficou US$ 2,5 milhões mais rico!

Foi interessante também ver como o reencontro se esquivou de todos os temas e chistes de Friends que hoje são considerados polêmicos e, sinceramente, desprezíveis. Por exemplo: a série é abertamente gordofóbica. Todos os flashbacks da Monica adolescente gordinha (ou a Courteney Cox num fat suit) são horríveis, um insulto aos gordos, um reforço dos piores estereótipos que, se você, mulher, é gorda, vai ficar sozinha. As piadas repetidas (e sem graça) com o ugly naked guy (homem nu feio) também demonstram como a série despreza quem está fora do padrão. 

A série hoje é extremamente criticada pela falta de diversidade entre os seis amigos. São todos brancos e héteros. Há pouquíssimos atores negros. Os criadores da série admitem que, se fizessem Friends hoje, dificilmente os protagonistas seriam todos brancos. E que não foi essa a intenção ao escolher o elenco. Apenas dois atores negros e quatro atrizes negras apareceram na série. De 236 episódios, somente 16 tinham algum ator negro. Mesmo assim, Aisha Tyler, a única atriz negra a ter um papel recorrente, só surgiu na nona temporada -- e ficou de fora do reencontro.

Outra crítica recorrente e merecida é que a série é lesbofóbica e transfóbica. Sobre a primeira acusação, baseada na ex-esposa de Ross, Carol, que o abandona para ficar com Susan, eu particularmente sempre gostei das duas personagens e sempre achei que Ross parece um bobalhão perto delas. Mas sim, elas só existem em relação a Ross, não têm vida própria sozinhas. 

Quanto à acusação de transfobia, não há o que discutir. O "pai homossexual" de Chandler está tão mal escrito que não sabemos se é uma drag queen ou uma mulher trans. Kathleen Turner, a grande atriz que o interpretou, reconhece que a subtrama que a envolve "não envelheceu bem". De fato, há vários pontos da série que não envelheceram bem. Seria fascinante se fizessem um reencontro especial que, em vez de varrer esses temas pra baixo do tapete, mostrasse o que mudou nesses últimos 17 anos para que piadas antes vistas como inofensivas e divertidas façam tantos de nós torcer o nariz hoje (escrevi sobre isso há quase 2 anos, quando a série completou 25 anos).

Reproduzo aqui um artigo de Eva Guimil publicado no El País. Não é sobre o que levantei acima, mas sobre como é difícil para atrizes envelhecerem. Eu discordo de algumas coisas (por exemplo, o público reage mal e pergunta "o que aconteceu?" não só a respeito de Kelly McGillis, mas também de Val Kilmer, seu colega em Top Gun). No entanto, não resta dúvida que espera-se que as mulheres nunca fiquem velhas. Eis o artigo de Eva:

Em 1994, seis atores semidesconhecidos se juntaram a um novo projeto da NBC em troca de 24.500 dólares (128.000 reais) por episódio, cada um. 

Vinte e sete anos depois, cada um desses seis atores, agora celebridades mundiais, embolsou cerca de dois milhões e meio de dólares (13 milhões de reais) por um especial de pouco mais de uma hora e meia. Um montante proporcional ao interesse excessivo gerado por tudo o que se relaciona com Friends, a série que definiu as linhas a serem seguidas pelas sitcoms que vieram depois. Um legado brilhante na criação, mas que deixa sombras no debate sobre idades, corpos e sexos.

Por exemplo, vamos falar sobre o sarcasmo com que foi recebida a óbvia mudança física de seus protagonistas. Uma transformação que se tornou um dos aspectos mais comentados do programa e que fez com que —como era previsível— as redes sociais, esse campo minado virtual, transbordassem de comentários maliciosos em que a palavra “botox” aparece quase o mesmo número de vezes que “nostalgia”.

As mudanças na aparência dos protagonistas são tão lógicas como evidentes, mas nos causam estupor porque em nossa memória Monica, Ross, Rachel, Joey, Phoebe e Chandler não envelheceram nem um dia desde que fecharam a porta de seu icônico apartamento no Village. Talvez porque aquele apartamento tenha permanecido perene nas reprises contínuas e, agora, nas plataformas de streaming (em troca de cifras milionárias). Mas Jennifer Aniston, Courteney Cox, Lisa Kudrow, David Schwimmer, Matt LeBlanc e Matthew Perry envelheceram, sim. Dezessete anos, especificamente. E, para muitos, foi um choque descobrir que os jovens na faixa dos 20 anos na televisão se transformaram em pessoas na casa dos 50.

Surpreendeu, em especial, a mudança em LeBlanc e Perry. Por quê? Porque puderam envelhecer, algo muito raro em Hollywood. Enquanto isso, elas —com maior ou menor sucesso cirúrgico— permaneceram como o que se espera de uma estrela: alheias à passagem do tempo. O guarda-roupa das personagens provavelmente ainda sirva às três, Aniston pode até mesmo ser capaz de vestir o mesmo vestido de noiva com o qual entrou pela primeira vez no Central Perk ao escapar de seu casamento com Barry, o dentista.

Aniston, Cox e Kudrow não podem se permitir envelhecer, pois correm o risco de que os telefones de seus agentes parem de tocar. Chegaram para o evento em plena forma porque sempre têm que estar assim, é sua obrigação como estrelas femininas. Se o reencontro tivesse ocorrido há 10 anos, assim estariam, e também há cinco anos ou no ano passado, e se um comando da gravação as tivesse acordado no meio desta madrugada para levá-las a um set às três da manhã, é provável que as teria encontrado com os cabelos perfeitamente hidratados e uma manicure perfeita. Elas não podem se dar ao luxo de baixar a guarda.

O duplo padrão com que a indústria cinematográfica —reflexo do mundo— julga a passagem do tempo em homens e mulheres não é uma surpresa. A beleza feminina sempre seguiu as mesmas regras, com a maior variação sendo a preferência pelo tamanho de sutiã A ou C. E é por isso que em qualquer época, seja nos anos setenta, nos oitenta, ou na semana passada, são feitos especiais em que a estrela do momento imita Marilyn Monroe, Rita Hayworth ou Ava Gardner. A aparência da personagem masculina era adaptada de acordo com sua própria conveniência porque quem ditava seus cânones eram os próprios homens. E é por isso que nos anos setenta eles conseguiram convencer o mundo do conceito de feio atraente em que transitaram de Dustin Hoffman a Woody Allen, físicos totalmente distantes do galã clássico, permanentemente desastrados e nem mesmo muito simpáticos.

Qual foi o equivalente feminino? Nenhum. Ninguém questiona o cabelo branco de Matt LeBlanc. Na verdade, fomos criados com a ideia de que as têmporas prateadas são elegantes. As masculinas, é claro. As femininas são um símbolo de desleixo. Como os pelos do corpo, que nos homens implica virilidade e nas mulheres, novamente, desleixo. Tudo o que é natural se transforma em desleixo quando brota do corpo da mulher. Mas se essa fosse a cor do cabelo de Courteney Cox, teria ofuscado até mesmo a presença no reencontro dos superadorados BTS. E se Cox, Aniston ou Kudrow estivessem com o mesmo físico de Perry, alguém que parece passar mais tempo no sofá do que na academia —o que é bastante normal quando você é um bilionário com a vida resolvida— teria monopolizado a conversa sobre o reencontro, se é que esse reencontro chegasse a acontecer.

Se as três protagonistas não mantivessem o mesmo físico de quase duas décadas atrás, temos a garantia de que a HBO lhes teria pago aqueles dois milhões e meio para aparecerem na tela? Para responder a essa pergunta, vamos falar sobre outro reencontro. Neste ano os cinemas viverão outro muito especial, o de Maverick e sua Kawasaki na segunda parte de Top Gun (35 anos depois da primeira). Mas desta vez quem irá abraçada à cintura de Tom Cruise será Jennifer Conelly e não uma Kelly McGillis que cometeu o erro de envelhecer alheia à superficialidade de Hollywood. Seu primeiro passo foi remover os implantes mamários. “Meus agentes me telefonavam e me avisavam que eu estava ferrando a minha vida, mas eu só queria ser uma atriz e nos Estados Unidos não há ninguém que pareça ter 50 anos”, declarou. McGillis decidiu ser uma mulher que aparenta sua idade. O telefone parou de tocar.

No entanto, haverá a personagem Iceman, interpretada por Val Kilmer. Porque o físico atual de Val Kilmer —um dos homens mais desejáveis do mundo nos anos oitenta é hoje o de um homem de cabelos grisalhos que aparenta os 61 anos que tem— e ninguém se importa. É um homem e tem duas opções: pode se dar ao luxo de envelhecer ou pode agarrar-se à juventude como Tom Cruise fez. Tem o privilégio de escolher sofá ou academia.

De vez em quando, as revistas de tendências nos lembram daquela diferença pouco sutil com termos irritantes como o dad bod, ou seja, corpo de pai, cunhado por MacKenzie Pearson, uma estudante da Universidade de Clemson, que definia um homem que faltasse a uma aula de crossfit para ir beber e cuja a contrapartida feminina eram as “gorduchinhas”, porque no caso das mulheres não importava que estivessem saudáveis, apenas gostosas. O detalhe que não podemos ignorar é que enquanto um exemplo de dad bod era um Leonardo Di Caprio de maiô deitado em uma espreguiçadeira ou um Ben Affleck em um agasalho comprando no supermercado, os delas eram Christina Hendricks ou Monica Bellucci, maquiadas e vestidos como se fossem presidir um baile de gala. E, claro, sem um grama de pneuzinhos no corpo.

Esse escrutínio constante do corpo das mulheres levou Jennifer Aniston a explodir em 2017, farta de que toda vez que não pulasse o jantar a imprensa lhe atribuísse uma gravidez. Em uma carta aberta ao The Huffington Post, ela declarou: “A objetificação e o escrutínio a que submetemos as mulheres são absurdos e perturbadores. Usamos as notícias das celebridades para perpetuar essa visão desumanizadora da mulher, centrada apenas na aparência física, que os tabloides transformam em evento esportivo de especulação. Me incomoda que me façam sentir menos que porque meu corpo está mudando ou comi um hambúrguer no almoço e me fotografaram de um ângulo estranho e, portanto, me consideraram uma de duas coisas: grávida ou gorda”.

Quem sofre esse escárnio é uma mulher que vive diante das câmeras desde os 19 anos, sempre liderando a lista das mais desejadas, que deu nome a um corte de cabelo, e deixando em nossas retinas cenas como esta

A gravidez pelo consumo de fast food não é um fenômeno de Hollywood. “Sim, eu estava grávida. Um hambúrguer gourmet e algumas batatas fritas”, escreveu em seu stories a atriz Úrsula Corberó, de La casa de papel, em resposta a uma notícia que questionava se ela estava grávida. Cristina Pedroche, outra mulher cujo físico é sempre questionado —o físico de Cristina Pedroche é questionado, vamos prestar atenção nisso—, também comentou isso em suas redes sociais “Magra? Mulher gorda? A baleia de Vallecas? O que eu sou é ... feliz“, escreveu em sua conta no Instagram.

Cristina Pedroche enfatiza outro drama feminino: uma mulher não pode ser gorda, mas tampouco magra demais. Outro estigma social, tanto da rainha Letizia como de Angelina Jolie ou Victoria Beckham. “Alarme por sua extrema magreza” e “preocupação com a sua condição física”, são as palavras que sempre acompanham suas fotos. O mundo moderno está dividido em treinadores e endocrinologistas. 

Alguém está preocupado que Harry Styles esteja magro “demais”? Ou o galã oficial do Saturday Night Live, Pete Davidson? Alguém examinou o que está embaixo das roupas largas de Bad Bunny como fizeram com Billie Elish? Além do mais, alguém se preocupa com o corpo de Bad Bunny? Claro que não. É um homem. Eles podem se permitir ter o físico que desejam porque sabem que o telefone do agente nunca deixará de tocar.

domingo, 7 de julho de 2019

DITADURA DA BELEZA: CONCURSO DE FOTOGRAFIA PARA UNIVERSITÁRIOS

Gente, olhem que bacana esta chance de ganhar 3 mil dólares (e doar mil para uma ONG que você escolher)! É para estudantes matriculados em instituições de ensino superior de todo o mundo. 
O tema deste ano do PhotoChallenge é a ditadura da beleza. O principal objetivo do concurso é mostrar através da fotografia como a chamada “Ditadura da Beleza” pode impactar no comportamento, na autoestima e na saúde física e psicológica das pessoas em todo o planeta. 
Adoraria que minhas alunas e alunos participassem! Vai até o dia 31 de outubro. Leiam o regulamento e inscrevam-se clicando aqui

terça-feira, 26 de março de 2019

DEMITIDA DE EMISSORA POR NÃO EMAGRECER

Um caso recente causou bastante comoção. E isso é ótimo. Significa que o pessoal não está aceitando bem a situação. 
Michelle Sampaio, uma jornalista respeitada da Rede Vanguarda (afiliada da Rede Globo no Vale do Paraíba, SP) foi demitida da emissora por estar acima do peso, após 16 anos de casa. Michelle engordou 24 quilos durante a gravidez, e, depois de dois anos, não conseguiu eliminar tudo que queria. Ou o que a emissora queria. Enquanto estava tentando emagrecer, ficou nos bastidores. Ela disse no texto que publicou no seu Instagram respeitar "a posição da empresa". Não vai processar.
Ao blog de Mauricio Stycer, Michelle deu mais detalhes. Contou ter recebido ordens da direção para voltar ao seu peso. Não foi a primeira vez que a emissora fez esta cobrança. Em 2017 outra repórter, Marcela Mesquita, também não pôde aparecer na tela por estar fora do peso "ideal". Outra colega, Amanda Costa, narrou a mesma coisa.
Michelle também acrescentou: "Não acho que seja preconceito. Eles têm padrões. Acho apenas que poderiam ter me dado a chance de fazer o meu trabalho".
Ao ler a notícia, lembrei na hora do fantástico livro da Naomi Wolf, um clássico. O Mito da Beleza foi publicado em 1991, mas, quase três décadas depois, ele permanece atual. No livro, Naomi fala de como é comum um telejornal contar com uma dupla de apresentadores -- ele, muito mais velho, gordo, cabelo grisalho, bem fora do padrão de beleza; ela, eternamente jovem, magra e bela, ambos geralmente brancos. (Se você ainda não leu O Mito da Beleza, tá esperando o quê? Tem aqui, grátis, em português!).
Quase trinta anos depois, este é o padrão de apresentadores que ainda vemos.
No domingo à noite, a Globo negou que tenha despedido Michelle por causa do peso. Não convenceu muita gente.
Entendo perfeitamente que Michelle não queira processar a emissora. Ela já deve estar marcada apenas por ter exposto publicamente o motivo de sua demissão. Mas gostaria muito que ela lesse O Mito da Beleza para entender que os "padrões" configuram preconceito estrutural e enraizado. Padrões estão aí para serem quebrados. Só por ser um padrão não quer dizer que esse padrão não seja discriminatório e preconceituoso.
Ontem à tarde um jornalista da Fórum, Lucas Vasques, me ligou para ouvir algum posicionamento meu acerca do caso. 
Eu disse a ele basicamente o que escrevi aqui. Ele me contou que, nos anos 90, uma outra jornalista passou pelo que aconteceu com Michelle. Ela também não processou a emissora. A matéria de Lucas é bem reveladora.
É terrível que, tanto tempo depois, quase três décadas, tão pouco tenha mudado. Homens são avaliados por seu talento e credibilidade; mulheres, por sua aparência. 
A propósito, você deve ter visto imagens de Michelle enquanto lia este textinho. Como disse uma divertida leitora no Twitter, "Se essa moça é gorda, eu sou o Planeta Júpiter, com anéis e tudo".

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

GUEST POST: BONITA NÃO É ELOGIO

Publico este bonito texto da Gabriela, uma estudante de 19 anos que mora em Floripa. 

Crescemos imersas em uma cultura que usa da insatisfação feminina, principalmente em relação à imagem, para vender produtos que supostamente nos farão gostar mais de nós mesmas. Por causa disso desenvolver autoestima com uma indústria que constantemente nos diz que não somos bonitas o suficiente é no mínimo uma luta diária. Em contrapartida, há um crescente discurso “empoderador” que nos diz que não há mulheres feias e que se você procurar bem, cada uma tem algo único que a faz excepcionalmente belas aos olhos alheios. 
O que esquecemos de mencionar é que os conceitos de beleza e feiura são meras construções sociais e não objetos tangíveis que estavam aqui desde o começo da história humana. São adjetivos que só se sustentam no português porque ambos existem no dicionário.  
Assim, talvez o caminho para autoaceitação seja abrir mão do desafio de se afirmar como uma mulher bonita, não somente parar de se odiar como feia. Talvez o verdadeiro amor próprio seja somente ser, aceitando seus traços e formas como simples expressões da nossa individualidade. 
Colocamos tudo e todos a nossa volta em caixinhas porque é um jeito fácil para o nosso cérebro entender o mundo que nos rodeia. Rótulos podem ser ferramentas essenciais para lutar contra a invisibilização de minorias ou como afirmações orgulhosas de uma existência fora dos padrões. Entretanto, quando rotulamos uma mulher como bonita não necessariamente estamos fazendo um favor a ela, mas sim, perpetuando regras opressoras que nos fazem buscar o status de bela como objetivo primordial para que consigamos alcançar o sucesso na vida. 
Em O Mito da Beleza Naomi Wolf teoriza sobre como o conceito de beleza foi usado como ferramenta para continuar subjugando mulheres sob o domínio do sistema patriarcal. Em um trecho do livro Wolf fala: 
“Assim que o valor social básico da mulher não pôde mais ser definido pela encarnação da domesticidade virtuosa, o mito da beleza o redefiniu como a realização da beleza virtuosa. Tal definição criou um novo imperativo de consumo e uma nova justificativa para a desigualdade econômica no local de trabalho, que substituíram os que já não exerciam influência sobre a mulher recém-liberada.”
Dessa forma, podemos concluir que a pauta da beleza feminina não é somente uma questão individual, mas sim um recurso político, criado no contexto pós-guerra, quando as buscas por ser a “dona de casa perfeita” e “a mãe perfeita” já não eram mais suficientes para manter as mulheres se comportando do jeito que o sistema queria. Era preciso criar a busca por atingir a “beleza perfeita”, que como os padrões anteriores é tão impossível de atingir que nos mantém constantemente ocupadas, além de atacar diretamente nosso amor-próprio, resultando assim em mulheres sem tempo, energia e autoconfiança para pensar sobre questões importantes como salários iguais entre os gêneros, por exemplo.
Outro sintoma da exigência para ser bonita o tempo todo é a competição feminina. Porque uma vez que nos comparamos com a mulher da revista que projeta o ideal de beleza, que nem ela mesma tem graças aos retoques com programas de computador, nos comparamos também com todas as mulheres reais com que temos contato, conseguindo assim sensações falsas de autoestima quando vemos que somos mais bonitas do que a mulher ao lado, ou egos feridos quando admitimos que a outra é mais bela que nós.
Ambos os sentimentos tornam difícil a implementação da sororidade como comportamento necessário para sobrevivermos ao patriarcado com saúde mental e física.
Precisamos não somente redefinir beleza para fora do padrão da mulher branca, jovem, alta, magra, maquiada e bem vestida (o que já é por si só um ato de resistência enorme), como também entender que ser bonita não deve ser o objetivo principal de nossas vidas. 
Afinal de contas, não temos controle sobre o nosso código genético, consequentemente não é nosso mérito se por um acaso nascemos com características consideradas bonitas. Em contrapartida, devemos sim nos orgulhar de um trabalho bem feito, empatia em relação ao outro, inteligência emocional e racional ou uma coragem para vencer qualquer obstáculo -- esses são apenas alguns exemplos de conquistas que demandam esforço.
Então da próxima vez que você for elogiar uma mulher, pense nela como mais do que um rosto bonito.