domingo, 30 de novembro de 2003

LIBBY NÃO EXISTE

Fora a Pauline Kael, minha crítica favorita tem nome e sobrenome: Libby Gelman-Waxner. Desde 87 ela assina uma coluna absolutamente hilária na "Premiere", que é, lógico, o único bom motivo para se ler a revista americana. Só tem um problema: ela não existe. Parece que é o pseudônimo de Paul Rudnick, roteirista de "Será que ele é?". Bom, isso nunca me incomodou. Passei anos desconfiando que a Libby não poderia ser uma pessoa real, e ainda assim saboreando cada uma de suas palavras. Ela é minha inspiração. Ela entende que, numa época em que os filmes se tornaram superficiais, não tem sentido analisá-los como se fossem obras de arte. A maior parte dos críticos, por não ter mais o que analisar, contentou-se em resumir histórias. E dá-lhe texto sisudo e sem um pingo de criatividade dissecando, sei lá, a carreira do Eddie Murphy. Pra Libby, qualquer coisa com ar condicionado já é uma obra-prima.

E o que faz a Libby tão especial? Acima de tudo, o senso de humor e a recusa em se levar a sério. Ao contrário dos outros críticos, ela não tenta impressionar seus leitores com um conhecimento ilimitado sobre cinema. Ela sabe que é fútil, egocêntrica, maldosa – e irresistível. E ela tampouco incorre em outro defeito dos resenhistas, que é subestimar a inteligência alheia e explicar tintim por tintim. Ou o leitor entende as referências e o típico humor gay/judaico de Libby, ou dança. É por isso que ela tem tantos admiradores quanto detratores. Pelo menos uma vez por ano, ela reserva uma coluna pra comentar as cartas que recebe. Diz que fica comovida que tantos leitores se dêem ao trabalho de lhe mandar uma mensagem no meio de suas sessões de eletrochoque. Um leitor escreve que seu cachorrinho estava engasgado, mas ele lhe mostrou um artigo da Libby e o cão vomitou na hora. O comentário da Libby: "e eu não recebo nem um obrigado por salvar uma vida?". Uma moça chamada Jennifer a manda ler intelectuais franceses, "Cahiers du Cinéma", para aprender a criticar. Libby responde: "E tudo isso vindo de uma Jennifer". Claro que também jorram mensagens apaixonadas e prêmios.


Nos artigos, Libby quase sempre fala do marido, um ortodontista de meia-idade, e de seus filhos. Em várias ocasiões, ela pede pra sua mãe redigir a coluna, ou sua psiquiatra, ou sua melhor amiga... Por exemplo, para falar de como o cinema trata as mães, a mãe de Libby pretende escrever um livro com o título "Hollywood, Vá já para o seu quarto!". Vejamos o que Libby tem a dizer sobre alguns assuntos. Desculpe a tradução meio capenga, que é minha.


Sobre Michelle Pfeiffer: Meu marido me disse que, se ele tivesse que escolher entre eu e a Michelle, ele me daria um divórcio generoso e me deixaria ficar com o apartamento.


Sobre cinema: Cinema é sobre o quanto Dennis Quaid e Daniel Day-Lewis me desejam intimamente, mas como sou casada, eles só podem expressar seu tesão tirando a roupa nas telas e rezando para que, em algum lugar, eu esteja vendo.


Sobre Daniel Day-Lewis: Daniel é como o Laurence Olivier com genitais.


Sobre Sharon Stone: Em "Invasão de Privacidade", Sharon não quer ir à academia porque ficaria envergonhada com todos aqueles espelhos; isso vem de uma mulher que já teve câmeras nos lugares em que a maior parte de nós mal teve maridos.


Sobre Jim Belushi: Minha filha me pediu pra explicar a carreira do Jim Belushi. Falei que Jim tinha um irmão muito famoso chamado John que morreu e que o governo paga as empresas que fazem filmes pra contratar o Jim, como uma espécie de memorial.

Sobre fortuna: Noto que, depois que um diretor ganha seus primeiros 50 milhões de dólares, ele geralmente faz um filme sobre como é difícil ser uma alma sensível.


Sobre Elisabeth Shue em “Despedida em Las Vegas”: Elisabeth é muito talentosa, mas ela é a imagem que meu marido faz de uma prostituta, ou seja, uma loira maravilhosa que te ouve atentamente, te traz lanchinhos, te idolatra, te beija na testa e te põe pra dormir.


Sobre "Pescador de Ilusões": "Pescador de Ilusões" é para o público que achou "Campo dos Sonhos" sarcástico demais. No filme, Jeff Brigdes e Robin Wiliams tiram toda a roupa à meia-noite no Central Park, deitam-se no chão e olham as estrelas. O filme faz disso um ato de liberação mágica, mas os atores ficam se contorcendo para evitar nudez frontal, o que tira um pouco da magia. (...) Queria que passassem uma lei federal com estatutos sobre o que o Robin Williams deveria ser proibido de fazer na tela: 1) sorrir enquanto chora; 2) Abraçar um outro homem, que fingirá estar envergonhado; 3) tirar suas roupas como ato de liberdade.


Ainda sobre o pobre Robin Williams: Robin está ficando tão carinhoso que logo os únicos papéis disponíveis pra ele serão de Papai Noel ou Coelhinho da Páscoa.


Sobre sexo selvagem nos filmes: Se um carinha quisesse fazer sexo selvagem comigo, eu lhe diria a mesma coisa que digo a minha filha de sete anos quando ela insiste em ganhar um brinquedo ultramoderno: querida, se você ainda quiser isso daqui a um ano, aí veremos.


Sobre filmes de época: Já notou como Inglaterra e Estados Unidos são bons em coisas diferentes? Por exemplo, os ingleses são bons em fazer filmes de época densos e inteligentes, e os americanos são bons em boicotar esses filmes.


Sobre Lassie: O roteirista deve escrever como se todos os astros fossem a Lassie. Lassie não podia falar, atuar, ou agir de qualquer forma humana – ela é o modelo para os maiores astros de hoje. Imagina se ela tivesse chegado pro seu agente e falado, Ó, no meu próximo filme, quero fazer um réptil.


Sobre o merchandising abusivo da FedEx em "Náufrago": Esse tipo de posicionamento de produto é irritante. Fiquei imaginando o que aconteceria se o Tom Hanks trabalhasse pra O.B.


Ainda sobre "Náufrago": O filme nunca mostra o que o Tom Hanks faz relativo a sexo na ilha, e fiquei esperando que ele começasse a encarar aquela bola de vôlei de modo estranho e talvez lhe pagasse uma bebida.


Sobre "Babe, O Porquinho Atrapalhado": Depois de um tempo de “Babe”, senti como se uma nuvem de fofura radioativa houvesse coberto a Terra.


Sobre "Formiguinhaz": "Formiguinhaz" é como "O Triunfo da Vontade" passado no esgoto. ["O Triunfo da Vontade", para quem não sabe, é tido como propaganda nazista].


Sobre reviravoltas no roteiro: Adoro histórias com reviravoltas, tal qual "Édipo Rei", onde o herói acaba descobrindo que matou seu pai e casou-se com a mãe – ouvi dizer que a Disney está preparando uma refilmagem em forma de musical que se chamará "Ooops!".


Sobre "Proposta Indecente": Woody Harrelson dá uma palestra mostrando que até um tijolo pode aspirar ser mais que um tijolo – o que, imagino, explica o que Woody está fazendo como astro de um filme. (...) Demi Moore volta de manhã, após dormir com o Robert Redford por um milhão, e você espera o Woody gritar Yupi! A gente tá rica!, e a Demi perguntar, a gente?!


Sobre filmes populares: "Ghost" e "Uma Linda Mulher" representam típicas fantasias femininas – uma hora ou outra, toda mulher sonha em ser uma prostituta casada com um milionário, ou ser uma mulher cujo marido morreu.


Bem, agora que meus leitores conhecem um pouquinho da Libby, tomara que me entendam melhor. A diferença entre eu e ela, fora o talento, é que eu sou de carne e osso (muito mais carne do que osso, e tenho dúvidas se ainda tenho osso, mas...).

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