segunda-feira, 4 de abril de 2022

AS BUARQUEANAS: MULHERES QUE SOBREVIVEM E SE VINGAM

Jaci Dantas de Oliveira está enviando para as editoras seu livro de contos intitulado As Buarqueanas, em que seleciona cinco canções do Chico e escreve contos a partir delas (uma delas é "Com Açúcar, com Afeto"). Os contos mostram a vingança das mulheres como sobrevivência.  

Nas canções buarqueanas, vemos a presença da galeria daqueles que estão à margem. A voz das mulheres encontra em Chico seu maior intérprete – aquele que põe voz na canção e que traduz o universo feminino. Ele busca essas mulheres em universos vários e faz com que elas inaugurem o mundo. A mulher cria uma ordem outra. Traz a mulher que não se enquadra na ordem pré-estabelecida dos que têm poder, dinheiro, lei. O mundo dos homens. E, por isso, ela transgride. Chico se faz voz das mulheres sem voz, tornando-as maiores que aqueles que detêm o poder. Porque o começo de tudo é o poder falar. Nessas canções por nós escolhidas, a voz é a da mulher. Aqui, o homem é que está à margem...

São mulheres que vingam, que sobrevivem, e, por isso, tornam-se vingadoras. Dão um soco na cara do homem opressor, do homem que vai embora, do homem que trai. Mulheres que se vingam, que colocam o homem no lugar em que elas sempre estiveram. Assim, a mulher se mostra em uma posição de igualdade em relação ao homem.

Em “Com açúcar, com afeto”, a vingança se dá quando o homem volta. É ela, no ambiente doméstico, quem dá as ordens. Como que cerceadora da liberdade daquele homem, no fim, é ela quem permanece. É ela quem vinga. Manipuladora, quer prendê-lo pelo visgo do açúcar de seu doce. Sob a camada do afeto, quer, por meio de artimanhas, segurar o homem que busca, na rua, sua mais significativa forma de andar e de ser feliz. Aceitá-lo de volta, perdoá-lo, confere-lhe uma aura de poder. É superior a ele quando lhe dá seu perdão. O conto “Com açúcar, com afeto, ou a mulher do fim do mundo” traz Belatrix, que se cansa de esquentar o prato do homem e de esperar. Ela se veste e depois se despe e sai pelo mundo a se vingar. E vai andar pelos cantos pelos quais seu homem andara durante o dia, e vai festejar como ele festejara. 

Na canção “Atrás da porta”, fica ainda mais evidente o poder de vingança da mulher: “ ... e me vingar a qualquer preço...”. Quando passa a “maldizer o lar”, com o intuito de humilhá-lo, e se vingar, ela se iguala ao homem que lhe causou tanta dor. E por superar aquela situação de chão (rebaixada), de estar atrás da porta (escondida), ela agora age. De pé, torna-se maior que ele. “Atrás da porta, ou a mulher do fim de cena” traz Barbarela, uma avó que, ao contar estórias a seu neto, recorda-se de um amor que se foi e a deixou no chão. E que a fez reconstruir sua vida em uma casa sem portas.

A canção “Olhos nos olhos” já traz no título o cerne da superação. Estar olhos nos olhos a coloca no mesmo nível do homem. Está de pé. Sua vingança é mostrar que, sem ele, ela passa “bem demais”. Torna-se superior porque até lhe oferece ajuda, superou tudo, se surpreende cantando, e tantos homens a amaram “bem mais e melhor” que ele. O conto “Olhos nos olhos, ou a mulher do fim do tempo” mostra como a destruição dos calendários e dos relógios é necessária para que essa mulher possa existir depois do adeus.

“Folhetim” mostra a mulher que vive outro universo, e é superior ao homem desde o início da canção. Na manhã seguinte, seu grito de libertação e vingança: “Te afasta de mim”. Ao se tornar dona do tempo e do vento, a mulher do conto “Folhetim, ou a mulher do fim da página”, torna-se guerreira, e, ao ter o Tempo sentado sobre o telhado de sua casa, e o Vento como guardião de seu portão, aceita agora só o que quer, e toma as armas do homem.

A mulher de “Sob medida” é cheia de poder, do começo ao fim. Dona de uma fina ironia quando diz que é perfeita porque é igual a ele, imperfeito. É igual a ele porque não presta. Um discurso irônico que mostra que, para ser igual ao homem, a mulher tem que ser menos. E o conto “Sob medida, ou a mulher do fim da ordem” traz Amaralinda, um ser angelical, que desce à terra para encontrar o homem por quem se apaixonara, e assim perde seu castelo e se torna mulher. Depois de muitas lutas, encontra seu destino, que é o de ser concha na areia da praia.

Mulheres que se refazem. Se reconstroem. E permanecem. 

4 comentários:

Anônimo disse...

Mulheres que praticam crimes devem ser punidas também.

Anônimo disse...

Mulheres que se vingam me lembram da peça que foi escrita junto com Paulo Pontes: Gota D'gua.
pena que teve um final trágico.

Alan Alriga disse...

Sabe, é uma pena pensar que boa parte da atual geração, nunca ouviu ou sabe quem é Chico Buarque; pelo simples fato de que ele é considerado "cringe" e "boomer" para essa geração mais nova. E parando para pensar, agora eu sei do porquê essa geração é considerada mais estúpida do que a anterior...

Tuca disse...

Lola querida! Você não é teoricamente alguém que defende uma causa. Você realmente está envolvida nessa causa, quando, por exemplo, me dá voz quando cita meus textos que ainda nem foram publicados. Gente com muito pouca representatividade sequer responde às minha mensagens quando peço que analisem meu texto "As buarqueanas". E você me coloca em seu blog, de uma forma parceira e solidária. Saiba que a levarei para sempre comigo, como a primeira pessoa a me ler e me comentar. Quanto aos comentários que falam que mulheres que cometem crimes também devem ser punidas ou que podem ter um final trágico, lembro que a vingança em minhas personagens se dá quando elas recomeçam as suas vidas mesmo depois que o homem opressor vai embora. E que o soco na cara que elas dão é uma expressão retórica, o soco é o caminho que elas refazem depois das violências e traições. A resposta que essas mulheres dão aos homens depois e apesar deles.