segunda-feira, 26 de novembro de 2001

CRÍTICA: NA TEIA DA ARANHA / Vida de inseto

Não era o Raul Seixas que tinha uma música sobre cobras e aranhas? Graças ao meu vizinho e ao seu potente aparelho de som, eu conheço a obra completa do Raul. E, sinceramente, acho que foi por causa da canção que fui assistir à "Na Teia da Aranha", um thriller policial com tantos furos que o título "No Buraco do Tatu" viria a calhar.
Decerto, o Morgan Freeman, que raramente se mete em filme ruim (tudo bem, tudo bem, ele protagonizou "Impacto Profundo"), influenciou minha decisão de ir ao cinema. E também o fato deste "Buraco" ser um prólogo de "Beijos que Matam", do qual não me lembro grande coisa, sinal de que não era assim tão tenebroso. O Morgan (quinze anos atrás, apontado pela crítica Pauline Kael, minha ídola, como o grande ator americano) havia declarado que nunca iria repetir um personagem. Logo, nas famigeradas entrevistas à imprensa, ele teve de explicar porque voltou atrás. Numa ele disse que aceitou fazer o filme porque lhe prometeram liberdade criativa; em outra, porque ele teria a honra de trabalhar com o diretor neozelandês Lee Tamahori; e, na única em que se permitiu um lampejo de honestidade, ele admitiu que era porque jamais recebera tanto dinheiro.
Tá certo o Morgan; a vida não anda fácil esses dias. Ele interpreta um detetive traumatizado que é escolhido – sei lá por que cargas d’água, quem entender me explique – por um criminoso para elucidar um sequestro. O paciente bandido disfarça-se de professor durante dois anos para, finalmente, raptar a filha de um senador. Mas parece que ele não quer resgate; ele deseja a fama. É algo assim. "Buraco" realmente enobrece o ofício de ensinar. Pro filme, bandidaço e professor dão no mesmo. Lembra quando Hollywood afagava a profissão com pérolas do tipo "Ao Mestre, com Carinho"? Se você vem se perguntando porque a educação anda um horror, "Buraco" traz a resposta.
Talvez sua dúvida seja "por que não tem nenhum policial no meu bairro?". Pelo jeito, todos os agentes federais passam as horas na escola de elite do filme, cuidando dos filhos dos ricos. Os alunos têm computador nas carteiras, pra criança poder enviar e-mails ao invés daqueles demodé bilhetinhos rabiscados pros colegas. Até o herdeiro do presidente russo estuda lá (imagino que o nome do filho do Putin só possa ser Putinho, né?).
A menininha sequestrada rapidamente se transformou na minha heroína. Ela é muito mais inteligente que o detetive, a policial, o mau-elemento, você, eu, e o resto da população mundial juntos. Aí resta a questão: a quem ela puxou? Seu pai senador é um banana (deve ser republicano), sua mãe só faz chorar, e seu professor preferido lhe dá injeções no pescoço. Pensando bem, qualquer criança retratada em filme americano é um gênio em miniatura. Deve ser por isso que os EUA são um país de mentes brilhantes, tendo como representante máximo o.... Bush Jr.
A parte sublime de "Buraco" aconteceu quando as luzes da sala se acenderam e encontrei amigos sentados do meu lado. Para você ver que não estou sozinha na minha opinião, um deles disse que provavelmente dormiu nos melhores momentos do filme. Outro não parava de balbuciar "Mas o que foi aquilo? O que foi aquilo, meu Deus?". Aí o maridão, que é um bobo-alegre, quis meter a colher: "Ahhhh, não é tão ruim..." Como isso vinha de alguém que teve de ser detido pra não entrar na sala com a produção do Steven Seagal, ninguém lhe deu bola. Mas mesmo ele, mais tarde, reservadamente, deu seu recado nesta resenha. Nas suas palavras: "se você tem cérebro, deixe-o em casa e venha divertir-se". Lembre-se que a sugestão parte de um fã assumido do Van Damme.
"No Buraco do Tatu" até começa bem. Depois, vai ao imponderável, chega no improvável, fica um tempão no inacreditável, e termina no insuportável. Não importa que o filme não tenha nexo algum. Hollywood é da idéia de que caiu na teia, é peixe. Ah, é aranha. Tatu? Me confundi. Sabe como é, o cinemão atual está um verdadeiro zoológico. E depois eu que ganho a fama de ser a mosca que pousou na sua sopa...

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