quinta-feira, 7 de maio de 2020

COMO O REINO UNIDO VEIO A SER O PAÍS COM MAIS MORTES POR COVID NA EUROPA

Faz uns dez dias que publiquei o relato da Nani, que mora em Londres. Agora publico o texto da Ana Carla, 36 anos, farmacêutica que mora no Reino Unido desde 2012. Esta semana o número de mortos por covid 19 no Reino Unido passou o da Itália e se tornou o maior da Europa, com mais de 32 mil vítimas -- em grande parte devido a um governo desastrado da direita.

Em janeiro de 2020 tivemos os dois primeiros casos de covid com pessoas que teriam vindo da China. Em fevereiro tivemos o nosso primeiro caso de transmissão comunitária. Até então não tínhamos no horizonte nenhuma medida de isolamento. 
Acompanhávamos com apreensão os números de mortos e infectados na Itália, relativamente perto do Reino Unido, e não entendíamos como o país poderia estar em plena funcionalidade, até que o Primeiro Ministro conservador Boris Johnson deu um discurso de que gostaria que 80% da população contraísse a doença para desenvolver imunidade e assim não sufocar a Sistema Público de Saúde, ja frágil pelos cortes financeiros nesses dez anos de governo conservador e também devido ao Brexit, o que promoveu um êxodo de profissionais de saúde.
Johnson também participou de vários programas de TV defendendo a ideia de herd immunity (imunidade de grupo ou imunidade de rebanho), falando que as pessoas não deveriam ter medo de sair às ruas, abraçar e apertar mãos.
Essa tática de imunidade de rebanho gerou extrema controvérsia, principalmente na área científica. 
Mais de 250 cientistas de todo o país escreveram para o ministro da saúde Matt Hancock para que esse tipo de estratégia não fosse utilizado. E como capricho do destino, não só o primeiro ministro contraiu a doença, bem como várias pessoas do seu gabinete testaram positivo para covid.
Mesmo com mortes na Itália e Espanha passando dos 10 mil até a metade do mês de março, ainda tínhamos muitos eventos sociais como o Cheltenham Festival, que atraiu mais de 68 mil pessoas (foto ao lado), jogos de futebol e concertos musicais como Stereophonics para uma plateia de mais de 40 mil pessoas.
Foi no dia 16 de março que depois de muita pressão popular e com números de infectados subindo rapidamente que o primeiro ministro determinou que locais considerados não essenciais como pubs, teatros, cinemas etc deveriam ser evitados e que pessoas mais vulneráveis à doença deveriam realizar isolamento, e também decretou o fechamento das escolas. 
Note que ele pediu que as pessoas evitassem esses locais e não determinou o seu fechamento, o que provocou revolta nos donos desses locais porque se ele não decreta oficialmente o fechamento, os donos não podem pedir o seguro necessário para se manter durante o tempo que perdurar a doença no país. Essa ordem de fechamento só chegou no dia 20 de março.
No dia 26 de março, uma vez que as pessoas ainda insistiam em continuar nas ruas, Johnson determinou o lockdown mais rigoroso: as pessoas só poderiam sair para comprar comida, se exercitar uma vez ao dia, por razões médicas, e para trabalhar caso não consigam trabalhar em casa.
As pessoas estavam extremamente preocupadas em relação à questão financeira, pois várias empresas estavam demitindo e a população não sabia como seria a ajuda do governo. Foi anunciado então o esquema Furlough, que para as empresas não demitirem seus funcionários, o Governo entra com o pagamento de até 80% dos salários de ate 2.500 libras (válido apenas para as empresas que garantirem a permanência do funcionário).
Enquanto isso a vida mudou bastante. Os supermercados aderiram a atitudes mais rigorosas como distanciamento, higienização dos carrinhos e cestas. Muitos produtos sumiram das prateleiras e está difícil de encontrar até hoje, como macarrão, enlatados como molho de tomate e feijão. E difícil também a opção de delivery, já que não encontramos data para entrega nem coleta de produtos. Estamos na primavera, época ideal para sair e visitar castelos e palácios. É bem frustrante depois de meses de frio não podermos sair. Gastamos o nosso dia em um jardim sem flores, aproveitando um sol que em breve cederá à chuva e ao frio.
Pichação em placa: "Vão pra casa,
idiotas. Covid19"
Também tem o medo constante de contrair a doença e precisar parar nos hospitais já cheios de pacientes e com profissionais desgastados sem um salário decente, EPIs e testes. Mais de cem profissionais da saúde já morreram por covid 19. Sofro com problemas de ansiedade e pânico, o que me faz ficar apavorada ao sair de casa. A comunidade tem se unido, e através das redes sociais conseguimos cuidar uns dos outros, principalmente da nossa população idosa, que é bem alta.

3 comentários:

Anônimo disse...

Já ultrapassamos 130 mil infectados e 9 mil mortos e a previsão é de que o pico só se dará na virada de maio para junho, ou seja, o pior está por vir!! E como cada vez mais as pessoas estão se lixando para o isolamento social, a tendência é de agravar-se muito a situação!!!Aí sim o governo verá o que é pressão quando o caos tomar conta de todos os hospitais, UPAs e postos de saúde!!

Débora disse...

Complicado viu, nao e atoa que os irlandeses odeiam os ingleses. Nos aqui na Irlanda temos fronteira seca com o Reino Unido, estamos super nos cuidando e eles nao estao nem ai.

Anônimo disse...

Se existe algo de bom a se tirar disto, e que está pandemia vai matar a direita ocidental e o estilo de vida capitalista.