quarta-feira, 11 de março de 2009

CRÍTICA: QUEM QUER SER UM MILIONÁRIO / O conto de fadas que veio da Índia

E Hollywood descobriu Bollywood. Ou quase.

Admito que gostei menos de Quem Quer Ser um Milionário? agora, da segunda vez que o vi. Pode ser influência da turma do “não é tão bom”, que começou forte já antes das oito estatuetas conquistadas no Oscar. Eu ainda gosto bastante da fábula, e ainda a vejo como superior aos outro quatro indicados (nem eu me lembro mais quais são, e eu escrevi sobre eles: O Curioso Caso de Benjamin Button, O Leitor, Frost/Nixon e... e... Não faço ideia! Ah, Milk! Gostei pacas de Milk). Só não acho Milionário memorável.
Por outro lado, fico feliz que ele esteja batendo Watchmen nas bilheterias brasileiras. Convenhamos, a realidade de Milionário é muito mais próxima à nossa que a de um bando de super-heróis num universo alternativo (nada contra; quero ver Watchmen). Não sei se você é da época em que o Brasil era chamado de Belíndia (eu sou). O nosso país era (?) desigual a ponto de ter indicadores tão bons quanto os da Bélgica, e tão ruins quanto os da Índia. Ok. Antes de mais nada, vamos falar umas verdadezinhas sobre a Índia (sobre a Bélgica não sei nada, fora que concorre com a Suíça pro posto de melhor chocolate do planeta). A Índia é o segundo maior país em população, só perde pra China, e logo logo vai ultrapassá-la. Tem mais de um bilhão de pessoas. É muita, muita gente. Calcula-se que 300 milhões sejam classe média. Isso equivale à população inteira dos EUA! Então não dá pra pensar que a Índia seja um imenso favelão. Pelo contrário, o capitalismo global vê o país como um enorme mercado consumidor. Claro que também não é como a novela da Globo mostra. Inclusive, a Globo está apenas copiando Bollywood, que produz o dobro de filmes feitos por Hollywood. A gente aqui só pode invejar Bollywood, sinceramente. Já pensou se o Brasil também tivesse uma indústria cinematográfica que empregasse 6 milhões de pessoas e vendesse 3,5 bilhões de ingressos por ano? (de modo geral, cada indiano vai ao cinema três vezes por ano, sete vezes mais que a média brasileira). Eu vi pouquíssimas produções de Bollywood na vida, mas gostei delas. São todas alegres, pra cima, cheias de música e cores vibrantes. Não tem nada a ver com a realidade social da Índia - assim como os filmes de Hollywood não representam a realidade social de qualquer lugar.
Outra verdade é que Milionário não é uma produção de Bollywood. Foi feito por um inglês, Danny Boyle (que já fez um grande filme, Trainspotting; um ótimo, Cova Rasa, interessantes como Extermínio e até Por uma Vida Menos Ordinária, e completos desastres como A Praia. Sunshine eu vi ano passado, em dvd, e esqueci até a minha opinião), e ele expõe a pobreza indiana, o que Bollywood esconde. Além disso, só tem um número musical, no final, depois que a trama acabou. Penso que esse número é fundamental, porque faz a gente sair do cinema se sentindo bem. Milionário é um conto de fadas, uma fábula (como Benjamin Button, com a diferença que BB não tem vilões e crê na bondade das pessoas), não um documentário.
Miséria é miséria em qualquer canto, sem dúvida. A da Índia é bem parecida com a nossa. Tem meninos de rua, meninos roubando, enormes favelas, truculência policial, a vida que não vale nada, meninos que viram guias turísticos, meninos que pedem esmola, que catam lixo, que são explorados. Mas há a diferença da quantidade, e também da religião. Aqui, felizmente, não haveria um grupo religioso sendo brutalmente atacado por outro. Jamal, que é muçulmano, perde sua mãe num desses ataques horrendos (que nem são explicados). Também acho (espero?) que no Brasil, embora crianças sejam vendidas e alugadas para renderem esmolas, não se chegue à atrocidade de cegar as que cantam melhor (porque cantores cegos recebem o dobro de esmolas). Aqui mendigos não cantam.
Como toda fábula, Milionário é previsível. A gente sabe que tudo acabará bem. Quer dizer, “acabar bem” nesse contexto, quando um menino perde a mãe, é torturado, seu irmão vira capataz do crime organizado, sua paixão é constanstemente ameaçada, é estranho (mas tá próximo do Oliver Twist do Dickens). Nós sabemos, desde a múltipla escolha no início - que pergunta como Jamal sabe as perguntas, e as alternativas são “ele trapaceou” e está escrito” -, que o bem vencerá. Porque a gente sabe que Jamal não mente. As imagens confirmam tudo que ele diz, sem ironia alguma. Ele explica ao investigador da polícia como conhece cada resposta. Ele sabe qual o presidente que está na nota de 100 dólares porque um menino cego lhe disse, sabe qual ator participou de sei lá qual filme porque teve sua foto autografada. Ou seja, o destino está trabalhando a seu favor, sorteando perguntas que ele conhece a resposta. Milionário faz um elogio à vivência, mais que ao ensino tradicional (e essa é uma crítica à educação que vê os alunos como tábulas rasas, seres vazios que serão “preenchidos” com uma sabedoria acadêmica). Dificilmente na escola Jamal aprenderia quem tá numa nota de cem dólares. Mas também, pra que serve essa informação? Só pra ganhar game show mesmo.
E sua vivência é feliz e infeliz ao mesmo tempo. Ele preferiria não saber o que uma divindade carrega num dos braços. Mas é só na cena da morte da mãe que os meninos são vistos sofrendo (brevemente). No resto do filme eles passam pelas maiores adversidades com um sorriso no rosto.
Opa, leia a segunda parte da crítica aqui, porque esta já tá longa demais.

29 comentários:

L. Archilla disse...

Eu adorei slumdog. Preciso ver de novo pra ver se continuo adorando... hahah

Mas mesmo q reveja e não goste TANTO, não entendo por que a crítica caiu matando em cima do filme. Tb achei que, dos concorrentes ao oscar, era o melhor. Talvez eles se incomodem com o fato de ser um filme difícil de rotular. Não é tão conto de fadas quanto Encantada, nem tão realista quanto Cidade de Deus. A maioria das críticas que leio diz ou que o filme é muito fantasioso, ou que é violento/triste demais. Concordo que é fantasioso, violento e triste, mas não acho q isso desqualifique uma obra. Acho q, no fundo, é preconceito contra o diferente.

Ju Ribeiro disse...

eu gostei pra caramba! curti do início ao fim!

mesmo, por vezes, os indianos conversando entre si em inglês!

Suzana Elvas disse...

Posso ser beeeeemmm chata? Coisa de revisora que está ficando velha e rabugenta: "fábula" a gente só usa para histórias em que os bichos falam.
Bjs

Alfredo disse...

Benjamim poderia ter masi chances se tivesse um roteiro mais decente e uma montagem digna. No mais, Milionario é bem superior em quse tudo sobre BB, so perdendo pra direção de arte.

Malu disse...

Eu não vi nenhum desses filmes indicados ao Oscar ainda...
Vou ter que esperar para ver em DVD porque o cinema daqui só passa porcarias.

Babs disse...

Lola, isso não tem nada a ver com o assunto mais to abismada demais para não colocar no post mais recente:

http://txt.estado.com.br/editorias/2007/12/13/ger-1.93.7.20071213.11.1.xml

Bjs

Somnia Carvalho disse...

Lola, vou ler o post com calma ainda, so vou escrever rapido porque to com problema na rede e cai toda hora... eu havia lhe falado de um filme sueco e que achei que voce gostaria muito, caso pudesse assistir.

Acho que vai pro Brasil também, dá uma olhada se tiver a fim. Em portugues ficou "Eternos momentos de Maria Larsson". Falei sobre ele no texto:
http://www.brassar.se/suecia/index.php?option=com_content&task=view&id=279&Itemid=126
Lembrei disso porque vi esse filme sueco num cinema super alternativo aqui que passa filme de bolywood. beijocas.
beijao!

Ju Ribeiro disse...

Lola, nada tem a ver com o assunto, mas dê uma olhada no que escreveram, lá no final da matéria.

http://mulher.terra.com.br/interna/0,,OI3626108-EI4788,00-Mulheres+bebem+alem+do+limite+para+atrair+homens+diz+estudo.html

Minha resposta ao Terra:

"E, se a biologia não lhe fizer pensar duas vezes antes de se embriagar, fica aqui o lembrete: um homem que bebe demais se torna um babaca. Já a mulher, um alvo fácil."

Uau! Porque é altamente justificável e sensato abusar de uma mulher embriagada! A culpa é dela, não é isso? Engraçado é essa opinião vir de uma coluna que se chama "Mulher", onde um homem dita como nós devemos nos comportar. Por que não estou surpresa disso vir justamente desse lixo que é o Terra?


Ahh, me emputeci.

@amaurit disse...

Lola, adorei o filme. Para a vitória no Oscar, entre ele e "O curioso caso..." preferia mil vezes "Quer quer ser..." Sou muito a favor da destronização do formato clássico hollywoodiano e já não me cheira bem esse filão de "adaptações de quadrinhos transbordando efeitos especiais" em que a indústria americana tem se escorado nos últimos tempos. Fazendo todas as ressalvas, "Quer quer ser..." traz outra realidade tão rica, quanto a do umbigo americano. Conta uma bela fábula com ingredientes modernos de apelo pop mas muito impacto. Tomara que outras boas produções saiam desse eixo marcado por Hollywood e surpreendam platéias do mundo todo, seja para falar de amor, mostrar o horror da pobreza e da exploração, ou mesmo para mostrar como fica empolgante a mistura de música indiana com eletrônica. No próximo post comento também.

Abração Lola!!

Anônimo disse...

Coincidência, acabei de ver Slumdog.
É o destino ;) Adorei, mas não quero ver de novo pra não mudar minha opinião.

Liris Tribuzzi disse...

Quero ver!!!
Um dos poucos que eu li a crítica antes de ir ao cinema. Já vi até Wacthmen, mas esse naõ...
"(de modo geral, cada indiano vai ao cinema três vezes por ano, sete vezes mais que a média brasileira)". Nossa!!! Não sobreviveria se eu fosse ao cinema na média nacional...

Anônimo disse...

Eu adoroooo filmes assim, mas não gostei muito do Benjamim Button. Achei que o filme não era triste, não era alegre, acho que o Brad NÃO ME PASSOU A idéia do sofrimento do personagem por viver daquele jeito.


Quero ver "Milionário", pela sua critica parece mais os filmes que eu curto.

Anônimo disse...

Ei, Lola!
Este é o meu primeiro comentário, desde que descobri o seu blog, uns dois meses atrás. Então, aproveito para lhe dar os parabéns! Adoro demais o seu blog! Contabilize aí mais um fiel leitor do sexo masculino, hehehe.

Sobre Quem Quer Ser Um Milionário?, eu o vi na segunda e gostei muito! Mas, na primeira cena, são 4 as opções, né: A) He cheated, B) He's lucky, He's a genius e C) It is written. E eu, sem nem saber a história do filme, pensei com os meus botões: Será que o garoto é um gênio e ninguém suspeita?! Hahaha!

Mas, por falar em Bélgica, eu também não sei muito mais além disso: só que o meu sobrenome veio de lá, hehehe.

Bye!

Anônimo disse...

lola, como vai?? tô com saudades, desculpe aparecer pouco por aqui mas as coisas estão corridas. Mas tenho que te dizer que whacthman (Acho que não é assim que se escreve) vai te decepcionar profundamente como decepcionou a mim. Tem os seus momentos, contudo umas personagens muito ambiguas, no mau sentido!!

lola aronovich disse...

Lauren, veja de novo. Tem filmes que quando eu revejo eu gosto mais ainda, como Milk e Foi Apenas um Sonho. Com Slumdog foi o contrário. Ainda assim, continuo sendo fã do filme. Acho que as críticas ganharam corpo mesmo quando o filme virou favorito pro Oscar. Aí o pessoal sempre malha...


Ju R, eu tb gostei muito. Mas os indianos falam inglês. Pelo menos boa parte deles. É a segunda língua.

lola aronovich disse...

Su, tá sendo beeeeem chata mesmo! Brincadeira! Sério que fábula é só pra bicho falante? Mas outros sentidos se popularizaram, né?


Asn, eu gosto de Benjamin tb, mas é como eu falei: gostei enquanto estava vendo o filme. O gosto que fica depois vai perdendo o sabor muito rápido.

lola aronovich disse...

Malu, pô, NENHUM dos cinco?! Que coisa, hein? Acho que vc vai ter que baixar no computador mesmo... E todos os indicados valem a pena.


Babs, ridículo. Espero que esse projeto do “bolsa-estupro” não passe no Congresso. Aliás, sinceramente, não sei como o PT deixa entrar no partido esses deputados que não creem num estado laico. Isso é coisa de partidos de direita.

lola aronovich disse...

Somnia, vou dar uma olhada. Obrigada pela dica!


Ju R, mais uma matéria esdrúxula. Que bom que vc respondeu! Gosto de te ver emputecida.

lola aronovich disse...

VeC, ah, sem dúvida, também prefiro Milionário a BB. Milionário realmente tem muito pouco a ver com Hollywood, e isso é bom. Concordo contigo, bem que o cinemão americano podia se “inspirar” em outras fontes!


Lila, coincidência mesmo. Bom, minha ídola Pauline Kael dizia que só via o filme uma vez.

lola aronovich disse...

Li, ainda não viu Slumdog? Vai lá. E Watchmen, gostou? Pois é, brasileiro vai muito pouco ao cinema. As pessoas não acreditam, acham que todo mundo é classe média, mas não é. Eu conheço gente que NUNCA vai ao cinema...


Priscilla, tem razão, BB não passa o sofrimento do personagem. Não sei se era essa a intenção, mas o Brad é um personagem tão passivo que não passa NADA. Fora a beleza, claro. Acho que vc vai gostar de Milionário.

lola aronovich disse...

Felipe, que sobrenome belga chiquérrimo que vc tem! Sabe, vc tem razão. Quando eu comecei a ver Milionário na primeira vez, e apareceram as opções, eu pensei que sim, ele pudesse ser um gênio. Tá, agora que vc já comentou, comente sempre!


Cavaca, e aí, sumidão? Imagino que esteja a maior correria aí. Olha, eu nem sei o que esperar de Watchmen. Eu não conheço a história em quadrinhos. Pra mim será apenas mais uma adaptação de super-heróis pras telas. Mas quero ver o filme - que não estreou em Joinville! Será que virá?

Ana disse...

Oi Lolla, eu gostei desse filme, achei legal ter batido no estranho caso. A melhor parte foi a parte das crianças e a melhor cena é quando ele mergulha no coco pra pegar o autógrafo. Abraços,

Suzana Elvas disse...

Sério. "Fábula" é só pra bicho falante.

Anônimo disse...

Eu espero que vc veja lola, tem coisas lá muito sérias que estão as avessas. Como um estuprador assassino de mulheres gravidas ser considerado um herói.

Anônimo disse...

Oi,Lola,
Eu gostei do filme mas não achei nenhuma obra prima. Confesso que ele me prendeu pela forma como foi narrado , mas no final acho que o roteiro se perdeu, o Salim que era cruel desde criança, de repente ficou bom e quis ajudar a moça, entre outras coisas. O final achei patético, com aquele encontro na estação e um "eu te amo" e outro "me beija". Achei que o papel da moça ficou meio inexplicado, ela não demonstrava nada e tb achei a atuação dela fraquinha. Mas gostei, só não sei se mereceu o Oscar pq não vi ainda os outros filmes. A parte das crianças sendo exploradas achei forte e triste e tb achei triste aqueles dois vivendo sozinhos sem eira nem beira. Não vejo a hora de vc publicar a segunda parte do seu texto :).

Ana Rute disse...

pra ser sincera não sei se gostei ou não gostei... com certeza não amei, senão não haveria dúvidas!
acho que a fotografia é boa, tem uns angulos diferentes e tal, a música é boa, a montagem é boa, o roteiro é bom, é tudo bom, mas ainda sim não me empolguei.
acho que terei que ver de novo, pra pelo menos ter uma opinião formada...

lola aronovich disse...

Ana, é, vc gostou dessa parte do cocô? Eu gosto principalmente do ritmo do filme, que é muito frenético.


Su, vou tentar me lembrar disso.


Cavaca, uau, jura?! Que horror! De repente Watchmen ficou mais interessante. Quero ver fazerem um herói de um cara desses.

lola aronovich disse...

Jussara, vc tem razão: o filme não explica direito a “transformação” de Salim. E sobre o papel da moça eu falo amanhã. Acho que temos a mesma opinião.


Ana, também gosto da fotografia, da música e da montagem. Acho que mais que do roteiro... Mas é um bom filme. É acima da média.

Anônimo disse...

Não vi Milionário, mas achei Benjamin hmm... agradável. Mas tem um que supera de longe: Foi só um Sonho. Apesar do nome bobinho do filme, a atuação do Leonardo de Caprio é de arrepiar, e o roteiro é maravilhoso!