O que mais me lembro de “A Família do Futuro” é que, antes do desenho animado começar, passou um trailer sobre um cachorro voador. Não faço idéia do título, mas ouvi dois garotos comentarem: “É um gato? Uma barata? Não, é o super viralata!”. Fico feliz que as crianças se divirtam porque, sinceramente, é difícil crítico de cinema se animar com desenho. Não que a “Família” não seja ótimo entretenimento. Até é. Só não é pra mim.
Ah sim, depois do viralata, mas antes da atração principal, fomos brindados com um curta do Walt Disney em que o Pateta beija uma sereia de madeira, o que só me fez pensar que nunca entendi o que diz o Donald. Aliás, muito antes de folhear “Para Ler o Pato Donald”, eu já achava estranho que naquele universo não houvesse pais e filhos, só tios e sobrinhos, e que os animais andassem vestidos. Quer dizer, mesmo as vestimentas não seguem um padrão rígido. A Minnie anda de topless, e o Donald tem chapéu e camisa de marinheiro, mas nada abaixo da cintura. E há aquela velha questão que persegue a humanidade: se o Mickey é um rato e o Donald um pato, o Pateta é o quê? Talvez ele seja um cachorro, mas o Mickey não tinha um cão de estimação que não era o Pateta? Ou talvez o problema esteja na gente saber demais sobre o velho Walt. Por exemplo, eu gostaria mais dele se não soubesse que ele mandou se auto-congelar. Ou que colaborou durante anos denunciando comunistas em Hollywood.
Mas nada disso parece incomodar a enorme equipe que trabalha na Disney. “Família do Futuro” até termina com uma mensagem do próprio Walt dizendo que não se deve olhar para o passado, o que deve ser uma inspiração pra todos os que labutam lá. Pior, pode até ser a missão da empresa. Mas parece que tô de marcação contra o filme, que fala de um menino órfão com jeito pra invenções que viaja no tempo e é apresentado a uma família excêntrica que, ahn, tem um coral de sapos e brinca com almôndegas durante o jantar (meu, essa frase ficou longa!). Pelo menos a trama não faz a apologia do sucesso. A melhor moral da história é que a família do futuro aplaude os erros. E o futuro em si parece ótimo. Tudo vai ser automatizado, robôs substituirão empregados nas tarefas domésticas, e pelo jeito ninguém vai precisar trabalhar. Nem na construção civil! Haverá casas instantâneas. Como o filme hiperativo apresenta informação demais em algumas partes, não sei se ouvi direito: o Canadá vai ser chamado de Estados Unidos do Norte? Os canadenses devem ter adorado essa.
“Família” é bem fofinho, e no final, trapinho que sou, até derramei algumas lágrimas. Gostei bastante da Feira de Ciências. Eu também participei de uma na escola quando tinha 14 ou 15 anos, ou seja, no século passado. Apresentei métodos anticoncepcionais. Eu me lembro porque expus camisinhas, diafragmas, dius, e uns diagramas dos órgãos reprodutores, e assim que as professoras entravam na sala com os aluninhos do primário e percebiam o que tava exposto, elas se jogavam em cima da mesa na tentativa de bloquear a visão dos pupilos e gritavam: “Isso não é pra vocês!”. Ah, quantas memórias!
Voltando, li que “Família” foi feito em 3D. Falei pro maridão e ele quis saber: “O que significa isso?” Eu: “Significa que se a gente tivesse os oclinhos seria muito mais divertido”. Mesmo sem os óculos, deu pra pescar mensagens edificantes. A segunda melhor (tirando a que erros precisam ser cometidos) é que nós mulheres sempre temos razão. É um tema recorrente, porque já estava presente em “A Rainha”. Aquele filme inútil sobre algo igualmente inútil (a monarquia) mostra que o príncipe Phillip é um total bundão: estúpido, homofóbico, e ainda gosta de caçar. Mas ele tem uma qualidade—nunca discute com sua mulher, a rainha. Martelei bem essa lição pro maridão e espero que agora, que “Família” reforçou a idéia, ele tenha aprendido.
Mas sabe, que bom que Hollywood e os animadores da Disney vejam o futuro como algo bacana, ao invés do que os cientistas acabaram de divulgar: um terço das espécies atuais extintas, um bilhão de pessoas sem água, a Amazônia vai virar uma savana, e a temperatura do globo aumentará entre dois e quatro graus. Isso tudo durante a minha vida! Vão estragar o meu planeta enquanto ainda estou viva, os safados!
P.S.: Imagino que a referência mais óbvia em “Família do Futuro” seja ao olho do computador que vê tudo do genial “2001, Uma Odisséia no Espaço” (1968). A trama de viagem no tempo já foi feita de forma um pouco mais adulta em “De Volta para o Futuro” (85) e “Peggy Sue, Seu Passado a Espera” (86), dois produtos dignos. Infelizmente, o chapéu coco usado pelo vilão de “Família” remete a um filme que é melhor ser esquecido: “Os Vingadores” (98). Lembra? Não era horrível?
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