sexta-feira, 2 de outubro de 2020

MRS AMERICA EXPÕE A HIPOCRISIA DE UMA FAMOSA ANTIFEMINISTA


Já faz um tempinho que assisti a uma ótima série com apenas uma temporada e nove episódios. Não vi muita gente falar nela, então vamos lá. Quem sabe vocês se animam também.

A série em questão é Mrs. America, escrita e dirigida por mulheres. É uma minissérie feminista, apesar de tratar de uma das mais famosas antifeministas, Phyllis Schlafly, cujo nome pra mim é impronunciável e impossível de escrever. 

Phyllis (vou me dirigir a ela apenas pelo primeiro nome porque é menos difícil que seu sobrenome, que pra mim lembra uma mosca) morreu em 2016, aos 92 anos. Antes de partir, ele deu um importante apoio a Donald Trump, atestando que o cara que dedicou toda a sua vida a transar com o máximo de mulheres e fazer dinheiro sem pagar impostos através do capitalismo mais predatório era um "verdadeiro conservador". 

Mas isso não está na série, que foca mais nos anos 70 e início dos 80, com a eleição de Reagan (Phyllis o ajudou a vencer e não ganhou nem um mísero ministério em troca). A mulher de penteado perfeito, sempre com o cabelo preso como as personagens de Hitchcock, fez toda uma carreira de sucesso pregando que as mulheres deveriam cuidar da casa, enquanto ela mesma dava palestras, publicava livros, ganhava dinheiro.

É ela a inspiração de Margaret Atwood para a Serena Joy de O Conto da Aia, aquela mulher inteligente, articulada e ambiciosa que, apesar de ser crucial para a propagação da extrema direita, nunca consegue um cargo importante no golpe teocrático por ser mulher (em 1967, Phyllis concorreu à presidência da Federação Nacional das Mulheres Republicanas. Perdeu porque seus críticos alegaram que, como mãe de seis filhos, ela não poderia se dedicar ao cargo). O primeiro episódio de Mrs. America é um show. "Nunca fui discriminada por ser mulher", jura Phyllis -- depois de uns 20 minutos seguidos de discriminação por ser mulher.

Mas talvez o melhor episódio seja o penúltimo, o oitavo, em que uma das melhores amigas e apoiadoras de Phyllis, Alice (interpretada pela sempre inspirada Sarah Paulson), uma dona de casa, vai a Houston participar da Conferência Nacional de Mulheres, em 1977. Lá ela toma LSD sem querer, vê a realidade (como insistir que uma amiga conservadora continue com o marido que a espanca não é um bom conselho), e sai de lá com a cabeça mais aberta, decidida a procurar um emprego remunerado para não ser tão dependente. 

Se Alice é uma personagem fictícia, um conjunto de várias mulheres, o que não falta em Mrs. America são personagens reais e interessantíssimos, como Betty Friedan (autora icônica de A Mística Feminina, e retratada na série como alguém difícil) e Shirley Chisholm. Eu não a conhecia, mas ela foi a primeira afro-americana a ser eleita senadora, e, em 1972, a primeira mulher a concorrer pela nomeação à presidência do Partido Democrata. 

Porém, provavelmente a personagem que mais chama a atenção é Gloria Steinem (interpretada por Rose Byrne), fundadora da revista feminista Ms. Gloria é uma das poucas ativistas da segunda onda que ainda está por aqui. Aos 86 anos, ela é uma lenda viva (e descobri por acaso que por uns anos ela foi madrasta do astro Christian Bale!). Mas é sempre bom ser lembrada de sua relevância desde muito jovem (embora ela não tenha gostado da série).

Não lembro se isso está na série ou se li, mas uma vez Phyllis sugeriu que todas as mulheres do congresso de mulheres em Houston eram lésbicas. Gloria Steinem devolveu: "Se nós somos todas lésbicas, onde estamos pegando todos os bebês ainda não nascidos para matar?" Gloria também disse em 2011: "Você sabe que o que você está dizendo é importante quando o sistema traz pessoas que se parecem com você e pensam como eles".
Mesmo que Mrs. America seja principalmente sobre Phyllis (e quem mais brilha é Cate Blanchett), a série poderia ser sobre qualquer uma das feministas que a combateu e que lutou pelos direitos das mulheres. Inclusive, cada episódio leva o nome de alguém fundamental. Mas o embate mais quente é para aprovar o Equal Rights Amendment (ERA), uma emenda na Constituição americana que garantiria a tão sonhada igualdade de gênero. Para ser aprovada, ela precisava passar em 38 dos 50 estados.
Chegou a receber o apoio de 35 estados, e a mobilização de Phyllis foi imprescindível para que a emenda não passasse. Ela achava que o ERA tiraria o que ela via como privilégios das mulheres, como pensão para a esposa que depende do marido e direito à custódia dos filhos, e faria com que mulheres também fossem obrigadas a lutar nas guerras americanas, que são muitas e que dependiam de alistamento compulsório. Em janeiro de 2020, Virgínia foi o 38o estado a apoiar o ERA. Será que agora vai? 

A série foi indicada a dez Emmys, porque é boa mesmo. Numa entrevista, Cate Blanchett alegou que aceitou o papel de Phyllis para entender, depois das traumáticas eleições de 2016, "como chegamos a um ponto em que as mulheres pareciam estar votando contra seus próprios interesses". Não deve ter sido fácil fazer uma personagem que não acreditava em estupro marital, dizia que mulheres inventavam acusações de estupro e violência doméstica, odiava a ONU, e era contra casamento de pessoas do mesmo sexo. 
Phyllis seria mais feliz hoje, em que estamos vivendo uma lamentável onda conservadora, que nos revolucionários anos 70. Naquela época ela teve que nadar contra a corrente. Hoje ela seria parte da corrente que nos afoga.

16 comentários:

Rose disse...

Vou assistir. Obrigada Lola! Vc é incrível.

Anônimo disse...

Uma série só para atacar uma mulher?

E a gente pensando que mulher podia ser o que ela quisesse.

Gisele Porto disse...

Vou vê Lolo boa dica!

avasconsil disse...

Um seriado ou um filme mostrando as atrocidades de Hitler ou Stalin não seria só pra falar das atrocidades de um homem. Teria a função de mostrar erros e monstruosidades humanos. É preciso registrar pra quem não viveu aquilo diretamente conhecer. A memória sobre os erros e os acertos dos indivíduos e dos povos não é automática. É adquirida. E pra a aquisição acontecer são necessárias fontes, como filmes, seriados e livros. Você é hipossuficiente intelectual mesmo ou é só fingimento?

Anônimo disse...

Aqui no Maranhão aconteceu uma tragédia em um mercado da rede Mateus. Que triste. Ouviu falar, Lola?

Alan Alriga disse...

O filme Campo 731 bactérias a maldade humana, retrata as atrocidades que os japoneses fizeram com os chineses durante a Segunda Guerra Mundial, pra quem quiser assistir têm no YouTube.

Alan Alriga disse...

Vou ver Lolinha

Anônimo disse...

Alan Alriga

Eu assisti ao filme e documentário a respeito. Muito boa sugestão, pois Shiro Ishii cometeu muito mais atrocidades do que os nazistas e fascistas, porém os vestígios foram descobertos em 1989.

Jane Doe disse...

Sim, mulheres podem ser o que elas quiserem. Inclusive algozes de outras mulheres. E camarada, elas são MUITAS!!! E por mais que tenha gente que vai se jogar no chão e espernear - eu vou dizer mesmo assim - elas são parte do problema.
Phyllis, Damares, algumas das minhas tias e primas. A vizinha que chama a outra de puta pelo comprimento da saia. A parenta que acha que se um mulher apanha do marido é por alguma coisa fez pra merecer...

Elas estão por toda a parte. Elas estão na casa do lado, em outro continente, na gerência da empresa. E quando elas estão no governo o estrago que elas podem causar se potencializa.

Precisamos de mais mulheres na política? Na ciência? Na indústria? No comércio? Mas sem sombra de dúvida. Eu espero avidamente por isso. Há uma imensidão de mulheres capazes, perspicazes, inteligentíssimas em todos os cantos do mundo. Porém enquanto escolherem destruírem outras mulheres pelo fato de serem mulheres não esperem grande mudanças...

avasconsil disse...

Precisamos de mais mulheres na política. Progressistas. A Flordelis é mulher. Um monte delas no legislativo mais atrapalharia que ajudaria no progresso dos direitos e liberdades civis. Precisamos de muitas Ruth Bader Ginsburg. Essas pastoras do tipo mulheres sentadas no trono (do preconceito e do regresso) são representantes das trevas. Ou tipo Camille Paglia - que é um homem ultramachista trans - são mulheres mas não são agentes do progresso.

Anônimo disse...

O "abortista" tRump tomou anticorpos feitos com células tronco embrionárias?

https://twitter.com/vinofictions/status/1313348876649275392

https://www.painnewsnetwork.org/stories/2020/10/4/president-trump-should-consider-stem-cell-therapy-for-covid-19

Anônimo disse...

tRump apoia aborto de ratinhas:
https://heavy.com/news/regeneron-monoclonal-antibodies-not-from-human-fetal-embryo-stem-cells/

Anônimo disse...

O que eu acho mais nojento nesse tipo de mulher é que vai lutar contra os direitos das mulheres ao mesmo tempo que usufrui das conquistas alcançadas. São hipócritas e tão perigosas quanto os homens misóginos.

Anônimo disse...

Eu amo a Flo Kennedy <3

Ana Paula disse...

Eu estava na dúvida em assistir, mas com seu resumo, agora sei que devo assistir. Grata Lola!

Anônimo disse...

E o remédio do tRump é mesmo feito com células de…
https://www.nytimes.com/2020/10/08/health/trump-covid-fetal-tissue.html