"LOLA, VOCÊ NÃO VAI FALAR DO MARCELO FREIXO?"

Deixa eu ver a lista dos temas que eu deveria tratar no blog, caso contrário eu estou escondendo alguma coisa: menores que estupraram uma mulher grávida no Piauí, eleição na França (pois, segundo reaças, feminista deveria apoiar a candidata de extrema direita Le Pen, por ela ser mulher), treta entre feministas no Facebook (graças às deusas estou longe do FB), protestos na Venezuela... esqueci alguma coisa?

Não adianta eu tentar explicar que tenho um emprego, que não vivo do blog, que este bloguinho humilde é tocado apenas por mim, não por uma equipe (vocês acham que eu sou o quê, o Antagonista?), que nem todos os assuntos me interessam, ou que só escrevo quando acho que posso acrescentar algo (porque para dizer o óbvio, já tem muita gente fazendo isso).

Também acho bizarro que a maior parte das cobranças ("Você não vai escrever sobre x, sua maldita?") venha de gente que me odeia, que diz que sou insignificante, ou que sequer me lê. Mas sei que este é um fenômeno a ser estudado: por que reaças que atacam feminista todos os dias, praticamente em todos os minutos da sua mísera existência, insistem tanto para que feminista escreva textão quando o cara acusado de machismo é de esquerda?

Tudo bem, eu não sou burra. Entendo que é pra atacar o carinha de esquerda. Entendo também que é o único momento da vida em que reaças acreditam que machismo existe ou que a vítima esteja falando a verdade. O que não entendo é por que a opinião de feministas -- que pra eles é sempre ridícula, histérica, peluda, mal vinda -- passa a ser tão importante.

Até, claro, que a feminista dê a sua opinião. No momento que você fala, e a sua opinião não bate com aquilo que eles esperavam ouvir (porque, né, se você se alinhar com algum pensamento reaça, é bom reavaliar seu pensamento), eles voltam a te ignorar totalmente -- exceto pra te atacar o tempo todo -- e adotam a narrativa "Nenhuma feminista falou sobre isso, o que prova que feminista não liga pras mulheres, e sim pro comunismo". Algo nessas linhas, no intervalo em que reaças não estão gritando "Vai pra Cuba!"

Desta vez vou falar muito brevemente, porque tenho aula daqui a pouco, sobre um assunto que blogs e sites reaças noticiaram à exaustão, e blogs e sites de esquerda (nos quais os feministas se incluem) basicamente ignoraram (devo ser a única que repara que blogs e sites reaças nunca divulgam quando o acusado é um reaça): a ex-companheira do deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), Priscilla Soares, escreveu um texto no seu Instagram (agora bloqueado) em que dizia que Freixo e "seus companheiros de partido, o clã dos esquerdo-machos", foram machistas. Para justificar o fim do relacionamento de dois anos e meio, tacharam Priscilla de infiel ("ganhei o carimbo de algoz para que ele [Freixo] fosse a vítima"). Além disso, a filha e ex-esposa dele espalharam que Priscilla seria louca e depressiva.

E foi isso. Sem querer desmerecer de forma alguma o desabafo de Priscilla, com quem me solidarizo, o relato ficou um pouco confuso, tanto que os reaças que correram para acusar Freixo não sabiam do que exatamente acusá-lo, e aceitaram simplesmente acusá-lo de "machismo", assim bem genérico. Desculpem, mas desafio algum reaça a responder sem se atrapalhar à pergunta "O que Freixo fez pra ser chamado de machista?" Tenho certeza que não saberão responder.

O que importa, pros reaças, é provar que, sim, eles são machistas, mas quem não é? (Isso quando eles não estão ocupados demais negando que o machismo exista, que é tudo invenção de feminazi. A contradição é deles, não minha). 

Logo, Freixo, de acordo com a lógica deles, é igualzinho a um Jair Bolsonaro, aquele que defende que mulheres devem ganhar menos porque engravidam, aquele que diz pra uma deputada que ele não a estupraria porque ela não merece, aquele que declara em entrevista que "o homossexualismo" aumentou na sociedade porque mulheres passaram a trabalhar fora, aquele que fala em palestra "Eu tenho cinco filhos. Foram quatro homens, aí no quinto eu dei uma fraquejada e veio uma mulher", aquele que vota a favor de "reformas" que prejudicam todo o povo brasileiro, em especial as mulheres.

A lógica reaça é que, já que todo mundo é machista, vamos parar com essas frescuras de chamar o cara de machista -- exceto quando o cara é de esquerda, aí tem que chamar sim, porque onde já se viu, e cadê as feminazis quando a gente precisa delas?

Ok, você já deve ter notado que não tem muita lógica nessa lógica reaça.

Como eu já disse, os reaças fizeram um carnaval com a "acusação" contra Freixo. Flavio Bolsonaro, aquele que desmaia em debate pra prefeito do Rio (o mesmo debate em que Freixo foi proibido de participar), fez uma enquete no seu Twitter perguntando como as feministas iriam agir diante da acusação a Freixo (uma alternativa era "fazendo um cocozaço", porque parece que isso é algo extremamente comum nos nossos protestos, mas ganhou a opção "vão ignorar").

O mais divertido foi mesmo Rodrigo Constantino, ex-Veja, para sempre "aquele reaça humilhado por Ciro Gomes", que nunca perde a oportunidade de ser preconceituoso. Ele decidiu medir o caráter de Freixo e Jair Bolsonaro de acordo com as ex-mulheres de cada um. Afinal, como ex-mulher, segundo Constrangido, é um bicho rancoroso que pode "fazer sua caveira", aquelas que elogiam e respeitam o ex-marido demonstram que o cara é um homem honrado, um cidadão de bem. No "teste da ex-mulher" (no mundo constrangido só existem políticos homens; as mulheres só podem ser "ex-mulheres" ou primeiras-damas), conclui o reaça, "o 'machista', o 'misógino', o 'incitador de estupros', o 'bronco' deputado Jair Bolsonaro leva a melhor em relação ao 'feminista', ao 'sensível', ao 'abnegado' e ao 'caridoso' deputado socialista".

Freixo demorou um pouco, mas se pronunciou sobre o caso num breve vídeo. Ele começa dizendo: "Foi com as mulheres com quem eu sempre convivi e trabalhei que aprendi que todo homem é machista". Nisso parece que todos nós, feministas inclusive, até reaças, estamos de acordo (exceto quando o acusado de machismo é reaça, aí machismo não existe). "Todos desenvolvem relações machistas numa sociedade patriarcal como a nossa", continua Freixo, "Nenhum de nós foge disso". 

E eis que vem uma diferença crucial entre um homem de esquerda que aceita que é, ou foi, machista, e os reaças, que são sempre machistas e têm orgulho disso. Freixo diz querer não aceitar esse machismo, não considerá-lo natural, e necessário de ser enfrentado.  

Freixo também diz que, se alguém fez qualquer comentário sobre o fim do relacionamento dele com Priscilla, isso não veio dele, e a pessoa agiu de má fé, querendo atingir a ela e a ele. "Então é importante que neste momento o seu relato [de Priscilla], a sua dor, sejam respeitados, tem que ser ouvidos sim. É legítimo que isso aconteça. Lamento muito o que aconteceu". 

Além disso, Freixo afirma que não quer esconder ou encobrir o caso, e se coloca à disposição do Setorial de Mulheres do PSOL "para que a gente possa aprofundar, para que a gente possa debater, para que a gente possa melhorar, corrigir, para que a gente possa qualificar melhor a luta da gente". 

Pessoalmente, achei muito boa a resposta de Freixo. Ele não nega o ocorrido, não desqualifica Priscilla, pede desculpas, promete melhorar, e sabe que vai precisar da ajuda das feministas pra isso. Espero que melhore mesmo, e que Priscilla fique bem e siga sua luta, que não começou nem terminou com seu relacionamento com Freixo. 

Eu sei bem como o "clã dos esquerdomachos" é fiel quando se trata de defender um cara de esquerda de acusações de machismo. Não vou citar nomes, mas um dos motivos que vários "esquerdomachos" (um termo que detesto e não uso, pois acredito que homens podem e devem ser feministas, e creio também que a esquerda tem se esforçado nos últimos tempos para desconstruir o machismo) me odeiam é que eu e outras feministas não os poupamos. A gente vive denunciando machismo. 

Mas eu e tantas outras feministas não aceitamos ser tratadas como massa de manobra. Já falei que a gente é inteligente? Pois é, a gente sabe quando reaças -- que em 99% do tempo tentam nos silenciar -- tentam nos usar para atacar gente de esquerda. A estratégia é, através de alguma acusação difusa, igualar um sujeito como Freixo a um dos Bolsonaros (qualquer um) ou a um Pedro Paulo (candidato a prefeito do Rio pelo PMDB e acusado de ter batido na ex). 

Não são iguais. Se fossem, reaças não teriam horror a Freixo (e a nós feministas) e não tentariam arruinar sua reputação sempre que possível.