(Pra não boiar, leia os dois posts anteriores antes, aqui e aqui). A crônica “Receita de Biscoito” foi o meu jeito de tentar encerrar o escândalo por eu ter escrito sobre o estágio. Acho que não deu muito certo, porque no dia em que ela foi publicada eu estava na minha classe, durante o intervalo, lendo um livro calmamente, quando ouvi muito barulho vindo do lado de fora. Vozes, gritos, vaias. Uma colega entrou na sala, olhou pra mim e disse, em pânico: “Não se preocupe que não vamos deixar eles entrar!”. Outra, uma gordinha, chegou despenteada e assustada: “Ahhh! Eles pensaram que eu era você e tentaram me pegar!”. Àquela altura vi que não daria pra ignorar os acontecimentos, e quis saber “Ahn, eles quem?”. “Eles” era a turma inteira do semestre anterior de Pedagogia reunida no corredor do lado de fora da minha sala, organizando um linchamento, gritando palavras de ordem como “Lola, Xô, Fora!”, e me xingando. Professoras e seguranças tiveram de dissipar a turba enraivecida, e eu, claro, fui chamada novamente à diretoria.
Coordenadora do curso: “Tá vendo o que você fez? Mais um texto seu e a gente vai ter que te expulsar mesmo!”.
Eu: “O que eu fiz? Um grupo de futuras professoras se organiza pra linchar alguém por causa de um texto de jornal e você tá preocupada comigo? O pior é que essa turma me conhece. Eu dei uma palestra de história política pra elas”.
Ela: “Pois é, o desapontamento delas deve ser maior ainda”.
Naquele dia uma colega amiga me acompanhou até o carro. E eu decidi, mais tarde, tirar meu adesivo do Lula do carro, pra evitar que ele fosse identificado e, quem sabe, vandalizado. Depois a coisa morreu, felizmente, e eu pude terminar meu curso sem grandes problemas. Se bem que tive de refazer em outra escola todo meu estágio da primeira série porque a professora retratada na crônica (a que me pediu pra descascar um abacaxi – é só isso que eu falo dela!) se recusou a assinar meus documentos de estágio. Ela disse, seriamente, que quase teve de ser internada por uma crise de nervos após a publicação do texto, mas que graças a Deus ganhou a solidariedade de todas as suas colegas, então conseguiu superar este trauma terrível na sua vida. Note que na crônica “Estágio Sabor Abacaxi” não há qualquer menção ao seu nome ou à escola. Mas certamente ela deve ter sido a única professora primária na história da humanidade a fazer uma salada de frutas com seus aluninhos, e por isso a identificação foi tão fácil. Menos de um ano depois de todo esse escândalo, fui fazer o Provão de Pedagogia e reencontrei minhas ex-colegas da Univille. Todas me cumprimentaram como se fossemos grandes amigas. Ao mesmo tempo, a versão que corria era que eu havia sido expulsa da Univille. Não é que eu me transferi pra outra faculdade pra economizar tempo e dinheiro, sabe? Eu fui expulsa! E até compreendo que as turmas quisessem clarificar publicamente, através de cartas de jornal, que eu não representava o grupo. Mas não gostei de ter sido descrita nas cartas das duas turmas como “esse tipo de aluna”. “Esse tipo de aluna” não queria seguir carreira em Pedagogia, mas não atrapalhava ninguém e até ia bem no curso. Me senti levemente vingada quando “esse tipo de aluna” tirou a maior nota de Joinville no Provão de Pedagogia. Ironias do destino. Mas juro que não guardo rancor de ninguém. Sempre que me encontro com ex-colegas de qualquer uma das faculdades, o papo de “Tudo bem? Há quanto tempo! Como vai?” é sincero. Porque imagino que praticamente todas as colegas, individualmente, teriam vergonha daquela reação exagerada a um texto de jornal. O problema é a histeria coletiva. Quando um grupo todo se junta, sai de baixo. Seria ótimo se esse poder de mobilização fosse usado pro bem, não seria?
21 comentários:
Triste notar, mas brasileiro é o tipo de povo que só se revolta com pouca coisa. Enquanto isso o poder público não faz nenhuma benfeitoria à sociedade e ninguém reage da devida forma. Fazem um show em praça pública e as pessoas esquecem que pagamos os maiores impostos do mundo e não temos nada de qualidade em troca, nem saúde, nem educação, nem segurança, nem limpeza urbana, sem saneamento básico, nada. A ilusão coletiva de que brasileiro é povo honesto e trabalhador é uma das maiores hipocrisias que existem. Só dar uma boa olhada ao nosso redor.
Não sei se é bem assim, Vitor. Eu me considero brasileira, e participei de várias mobilizações das Diretas Já, em 1984, em SP. E também de passeatas pelo impeachment do Collor, em 92. E como eu não era a única e havia milhares, talvez milhões, de pessoas nesses movimentos, talvez nosso povo não seja tão passivo assim como vc tá dizendo (e não sei até que ponto passividade está relacionada a desonestidade e preguiça). Vc quer que o povo se revolte agora contra o quê? Derrube o governo Lula? O "Cansei" tentou, no ano passado, e não deu muito certo. É difícil exigir que o povo se mobilize se a taxa de aprovação do governo está na casa dos 70%. E ninguém se esquece dos altos impostos e da falta de qualidade de muitos serviços públicos, Vitor. O pessoal, eu inclusa, só acha que a situação tá melhorando.
E quanto à "ilusão coletiva" de que brasileiro é honesto e trabalhador, hum... A "ilusão coletiva" que ouço da classe média é justamente o contrário, que brasileiro é desonesto e preguiçoso. Quer dizer, só brasileiro pobre, porque brasileiro classe média é honesto e trabalhador, e os ricos, bem, os ricos são o que a classe média quer ser, então melhor não criticá-los.
Eu até sou a favor do governo Lula (quer dizer, sou um tanto indiferente), já que sei que se fosse a direita no poder a situação seria pior. Também acho muito conveniente escândalos de corrupção explodirem justo quando a esquerda está no poder. Mas não há como negar que político no Brasil está muito mais interessado em aumentar sua renda mensal do que resolver os problemas sociais. Enquanto Dilma Roussef esteve sendo investigada por seus supostos crimes, os jornais passavam exaustivamente a cobertura do caso Isabella. E e u normalmente ouço mesmo que brasileiro é honesto e trabalhador. E as pessoas acreditam. Mas se alguém recebe um troco a mais na padaria por engano, acha o máximo. Enquanto isso os políticos tem um cartão de crédito e esbanjam a vontade com o dinheiro público...
Meu Deus!
Me diz porque ninguem faz uma coisa dessas quando o Gugu coloca falsos bandidos no ar dizendo que eles são do PCC, ou contra programas que só mostram gente sarada tomando sol de biquini na piscina ou se agarrando em baixo de edredons em rede nacional...
Vitor, acho que até na Suécia deve ter políticos (e cidadãos) corruptos. O que o Brasil e outros países em desenvolvimento parecem ter em comum é a impunidade nos casos de corrupção. Pra mudar isso, não depende só do Executivo (que é o governo Lula), mas tb do Judiciário e do Legislativo. E vc fala da cobertura exagerada da mídia ao caso Isabella como se isso tivesse sido feito pra cobrir os "escândalos" da Dilma. Ahn, Vitor, talvez vc tenha notado que a mídia e o governo estão em campos opostos? Que TODA a grande mídia é contra o governo Lula, fez tudo pra eleger o Alckmin em 2006, e fará de tudo pra que o PT perca em 2010? Pelo pouco que acompanhei, parece que a Dilma se saiu muito bem nos depoimentos que deu, o que ajudou a projetá-la nacionalmente e praticamente a lançou candidata a presidente... isso tudo apesar da mídia.
Quanto a brasileiro ser honesto, eu ouço mais o contrário. Acho que políticos e juízes não caem do céu, nem vêm de Marte. Não dá pra pensar que só eles são corruptos, e brasileiro em geral é honesto. Há muita corrupção entre os cidadãos brasileiros, mas ainda acredito que a maioria (e a maioria dos políticos e juízes também) não seja corrupta. Quanto a ser trabalhador, bom, me parece que brasileiro trabalha bastante sim, pelo menos no número de horas, maior que nos países ricos. Eu sempre ouvia que americano sim é trabalhador, que nos EUA não tem esse monte de feriados etc e tal. Ahn, tem sim. Tem um monte de feriado. E o pessoal pára de trabalhar e enforca... como os brasileiros.
Li, não acho que o pessoal tem que se mobilizar contra o Gugu ou contra baixaria na TV, se é isso que vc quer dizer. A mobilização nesse caso é bem simples: desligue a TV, mude de canal, não assista ao programa. Se o número de telespectadores cai, o programa cai, ou passa por mudanças.
Eu acho que é uma questão de precisar de uma afirmação de que o curso é uma coisa super importante.Como vc disse, é um curso que as pessoas geralmente escolhem porque é barato e relativamente fácil de fazer (ai, vão me matar por essa), oferece mais horários, etc. As pessoas quando se sentem inferiorizadas (por culpa delas) elas agridem, censuram, e não tem senso de humor.
Eu passei por uma coisa parecida quando fazia Administração, eu tinha me formado em Engenharia Civil e fui fazer Admnistração como segundo curso. Os colegas da Adm me pergutaram o quanto eu estudava por semana, aí caí na besteira de dizer que Adm era um curso fácil, que eu não estudava metade do tempo que estudei fazendo engenharia, quase me mataram. Claro que tem curso que se estuda muito mais que outros, e carreiras as quais se estuda a vida inteira.
Mas o que eu mais gostei dos textos foi a receita do biscoito. Vou fazer já!
Elas se estrebucharam pra nada. Cruzes!!! q reações desnecessarias! e é obvio q professora abacaxi se identificou com a historia. Um absurdo vc ter de refazer o estagio por ela se recusar a assinar teus documentos.
Lola, então voce acredita que a maioria dos politicos no Brasil são honestos?! Come on!
Só falta agora dizer que realmente o Lula não sabia de NADA como ele afirmou na época dos escandalos e corrupções noticiados...
Fiquei horrorizada com a reação ao artigo. Analfabetismo funcional, associado a baixa auto-estima, é catastrófico. Ainda bem que você sobreviveu a isso!
É, Kaká, a gente nunca deve dizer que um curso é mais fácil que outro. Acho que pode até dizer que gosta mais de um, mas "mais fácil"?! O pessoal de todas as áreas quer acreditar que está suando a camisa.
Ah, diz como ficaram os biscoitos. Aquela receita é muito boa. Tanto que eu geralmente como a massa crua! Não sobra quase nada pra assar no forno.
Foi bem dramático o negócio, Andréia. Faltava pouco tempo pro curso acabar e eu já tinha terminado todos os estágios (o da primeira sério foi o primeiro que fiz), só precisava acertar a parte burocrática, pegar assinaturas, uma papelada imensa. Se não me falha a memória, já tinha se passado mais de 2 meses da publicação daquela crônica fatídica. Mas a professora não quis assinar, e a diretora daquela escola só faltou me colocar pra fora. Então tive de refazer o estágio da 1a série inteiro numa outra escola. Foi uma correria, mas no final deu tudo certo.
Ah, Andréia, tem um outro detalhe: existe toda uma hierarquia num estágio. Estagiário de Pedagogia (e em geral) é a última das criaturas da cadeia alimentar. Todo mundo te trata como se você fosse um ser sem importância, e as próprias crianças captam isso rapidinho. Daí é uma boa chance pra uma professora primária, que ganha mal, que não é reconhecida pela sociedade - enfim, que normalmente também é tratada como um zé ninguém -, poder se sentir superior a alguém. Eu vi bastante disso nos estágios. E muitas colegas relatavam a mesma coisa. Mas depois do escândalo da crônica, ninguém mais ousava falar mal de estágio. Serviu pra unir a classe, que é sempre um bom propósito quando se adota um bode expiatório.
Nico, não ajuda em nada pensar que "político nenhum presta" e que "é tudo farinha do mesmo saco". Ao afirmar isso, inclusive, muita gente dá aval pra impunidade, porque fica parecendo que corrupção é algo natural - todo mundo faz -, que sempre ocorreu e sempre vai ocorrer, então por que lutar contra? Por que punir? Por que votar? Eu não concordo com essa análise. Eu adoro votar, gosto da democracia, apesar de tudo, e acho que somos em parte responsáveis por quem elegemos. Se todo político é ladrão, tem algo de errado com a gente também, não só com os políticos. Ou nós somos ladrões, ou não sabemos votar, ou não sabemos fiscalizar.
Eu prefiro acreditar que a maior parte de nós e, por consequência, dos políticos, não é corrupta. Acreditar nisso às vezes é difícil. Achar que "político é tudo igual, todos roubam" é um caminho bem mais cômodo. Te isenta de responsabilidade, e pra sempre!
Obrigada, Cynthia. Hoje parece que tudo isso aconteceu um tempão atrás.
É verdade Lola, eu me expressei mal.
Os biscoitos ficaram muito bons. :)
Não, não, Kaká, eu não tava de criticando. Tava concordando contigo quando disse que nunca devemos dizer que um curso é fácil...
Vc fez os biscoitos então? Conseguiu assá-los ou comeu cru?
Realmente não acho que pensar assim é mais cômodo. Tenho essa opinião pois conheço pessoalmente alguns políticos, e os comentários que escuto são simplesmente inacreditáveis e decepcionantes. Também não acho que por eles serem assim, temos que nos comparar a eles. O problema não é não saber votar, mas sim a falta de boas opções. Sinceramente acho que se algum honesto chega lá, acaba se corrompendo...Infelizmente perdi a esperança. (Isso nao quer dizer que perdi a esperança num Brasil melhor, pois com certeza existem muitas pessoas honestas que podem fazer a diferença em outras áreas da sociedade.)
Nico, se vc pensa assim, por que votar? Aliás, por que democracia? Esse seu discurso pode resvalar perigosamente praquele do "No tempo da ditadura militar o Brasil estava melhor". Como se não houvesse corrupção entre os militares! E acho que vc se contradiz quando diz que o problema não é não saber votar, mas a falta de opções, porque todo político que chega ao poder rouba. Então antes de chegar ao poder o sujeito era honesto? Afinal, o povo soube votar porque o escolheu. Logo, ele era uma boa opção? O problema não está com a pessoa, mas com o sistema? Eu também fico muito chateada com montes de coisas que vejo em política (não só no Brasil, nos EUA também). São acordos e negociações que as pessoas têm que fazer, muita falsidade, tem que ceder em vários pontos... Mas só isso não faz os políticos necessariamente corruptos. "Corrupção de valores" (tipo, chegar ao governo sendo de esquerda e, uma vez lá, não ser tão de esquerda como o programa prometia) é uma coisa. Mas corrupção, que imagino que é ao que a gente se refere quando diz que todo político é corrupto, envolve dinheiro, vantagem pessoal. A maioria dos políticos já é rica antes de chegar ao poder. Não acredito que a maioria roube.
É muita generalização pensar que existem pessoas honestas nas outras áreas, mas não na política. Pessoalmente, conheço alguns políticos honestos, e conheço alguns desonestos. Também conheço gente honesta e desonesta entre professoras, engenheiros, policiais, estudantes, etc etc. No que esse discurso batido de "ninguém presta" contribui pra melhorar o país? Eu posso ser ingênua, Nico, mas também é ingenuidade adotar um discurso como o seu e achar que ele não ajuda a uma causa - e não é a causa democrática...
lolla, agora eu tô morrendo de curiosidade pra ler esse texto!! rola? pretty plese, with sugar on top? :)
Qual texto, criatura?
então, me referia ao texto que você escreveu e que gerou essa tentativa de linchamento. maaaas, apressadinha que sou, não li o título desse post até o fim e só depois de muito scroll down percebi que o texto em questão foi postado sim, lá embaixo.
lola, esse povo que estudo contigo é tudodoidopontocom. o texto é uma gracinha e completamente inofensivo. a histeria revela mais sobre a insegurança delas do que sobre a sua possível falta de identificação com o curso. triste.
Vi o link no texto de hoje e não resisti, tive que ler a história toda... Ri muito! Eta povo! Hahhaaha!
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