segunda-feira, 19 de maio de 2008

DA VEZ QUE ESCAPEI DE UM LINCHAMENTO – PARTE 1

Como recordar é viver, vou contar uma história real sobre o maior barraco que um texto meu já gerou. Aconteceu há uns seis ou sete anos. Na época o jornal, além de publicar minhas críticas de cinema, ainda dava espaço pra crônicas levinhas, onde eu podia falar do que quisesse. Não foi um tempo fácil não. Eu escrevia pro jornal, trabalhava como coordenadora acadêmica e professora numa escola de inglês das 2 da tarde às 10 da noite, e cursava Pedagogia na ACE (Assoc. Catarinense de Ensino) das 7 e pouco da matina ao meio dia. Parte de um estágio eu tive de fazer no horário do almoço, porque era o único tempo que sobrava. Eu não gostava muito do curso e tava lá só pelo diploma. É que eu queria seguir adiante com um mestrado pra finalmente poder est
udar assuntos prazerosos, mas pra isso era preciso concluir um curso superior, o que eu não fiz quando deveria, na minha adolescência (tinha cursado dois anos de Propaganda). Jovens que me lêem, não façam o que eu fiz. Terminem a faculdade, mesmo que ela pareça ser uma perda de tempo. Estudar na adolescência, de preferência morando com os pais, sem precisar se auto-sustentar, é muito mais fácil do que quando se é adulto.
Enfim, embora eu não gostasse muito de Pedagogia, era boa aluna. E o estágio foi uma experiência interessante. Tínhamos que observar e lecionar não sei quantas horas de aula em cada série, da primeira à quarta. Eu tinha certeza absoluta que aquele seria o único momento na vida em que daria aula pra criança. Não era o que eu queria, nem quero. E então publiquei uma crônica a respeito. Pode ler, não dói.

ESTÁGIO SABOR ABACAXI
Estou no último ano de Pedagogia e agradeço aos céus por isso, mas há desvantagens. A maior delas é que chegou a hora do temido estágio. Temido porque tenho que ficar numa sala com trinta pestinhas. Aula eu já dou, de inglês, e lecionar adultos ou adolescentes parece um paraíso em comparação. Aliás, pra evitar uma corrida em massa às escolas de Joinville, com centenas de pais desmatriculando seus filhos, quero me comprometer publicamente que não vou dar aulas no futuro. Só no estágio, e porque preciso. E no estágio tem supervisão; dificilmente os aluninhos serão contaminados por alguma idéia subversiva. Não se preocupem.
Um dia, ainda na observação, a professora decidiu fazer uma salada de frutas com a classe. Adivinha quem ficou com a incumbência de descascar o abacaxi? A estagiária, é claro. Eu. Não queria confessar que jamais havia chegado perto de um abacaxi inteiro antes. As crianças sentiram o drama e fizeram uma roda em volta para ver como é que se cortava um. Ou melhor, como é que não se cortava. Sou um perigo com facas.
Agora estou estagiando na terceira série. Um aluno quis insistir comigo que uma das nações mais populosas do mundo era... o Chile. Nada adiantou eu dizer que o Chile é minúsculo. As crianças me impressionam por duas coisas: uma, como elas não têm noção de quantidade. A outra é como, tendo que decidir entre duas opções, elas sempre escolhem a errada. Já havia pedido pra elas chutarem a população do Brasil, e as apostas variavam entre mil e um milhão. E o menininho com a convicção que o Chile, sim, que era enorme. Tive que contar-lhes que, em número de habitantes, campeã era a China, depois a Índia, depois os EUA, depois a Indonésia, depois a pátria amada idolatrada salve salve. Eles quiseram saber quantas pessoas havia em cada país. Sem problemas; sou muito boa em cultura inútil. Falei que havia uns 270 milhões lá nos States, e um aluno replicou: “Agora tem menos. Depois dos atentados...” Pois é, já estou chamando Herodes de titio.

Ok, pode não ser a crônica mais inspirada do século 21, mas eu jamais poderia imaginar a repercussão que teve. O texto foi publicado no jornal num dia da semana, quarta, eu acho. Minha editora comentou algo comigo, por email, que havia uma cartinha de protesto contra a crônica. Até aí, normal. O jornal volta e meia abria espaço pra “direito de res
posta” de quem se sentia injuriado (tipo, quando pichei Shrek, um carinha do sindicato dos jornalistas pediu minha caveira). Mas com uma crônica dessas levinhas ainda não tinha acontecido. Reli a crônica. Até hoje, sinceramente, não consigo entender a comoção. Mas eu quase fui linchada. Não perca o capítulo 2 e a parte 3, o final.

18 comentários:

Anônimo disse...

Vou ficar atenta mesmo pra pra ver mesmo como termina Lola... E vc nem mencionou a crueldade da molecada. Aqui, pq vc não gosta do Shrek? Fiquei curiosa. Abraços.

lola aronovich disse...

Oi, Nalu. Pus o link pra minha crítica de Shrek no post. É só clicar. Infelizmente, o artigo do jornalista não tenho mais. Era uma besteira sem fim: falava que eu devia ser uma velhinha de 80 anos que nem vê os filmes, e que só fica andando pelo shopping, comprando coisas. Euzinha, que não compro nada... Escrevi "O Papelão da Crítica" como resposta. É só procurar no busca que tem (o link tá tb no post sobre os cineastas dos anos 70). Abração, agora tenho que sair!

Andrea disse...

Aguardando desesperadamente e curiosamente o proximo capitulo!

Hein Lola, se vc tivesse feito Letras em vez de Pedagogia nao teria q estagiar com "pestinhas" e assim sua vida teria sido mais fácil. Q tal?


Abraço!

Nita disse...

assim você mata todo mundo de curiosidade.
realmente não entendi o porquê do drama todo sobre a cronica

Liris Tribuzzi disse...

Acho que o caos todo girou por conta de uma faca nas mãos da Lola numa sala de aula cheia de pestinhas. Imagina o Perigo!

lu disse...

mas como assim, vc foi falar mal de CRIANÇAS publicamente? que crime! elas são fofas, lindas, encantadoras, e absolutamente tudo o que elas fazem também deve ser visto assim.
nunca viu uns pestinhas agindo de maneira absurda em algum lugar e os pais nem aí? é porque criança é FOFA!

Luciano disse...

Nossa, não tem NADA de mais! Ancioso para ler a 2ª parte!

Unknown disse...

Falar mal de crianças não pode, todo mundo horroriza... :)

Mas eu entendo sua aflição, dar aula pra crianças é um desafio e tanto, tem que ter paciência. MUITA paciência.

Eu jamais conseguiria. Adoro crianças, mas não tenho muita paciência não. Por isso, nunca me meti a ensiná-las. Só dou aula pra adultos... mesmo assim, a paciência falha de vez em quando...

E quanto ao doutorado, eu, por enquanto, não estou dando aulas. Estou tentando alguns concursos, vamos ver se vai dar certo.

Aprendi muito com o processo. E adorei escrever sobre o meu tema, a Clarice Lispector, uma de minhas paixões...

Beijo grande!

E fuja dos "temas polêmicos" da próxima vez... rsrsrsrs!

Anônimo disse...

Lola, menina!
Dê uma olhada nisso:

http://film.guardian.co.uk/cannes2008/story/0,,2280921,00.html

Abraços!

Anônimo disse...

saiu truncado o endereço...

http://film.guardian.co.uk/cannes2008/story/
0,,2280921,00.html

:)

Anônimo disse...

Eu ainda nao conhecia sua critica a respeito do estágio Abacaxi na integra, mas achei bem legal, cheio de humor sarcastico (como sempre, que alias gosto muito). E continuo com a opiniao que nao foi motivo para tanto. Acho que gerou revolta de suas colegas de turma, que certamente aprendem a lidar com essa situação de modo bem oposto ao seu.

Com relação ao filme Nao conte a ninguem, respondi no outro comentário (Eh, já notei que vc ainda nao assistiu. O nome do filme em ingles é Tell No One, mas o titulo original é Ne le dis à Personne de 2006. Como vc pode notar, trata-se de um filme frances). Estou ancioso para que vc assista e de sua critica.

A respeito do Shrek, acho que vc é a unica pessoa que nao gostou do filme...

I think I'm addicted in this thing called blog. Now every day I need to enter here and check the comments...

Igor Garcia disse...

Lolinha, as pessoas não sabem do que uma criança chata é capaz de fazer, só com autoridade! Tinha um amigo que namorava uma professora de espanhol, que tinha a alcunha de Vanessa coisa grande, era mais alta que ele, e dava aula para crianças. Um dia numa aula, durante a feitura de um exercicio, ele liga pro celular dela, onde conversam baixo para os alunos fazerem o bendito exercicio. Aos poucos os bate papo começa a ficar mais alto, mais alto, mais alto, que nem esse amigo escutava sua namorada. Ela pede "só um minutinho amor" e fala carinhosamente um "CALA A BOCA", que até ele ficou mudo!! Foi uma experiencia edificante para ele, já que nunca mais discutiu com sua namorada depois do que ela é capaz de fazer! ;-)

Crianças de cursos de idioma, só quando o inferno gelar!

Espero a continuação! Bjs n'alma!

lola aronovich disse...

Oi pessoal! Que bom que vcs ficaram curiosos(as). Quarta eu publico a próxima parte e, na quinta, o capítulo final (são 3 partes!). Amanhã tá reservado pro meu textinho sobre as buscas do Google e a minha crítica de Indiana Jones!

Ai, eu nem acho que tava falando tão mal das crianças. Acho que tava falando mal de mim como professora pra crianças! Aliás, acima de tudo, falava mal de mim como descascadora de abacaxis. Mas vcs precisam ver o chabu que deu. Nem imaginam.

lola aronovich disse...

Aninha, obrigada pelo link. Não vou comentar o artigo horrendo aqui. Acho que preciso escrever um post pra defender o Woody Allen!

Nico, vi seu comentário no outro post, obrigada. Não garanto que vou ver o filme (tenho uma lista enorme de filme pra ver ainda), mas se eu o vir, eu comento alguma coisa. E que ótimo que vc tá viciado no blog! Se eu tô, por que vc não pode estar?

Igor, eu nunca falei pruma criança (ou adulto) calar a boca, mas certamente já pedi pra aguardar um momento, falar mais baixo, esperar o amiguinho acabar de falar, etc. E lembre-se que esse estágio não era pra criança em curso de idioma. Não era inglês que eu tava lecionando. Era pra primário, de primeira à quarta série.

Mas eu não tenho nada contra criança, em geral. Só que não queria (nem quero) dar aula pra elas! É pecado? Pras minhas colegas de Pedagogia, é...

Gisela Lacerda disse...

Ahaha! Gostei do texto. A ilustração em si está ótima. Olha, eu até gosto de criança mas não curto dar aulas particulares pra elas, porque é como se fosse um pacote: vem os pais junto. E é como se eu fosse quase obrigada a encarnar uma espécie de "mãe" que "talvez adormece em mim". Nem tenho filho. Além do mais, ainda ganha-se pouco. Prefiro adulto que sabe o que quer e paga bem por isso, dá valor ao que aprende. Crianças são engraçadas, mas são empurradas porque tiraram nota baixa. Aí, os pais só procuram nessas horas pra poder economizar dindim. Resultado: sacal. Estou no início, não tenho "métier" certo. Vou levando, até porque nunca pude traçar objetivos: minha vida é meio complicada, ou melhor, "abacaxizada". ;-))

Gisela Lacerda disse...

Resumindo: o problema é mais financeiro. Pague 1 milhão pela hora de aula e ok. hehehe E eu sou considerada um "docinho", porque o "público" em geral é composto mais de aborr.. ops dolescentes do que por chatinhos mirins.

lola aronovich disse...

Gi, eu gosto muito de dar aula. Mas aula pras turmas primárias eu achei muito mais difícil que dar aula de inglês pra adultos ou adolescentes (eu costumo me dar muito bem com adolescentes). Enfrentar uma primeira série várias horas por dia, de segunda à sexta, 30, 40 crianças numa classe... Não é pra mim. Tem gente que adora e que é muito boa nisso, e eu admiro essas professoras. Antes de começar Pedagogia eu já sabia que não era isso que eu queria pra mim, e o estágio foi bom pra reforçar minhas convicções. Mesmo assim, foi uma experiência válida. Tive um ótimo relacionamento com a terceira série que peguei, por exemplo. Mas tem uma diferença enorme fazer isso durante 20 horas e durante 20 anos...

Julia disse...

Eu explico. Não li as outras partes mas vou comentar. Você falou mal sim das crianças. Que elas não sabem quantidade e escolhem a opção errada. São crianças, poxa! Criança não tem noção dessas coisas mesmo, nem de dinheiro. Quando criança achava que uma casa custava 20 mil reais, enfim.. Estudantes de pedagogia devem gostar de crianças e vc, pelo texto aparenta não gostar. É como uma "traidora do movimento", entendeu? É como se vc tivesse cuspindo no prato que comeu.