quinta-feira, 3 de julho de 2008

“I'M GONNA GET MEDIEVAL ON YOUR ASS”

Odeio pessoas ricas. De uma maneira geral, elas são grossas, porque estão acostumadas a tratar todo mundo como serventes, ou porque sabem que, perante a lei, elas são mais importantes que as outras. Acabei de ser humilhada pelo dono do prédio onde moro em Detroit. O nome é Mr. Wolf, como o personagem do Harvey Keitel em Pulp Fiction, o que conserta as situações (por sinal, o título deste post, não pude resistir, é o que o personagem do Ving Rhames promete ao estuprador, “Vou fazer o seu c* medieval”, ou algo assim). A minha situação é que eu e o maridão estamos com passagens aéreas pra voltar ao nosso querido Brasil no dia 29 de julho. E, quando alugamos o apartamento, no comecinho de agosto do ano passado, pagamos um depósito de 385 dólares (o valor do aluguel). Como ele tem o depósito e a gente já notificou por escrito que vai embora dia 29, não esperava que teríamos que pagar o aluguel de julho – seria só ele ficar com o depósito. Mas não. O carinha quer que paguemos o aluguel de julho, e depois ele envia um cheque com o valor do depósito pra gente, pelo correio. Claro que descontar um cheque estrangeiro no Brasil (e vice-versa) custa dinheiro. Ainda não sei quanto. Só pra fazer transferência do banco americano pro banco brasileiro custa 40 dólares do Chase e mais 30 do Real. Pensei que, como fomos ótimos inquilinos (nunca atrasamos o pagamento; pelo contrário, pagamos os últimos três meses adiantados), e como as passagens estão na nossa mão, eles aceitariam ficar com o depósito.

Mas o jeito que aquele senhor rico me tratou foi o pior. Sabe aquela pessoa que não se dignifica a desviar os olhos pra olhar pra você? Esse tipinho. Sem me mirar, meu landlord – não é à toa que o nome seja o mesmo desde a Idade Média - perguntou por que estávamos indo embora. Respondi que nossa viagem era mesmo pra durar um ano, e estamos cumprindo o roteiro. Ele fez um ar de “e daí?”, e emendou com um “No seu país vocês têm casas com endereço?”. Detalhe que ninguém guardou que nosso país é o Brasil. O Leslie, o manager (zelador) do prédio, achava que era a Argentina, e a mulher dele continua pensando que é Colômbia. Mr. Wolf disse que muitos inquilinos pedem pra que ele abra mão do depósito, e que não pode fazer isso, porque é a lei, e a lei deve ser igual pra todos (é, a gente sabe como a justiça é cega). E pronto, encerrou o assunto. Passou a falar com o Leslie. Eu continuava lá, sentada. Aí, enquanto ele falava com o Les, também passou a dar bronca em alguém pelo celular. Ao encerrar a conversa no telefone, gritou “Asshole!”. Como eu voltei a falar, ele me cortou com um “Absolutely not”, e ainda emendou que, como ele é honesto, ele vai sim enviar o cheque pro nosso país, ao contrário de muitas firmas por aí. Uau, até então eu nem havia cogitado a possibilidade de não receber o dinheiro. Estava pensando só em todas as taxas bancárias. Quer dizer que existe essa chance, é?

Perguntei o que aconteceria se eu simplesmente não pagasse o aluguel de julho. Ele disse que, em uma semana, começariam os procedimentos legais (e os encargos com advogado ficam por conta do inquilino), e que eu ficaria com o crédito manchado e não poderia retornar aos EUA se quisesse, e que eu provavelmente seria despejada antes de terminar o mês. “Você não quer isso”, disse o Leslie, visivelmente constrangido. Pobre Les. Ele sempre fica muito diferente quando o patrão tá por perto. E Mr. Wolf aparece no prédio uma vez por mês, pra recolher o dinheiro.Bom, o que podia fazer? Paguei o aluguel de julho (que não se paga com dinheiro ou cheque, e sim com ordem de pagamento). No final, Mr. Wolf falou pro Les verificar como está nosso apartamento lá pelo dia 27, pra talvez nos devolver um cheque antes da nossa volta. “Não vou garantir nada,” disse ele ao Les, não a mim. Eu ouvi e tentei insistir pra que ele pelo menos fizesse isso, e lembrei que somos bons inquilinos. E ele: “Porque você é mulher”.

E foi isso. Fui embora com o rabinho entre as pernas. Ele não levantou os olhos nem disse “Goodbye”.

O Daniel, vulgo Zed (outro personagem de Pulp Fiction), que tem uma loja de roupas vintage e paga aluguel também ao mesmo landlord, disse que Mr. Wolf tem muitos prédios em Detroit e em outras cidades e que é milionário (acho que ele disse bilionário, mas vamos nos contentar com os milhões). E que, apesar da fortuna, é profundamente infeliz. E que realmente multiplicou sua fortuna não com o mercado imobiliário, e sim com os investimentos nos bancos. Ele e outros no clubinho receberam informações privilegiadas de exatamente quando os EUA iriam iniciar a Guerra do Golfo, e puderam assim aplicar dinheiro na bolsa. Segundo Zed, Mr. Wolf lhe disse ter feito mais dinheiro em uma semana que na sua vida inteira. Mas meu landlord ainda finge acreditar que a lei é igual para todos.

Eu já tive inquilinos (e problemas com inquilinos), mas sempre os tratei com respeito. Não sei se, se eu fosse rica, desceria ao nível do Mr. Wolf e seus colegas milionários. E não sei se rico no país mais rico do mundo é mais asqueroso que rico em país pobre. Só sei que meu mantra de hoje vai ser “I hate rich people. I hate rich people. I hate rich people”.

19 comentários:

lola aronovich disse...

Desculpem o título do post, mas fiquei revoltada. Quando comecei a escrever, só pensei na semelhança da história com Pulp Fiction por causa do nome dos personagens. Mas quando escrevi landlord e falei que era herança medieval, lembrei da frase de Pulp Fiction na hora (que eu sempre penso que é "I'll make your ass medieval"). E aí pensei, vou ilustrar tudinho com fotos do filme. Mas sorry pelo palavrão, que eu não sou disso.

Anônimo disse...

Oi Anjinho, ontem eu empatei com um carq de 2335,
Eu estou tentando escrever no computador do Seabastien, mas o teclado e frances e eu nao sei onde ficam as teclas, POR ISSO VAI AQUI MESMO, o SITE OFICIAL E WWW,CHESSWORLD,COM

Juliana disse...

Pois é, infelizmente existem essas pessoas estúpidas que não sabem conversar que nem gente. Não vamos desistir do apartamento só por conta disso se o resto todo valer a pena. O Nick tinha me dito que ia aí hoje, queria poder ir junto.. =(
Entendo o lado do cara de querer esperar até vocês saírem para devolver o depósito, mas não precisava ser estúpido. Vocês tiveram que pagar só o depósito? Porque alguns lugares cobram primeiro mês, último mês E depósito, ou seja, você paga 3x o valor do aluguel no primeiro mês (o que eu acho um horror) mas o último mês tá pago, né?!
Espero que o prédio tenha mais coisas positivas(localização, apartamentos, vizinhança, zelador, PREÇO!!) do que negativas (Sr. Lobo devorador de inquilinos)

Suzana Elvas disse...

Lola, querida;

Isabel era filha de Filipe IV de França (chamado de "Felipe, o Belo", ou "o rei de Ferro" e "o rei de Mármore". Bom, dos quatro filhos vivos, ela era a que nasceu talhada para ser "rei", mas não pôde assumir o trono porque na França imperava a lei sálica (só homens herdavam o trono.

Isabel acabou casada com Eduardo II, que gostava mais dos pedreiros e soldados do que dela. Assim, ela arranjou um amante e tratou de sumir com o marido e pôr no trono o filho mais velho (apesar de tudo, ela teve quatro filhos com o marido).

Então. Isabel mandou trancafiar o marido num castelo (estamos em 1327). Tinha que dar um fim nele, mas ele precisava parecer ter morrido naturalmente - não podia ter marcas nem nada que desse uma pista sobre o fim do pobrezinho.

Aí foi bolada a seguinte solução. Atenção à receita (pra usar no seu senhorio vai precisar da ajuda do maridão e do Leslie, pelo menos): corte um chifre de boi na ponta, fazendo um funil. Deite o desafeto numa mesa (somente o tronco), de barriga pra baixo. Abaixe as calças do dito. Enfie o chifre do boi no cujo (quando mais fundo, melhor). Aí, pelo chifre introduza uma vara de ferro incandescente.

Pronto. Você cozinhou as entranhas do desafeto sem deixar marcas. Viu? Por isso a expressão "I'm gonna get medieval on your ass".

Lola também é cultura!

Suzana Elvas disse...

E, Lola, a edição que você fez do meu comentário tá errada. Eu não disse que são cinco filmes ótimos em 12 ("Cinco [ótimos] filmes em 12"). Disse que, de 12 filmes, ele fez cinco considerados de gosto discutível.
Bjs

Anônimo disse...

Eu sei exatamente como é o tipo lola. Nos meus maiores momentos de estress com o público eu também costumo desabafar dessa maneira: "I hate people". Alguns dos meus amigos no trabalho as vezes exageram: Aquela cabra, quero que ela morra! (as pessoas se alteram mesmo no big.estress, é impressionante). Mas pelo menos ele é de facto rico, pior é aquela pessoa que quer ser o que não é, especialmente usando uma atitude esnobe.

Essa parece ser uma situação simples de resolver, mas a atitude desse idi...quero dizer, desse senhor, mostra mesmo que você e o maridão não mercem ser inquilinos dele. Não é curioso com essas pessoas acabam marcando a gente por essas coisas desagradaveis que nos fazem? Eu pelo menos dificilmente esqueço quando uma pessoa me trata mal.

Fer Guimaraes Rosa disse...

Lola, eu sou uma landlady, pois temos uma guest house que alugamos para estudantes. Somos os maiores bestalhoes do planeta imobiliario, tivemos tantas experiencias absurdas que agora estamos um pouco mais chatos. Mas nada comparado com esse cretino do seu Lobo...grawww.. Que bundao!

:-[

Mas nao pude deixar de notar como eh barato aluguel ai em Detroit. Por aqui, com essa quantia, nao se aluga nem um quartinho sem banheiro...

beijaooo,

lola aronovich disse...

Agora vcs podem ver com seus próprios olhos como o maridão me trata: ele tá em Filadélfia e nem pra ligar ou mandar um email decente. Manda um recadinho de 3 linhas! Tadinho... Se vc não faz idéia de onde ficam as teclas no nosso computador, imagina no dos outros.


Ju, o Nick esteva aqui! Mostrei o apê e parte do prédio pra ele, e conversamos bastante. Ah, ele é um fofo! Repetiu pelo menos umas cinco vezes como andou pela vizinhança pra ver se era segura, porque ele quer que vc fique num lugar bom, sem problemas. Dá pra ver que ele só pensa em vc, Ju!
Sobre o aluguel, em agosto, quando chegamos, pagamos o primeiro aluguel (sempre adiantado, bem no começo do mês), e o depósito, no valor de um mês de aluguel. E acho que teve mais 50 de application fee ou algo assim e mais 25 por cada conjunto de chaves (foram 2). Mas um ou dois meses depois devolveram 25 pra gente. Eu nem entendi direito porquê, mas gostei. O lugar é muito bom. E a gente não precisa lidar com um cretinóide como o Mr. Wolf.

lola aronovich disse...

Su, suponho que eu tenha que te agradecer por essas informações asquerosas que vc passou sobre tortura medieval. Não sei se o personagem do Ving Rhames sabe da Isabel. Não sei nem se o Taranta sabe! Mas no Pulp Fiction, o Ving diz pro Zed, o estuprador, que vai pegar dois carinhas malvados e barra-pesada viciados em crack e... get medieval on his ass. Que horror.
Su, eu entendi mal o que vc tinha falado sobre o Clint, então. Já corrigi (cinco dias depois).


Cavaca, a gente não teve nenhum problema com o prédio, nem com o Mr. Wolf (que só havíamos visto uma vez), antes disso. Sabe, eu até entendo que ele negue o que pedi, mas não dava pra fazê-lo educadamente? Tem que ser grosso? O prédio é muito bom, o "manager" cuida bem de tudo, não temos queixas. Podia ter tido um final feliz. Mas, por favor, Cavaquinho, não diga isso:
"Mas pelo menos ele é de facto rico, pior é aquela pessoa que quer ser o que não é, especialmente usando uma atitude esnobe".
Pega mal! Se ele é rico mesmo ou se passando por rico não faz a menor diferença pra mim. Numa colocação dessas parece que vc tá aliviando a barra do Mr. Wolf por ele ser rico. Ninguém tem o direito de tratar mal os outros: rico, rico tradicional, novo-rico, pobre, classe média...
Sobre essas coisas nos marcarem, não sei. Eu tento não guardar rancor de ninguém. E não é algo que eu vá me lembrar daqui a um tempinho. Mas se eu tivesse que ter algum tipo de relacionamento com o Mr. Wolf, seria difícil passar por cima desta "primeira impressão".

lola aronovich disse...

Ai, Fezoca, nem me fala. Eu já tive péssimas experiências como landlady. É que lá em Joinville, quando compramos a nossa casa, veio uma casinha atrás, no mesmo terreno. Bem pequena, só cozinha, banheiro, quarto. E passamos a alugá-la. Teve um inquilino que sumiu, comprou um monte de coisa no nome da namorada, e espalhou que o meu marido era irmão dele. Os credores vinham até em casa cobrar montes de coisas que ele não tinha pago. E claro que não pagava o aluguel. Esse foi o que deu mais dor de cabeça. Aí teve um casal que fazia escândalo. Brigava a socos e toda a vizinhança ouvia. De todos os inquilinos que tivemos, os únicos realmente exemplares foram um casalzinho jovem bem humilde.
Depois reformamos a casa, ampliamos, fizemos um segundo andar, ficou linda. E minha mãe foi morar lá. Fim dos inquilinos.
Sobre o preço do aluguel, US$ 385, essa não é a norma em Detroit. Não sei como arranjamos algo tão barato. É um "studio", sabe, uma quitinete, mas pra um casal tá muito bom. Outros studios aqui pertinho custavam mais de 450. Ainda assim, bem mais em conta que na Califórnia, né? Não, tá louco. Conheço gente que foi fazer doutorado-sanduíche com bolsa da Capes/CNPq em NY e na Califórnia. Não sei como eles sobrevivem com uma bolsa de US$ 1,100 mensais...

Anônimo disse...

If I were a rich man...

Vitor Ferreira disse...

O problema dele não é ser rica, é ser pobre de espírito. A miaoria das pessoas ricas que eu conheço são muito simples. Já os arrogantes são os que se acham ricos,em outras palavras, os metidos à besta.

lola aronovich disse...

Leonardo, continua a frase, pra eu entender o que vc quer dizer.


Vitor, é, eu conheço bastante gente rica que não é assim como o Mr. Wolf, mas também conheço quem é rico e é como ele. E conheço gente de classe média que é parecida. Pobre é mais difícil. É que acho que a síndrome do "Vc sabe com quem está falando?" afeta muito as pessoas com poder (e riqueza dá poder). Não me lembro qual o político que disse que, quando vc nunca mais tem que abrir uma porta (porque sempre vai ter gente abrindo-a pra vc), isso mexe com quem vc é. E vc começa a tratar as pessoas de modo diferente. E esse "diferente" raramente é pra melhor.

Anônimo disse...

Acho que não se trata de ser rico ou pobre, mas sim de relação de poder. Algumas pessoas mudam completamente (ou mostram o verdadeiro caráter) quando percebem ou recebem poder sobre outras.
Quer conhecer o verdadeiro caráter de uma pessoa? É só ver ela enriquecer, ser promovida ou receber algum tipo de precedência sobre outras.
Triste, mas real. =(

Anônimo disse...

Ah Lola, é uma indireta para o filme o qual a indiquei tem dois meses:

http://www.stlyrics.com/lyrics/bestofbroadway-americanmusical/ifiwerearichman.htm

lembra?

Anônimo disse...

Lola, o que quis dizer é que essa nao é uma atitude surpresa no caso de gente rica nao é?. Especialmente se for gente de negocios.
Assim fiquei pensando nas pessoas, que nao sei porque, querem ser o que nao sao. E isso é tao chato! E tem muita gente assim e acabei ligando as coisas para falar disso. Nao justifico o que ele fez por ser rico, foi mesmo deselegante.

Nao guardo rancor também, aqui no trabalho sempre comentamos um com outro quando alguma coisa além do normal acontece quando as pessoas sao muito deseleganes, e rimos disso. A melhor coisa é primeiro se revoltar e depois começar a fazer piada. Porque sempre vai ter essas pessoas e isso vai acontecer independetente de eu querer ou nao. é melhor rir. Mas eu me lembro mais desses casos do que outros, onde as pessoas sao simpaticas.

lola aronovich disse...

Talvez, Ollie. Mas como geralmente quem tem poder são os ricos...


Leonardo, esqueci completamente do Violinista! Sorry...


É verdade, Cavaca. Levo bem a sério aquele provérbio, "rir é o melhor remédio".

Santiago disse...

Prezada Lola

Sobre o post em questão lhe digo o seguinte:

Falar que gente rica é ruim é que nem falar que gente pobre é boa, o seja, maniqueismo puro. E uma pessoa inteligente como você deve sabe que maniqueísmo, ou é ingenuidade, ou coisa de mal intencionados; como sei que você não é má mal intencionada...
A propósito de se falar que gente pobre é gente boa, esse, talvez, fosse o maior axioma social brasileiro, mas o PT com seus partidários vis, destruiu, para sempre, até o último resquício desse pensamento, com seus dólares na cueca, mensalão, “não sei de nada não vi nada”, etc. Alguns ricos são uma porcaria, muitos pobres são piores ainda!.

lola aronovich disse...

Santiago, respondi o seu comentário no post sobre... não sei onde vc o deixou. Mas vc sabe, né?