sexta-feira, 4 de julho de 2008

CRÍTICA: O ESCAFANDRO E A BORBOLETA / Com escafandro não tem tsunami

- Repita comigo essa palavra difícil: s-a-l-a-m-a-n-t, ops, quero dizer, e-s-c-a-f-a-n-d-r-o.

Eu deixei O Escafandro e a Borboleta escapar no cinema por não ter gostado do trailer, e admito que, se o filme não estreasse no Brasil hoje, também não o teria visto em dvd. É o tipo de programa que eu imaginava que causaria um novo tsunami com minhas lágrimas, eu que sou um farrapinho humano. Foi assim com os divinos Mar Adentro e Fale com Ela, e com o intrigante mas insatisfatório Johnny Vai à Guerra, ambos com temas parecidos. Mas estava enganada. Escafandro não quis meu dilúvio, porque não é um melodrama. É um filme “artístico”, com as vantagens e desvantagens que este termo implica.

Chato falar mal de Escafandro. Chato e perigoso, porque é uma dessas histórias que, pelo tema, não se pode ser contra. É sobre Jean-Dominique Bauby, editor da Elle francesa e que, aos 42 anos, sofreu um derrame e ficou três semanas em coma. Quando acordou, viu que teve uma doença rara chamada locked-in syndrome (sem idéia de como traduzir isso), que o impedia de mexer qualquer parte do seu corpo, exceto um dos seus olhos. E assim, piscando pra uma assistente que ditava o alfabeto pra ele, escreveu um livro que foi um sucesso. Ou seja, se eu desdenhar dessa trama de elevação do espírito humano, serei considerada uma insensível. E fora isso, o filme ganhou vários prêmios, foi indicado a quatro Oscars (não levou nenhum), foi elogiado por montes de críticos famosos. É óbvio que só posso estar errada.

Concordo que os primeiros trinta, quarenta minutos são muito bons. A câmera segue o ponto de vista do personagem principal. Quando ele chora, ela fica embaçada. Ela só vê o que ele vê. E é terrível quando lhe costuram um olho, já que a câmera tá lá dentro. Em geral, as imagens são belíssimas (tirando essa do olho!). Só que depois, quando passamos a ver além do seu ponto de vista, a peteca cai demais. A gente já conhece o bastante sobre o sujeito pra não gostar dele, e não há história comovente que nos envolva envolva. Até porque o carinha é arrogante e não trata muito bem as mulheres de sua vida. É um pouco de novidade uma vítima de uma doença tão cruel não se tornar uma pessoa melhor depois do coma. Bauby continua sendo machista até seu último suspiro. Mas gosto da cena em que uma especialista em fala diz pra ele que as modelos na revista estão cada vez mais magras e parecem-se com meninos. Ele não se defende nem em pensamento! (sim, a gente pode ouvir o que ele pensa).

É esquisito que os melhores momentos aconteçam quando estamos dentro da cabeça dele, e no seu relacionamento com médicos e fonoaudiólogas. Essas cenas são muito superiores às que ele passa com a família, nos flashbacks ou na atualidade. Mesmo que o filme não tenha mandado, eu chorei na cena em que Bauby dita pra fonoaudióloga que quer morrer, e ela se zanga. Mas foi só nessa parte, que é, de longe, a mais memorável de Escafandro. Talvez essas sequências funcionem mais porque podemos nos colocar no lugar dele, e pensar “O que eu faria se fosse comigo?”. Ainda assim, um tiquinho mais de suspense viria a calhar. Em Johnny Vai à Guerra (clássico de 71), o soldado sem braços, pernas, boca e olhos demora um tempo até descobrir quais partes de seu corpo estão faltando. É horrível, e ele vai descobrindo pouco a pouco (meio como o Ronald Reagan – ator – vendo que suas pernas estão ausentes e gritando “Where's the rest of me?!”, “Onde está o resto de mim?”, em Cada Coração um Pecado). Também demora pra que alguém pense numa forma de se comunicar com ele. Em Escafandro, é tudo mais fácil. Assim que Bauby desperta do coma, os médicos lhe explicam que ele está completamente paralisado, e já lhe ensinam como deve se expressar. Fico feliz que ele tenha uma vasta equipe trabalhando pra sua melhora, mas não pude parar de pensar que, se ele fosse pobre, seria diferente.

O filme tem vários méritos, claro. Ele nunca é monótono e tem bastante movimento, o que é uma façanha louvável numa história sobre um homem que só pode mexer uma das pálpebras. Só que fiquei imaginando como um personagem secundário – um homem que troca de lugar com Bauby num vôo que é sequestrado, e passa quatro anos como refém em Beirute – daria um filme mais interessante. E também, por que esconder? Não gosto do título. Eu mal sei o que significa escafandro, e preciso de uma fonoaudióloga só pra pronunciar a palavra (que me lembra salamantra). Entendo o nome: escafandro é porque Bauby sente-se preso numa armadura dentro do mar, e borboleta porque representa liberdade de movimentos e metamorfose, como se estivesse num casulo e fosse sair a qualquer momento (se bem que não consigo mais pensar em borboleta sem rir depois que o maridão, sem querer e muito sério, chamou The Butterfly Effect de The Borbolate Effect. Tá, sou uma insensível).

Talvez meu maior problema seja que não sou grande fã do diretor, pintor e escultor Julian Schnabel. Eu me recordo quase nada de Basquiat, e só lembro mais de Antes do Anoitecer porque o Javier Bardem é inesquecível em tudo que faz. Nenhum desses dois filmes eu veria de novo. Mas Escafandro pode ser inspirador pra mim por um único motivo: se o Bauby consegue escrever um livro com um olho só, por que eu não seria capaz de escrever a minha tese com duas mãos, uma boca, e aproximadamente metade de um cérebro? (a outra metade já está irremediavelmente comprometida).

11 comentários:

Nita disse...

a história me parece realmente inspiradora. vou conferir o filme, pelo menos para ter uma opinião sobre ele.
e eu li depois que tinha escrito o post das cartas. x)

Liris Tribuzzi disse...

Lola, tem um coments lá embaixo, no "BELEZA NÃO É “UM POR TODOS, TODOS POR UM”".

Lilian disse...

Meu irmão (Marcelo Starobinas) escreveu ontem um textinho sobre o filme, alguns detalhes sobre a produção do roteiro e as relações entre roteirista e diretor, capaz de te interessar. Se não tiver acesso à Folha de S. Paulo, dá pra ver o texto aqui
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=492ASP018

lola aronovich disse...

Nita, quer dizer que tem uma onda espalhada no ar de meninas com saudades das cartas escritas à mão! Veja Escafandro sim, Nita. Depois diga o que achou.


Li, respondi lá, ok?


Lilian, não sabia que o Marcelo é seu irmão! A maior parte da crítica fala muito bem de Escafandro. Eu que sou uma voz destoante. Não me envolveu. Ou melhor, envolveu, mas só nos primeiros 40 minutos.
E talvez eu que esteja cada vez mais intolerante. Antes eu ia na onda de "cretino que sofre uma doença/acidente terrível tem minha compaixão e interesse". Pra mim o Bauby parecia um cretino antes do derrame, e depois só virou um cretino num locked-in syndrome. Mas continua sendo um cretino!
Mas eu tô sendo muito dura com ele. Provavelmente muita gente (principalmente homens) vai achá-lo um cara legal...

Anônimo disse...

caramba! você não está sozinha, eu tive a mesma impressão do filme, inclusive odiei o cara de morte numa das cenas que ele parecia querer comer com os olhos uma das enfermeiras (aliás, a única maneira que ele poderia comer alguém, mesmo, o pobre...)

traduziria como "síndrome de prisão" ou auto-prisão?

abraços

Lilian disse...

Lola, é meu brother sim. É jornalista também, e agora está começando no cinema (vão rodar logo mais um filme sobre o Jean Charles de Menezes, ele é um dos roteiristas).É cadeirante também, faz uns 10 anos.
bjs

lola aronovich disse...

Aninha, bom saber que vc achou o mesmo que eu. Agora, sua observação sobre o Bauby comer alguém... Vc consegue ser ainda mais cruel que eu!
É "síndrome de prisao"? Eu procurei em algumas críticas em português sobre o filme mas todas deixavam como "locked-in syndrome". Enfim...


Lilian, que legal! Já ouvi falar do Marcelo. Parei de ler a Folha faz um tempinho, mas antes disso ele já escrevia. E que maravilha que ele tá se aventurando pelo mundo do cinema. Muito sucesso pra ele!
Ish... tomara que eu não tenha sido desrespeitosa com os cadeiristas na minha crônica sobre Escafandro. Posso perguntar o que aconteceu com ele? Foi um acidente?

Lilian disse...

Lola, acho que não foi desrespeitosa com os cadeirantes não... O caso dele foi um acidente à la Marcelo Paiva, salto num rio não tão profundo. Por sorte só afetou da cintura para baixo...
Entrego a tese em 28 dias... OMG...
bjs

lola aronovich disse...

Que coisa, Lilian! Esses acidentes do tipo Marcelo Paiva são muito comuns, né? Eu nunca nem imaginava uma coisa dessas antes de ler Feliz Ano Velho (ou Novo? Sempre confundo com o do Rubem Fonseca) nos anos 80. Será que vai ter uma cura pra isso ainda nas nossas vidas? Espero que sim! Minha tia (que morreu há alguns anos) teve esclerose múltipla e foi ficando paralisada. Ela tentou de tudo, mas não deu.
28 dias pra entregar a tese?! Que maravilha, Lilian! Parabéns!

Anônimo disse...

gostei mto do seu texto, embora discorde de várias coisas...mas enfim, se vc pensar que a história é real, que o editor da revista Elle era riquíssimo e por isso tinha recursos para se manter em ótimos hospitais (sem contar q o sistema de saúde frances é bem melhor que o nosso)e que pra ele nao deve ter sido nda fácil, msm as pessoas trazendo um método pronto para ele aprender a se expressar...bem...acho q ofilme é lindo e a história mais ainda...

Unknown disse...

Triste, óbvio pela situação do cara.
Mas, sinceramente, não gostei do filme.
Fui assistir pelos inúmeros comentários, como: fascinante, envolvente, maravilhoso. E sinceramente, não consegui ver nada disso.
O cara sofre um derrame, tem uma doença rara que faz ele mexer apenas o olho esquerdo, o que obviamente é terrível, mas, o filme fica apenas nisso!
A gente vê com bons olhos a boa vontade da moça que fala exaustivamente as letras, para que ele escreva o livro.
As melhores partes, é quando o espectador vê o mundo com os olhos do protagonista.
Fora disso, perde a graça, e sinceramente, foi um sacrifício assistir o filme até o final.
Monótono e nota 4.
Minha opinião.
E olha que não sou muito exigente!