quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

CRÍTICA: O DISCURSO DO REI / É bom ser o rei quando se é o Colin

O fardo de ser rei

Como já falei em várias ocasiões, sou anti-monarquista ao extremo, e considero realezas símbolos inúteis e vestígios da Idade Média. Por isso, e mais exatamente desde A Última Loucura do Rei George, que odiei com todas as minhas forças, evito ao máximo ver filmes sobre reis e rainhas. Ultimamente, depois de gostar de algumas produções como A Rainha, A Duquesa (pra mim é tudo a mesma droga), e A Outra, essa resolução tem balançado tanto quanto aquela outra, de nunca mais ver comédia romântica com casamento no título. Mas não fui cheia de entusiasmo ver O Discurso do Rei. Falo na bucha: fui pelo Colin Firth, que é meu rei particular, pessoal e intransferível. Fui pelo Oscar.
Ninguém no seu juízo perfeito podia imaginar que um filme simples, sem grandes complexidades como Discurso do Rei, seria indicado a doze estatuetas. E só deus sabe quantas ganhará. Até poucas semanas, A Rede Social parecia ser o favorito. Agora o momento é de Discurso. Pelo memos um prêmio é certo: o de melhor ator para Colin. Ele deveria ter vencido no ano passado, por Direito de Amar (A Single Man), mas acharam que era a vez de congratular o Jeff Bridges. Desta vez será surpreendente se Colin não ganhar. Ele está perfeito, e é ele que torna o personagem menos maçante. Pra quem acha que ele é apenas um rostinho lindo ou um ídolo de comédias românticas, bom, talvez só um pedacinho de Direito de Amar (quando recebe a notícia que seu parceiro morreu num acidente, e a família não quer convidá-lo pro velório porque, né, casais gays não formam uma família) seja suficiente pra provar que ele é espetacular.Se bem que pra mim quem brilha mesmo em Discurso é o Geoffrey Rush. Pelo menos ele é disparado o personagem que mais me agradou. Ele interpreta o fonoaudiólogo que ajuda o rei (quando ainda é apenas príncipe) a curar sua gagueira. O que gostei é que ele desobedece tudo que é ordenado a fazer. Não tá nem aí em fazer perguntas pessoais pra sua majestade, em tratá-lo pelo apelido, em sentar no seu trono... Seria como eu trataria alguém da realeza se chegasse perto de alguém de sangue real (o que não faço a menor questão que aconteça). Num ano qualquer, Geoffrey colecionaria mais uma estatueta para adornar sua lareira (ele já tem uma por Shine - Brilhante). Este ano, a essa altura, Christian Bale já deve ter memorizado seu discurso.
Não sobra muito pra Helena Bonham Carter fazer, já que o verdadeiro par romântico da história não é entre ela e seu rei. Mas ela tá bem, como sempre, por mais que sua personagem não aja, só reaja (ao marido). Ela dá uma face terna a um filme feito pra todo mundo gostar daquele rei e seus herdeiros (a atual rainha é filha dele, Charles é seu neto, e aquele um que vai casar, seu bisneto). Só que pra dar uma face humana ao rei George VI foi preciso limpar um pouquinho a história, jogando pra escanteio qualquer suspeita maligna. Na vida real, esse rei foi simpatizante do nazismo. Seu irmão mais velho, que foi rei por uns meses antes dele, era tão amiguinho de Hitler que decidiu passar sua lua de mel em Munique, com direito a elogios pro ditador. Já George apoiou o ministro de Relações Exteriores que, pouco antes da guerra, barrou judeus que fugiram da Alemanha e tentaram imigrar para a Palestina. No filme há um ou dois momentos em que George ouve um discurso de Hitler e fica embevecido, mas a trama faz crer que ele idolatra a oratória do pintor frustrado, e não sua mensagem.
Como convém esquecê-lo, Hitler aqui não tem vez. Se na obra-prima do Tarantino o nazista era um caricato histriônico, em Discurso o exagero fica por conta de Churchill, feito por Timothy Spall (um dos vilões repulsivos de Sweeney Todd). Sua interpretação destoa um pouco da sobriedade da história. E eu nem reparei que o Guy Pearce (Amnésia, quina do Tempo) tava no filme (ele faz o irmão menos esperto de George).
Apesar desta crônica estar mal-humorada e dando a entender que não gostei de Discurso, é só impressão sua. Na hora, amei o filme levinho sobre superação. Só depois é que fiquei um tantinho envergonhada por ter adorado uma produção tão bobinha e desnecessária, ainda mais num ano em que concorre com filmes mais socialmente responsáveis (Inverno da Alma), cheios de possíveis interpretações (Cisne Negro e A Origem), ou moralmente dúbios (Rede Social). Tenho a impressão que quem detestou o filme (uma legião que parece aumentar com a proximidade do Oscar) não o detestou durante a sessão, só depois. Porque durante, convenhamos, ele é docinho e fácil de gostar. E já falei que tem o Colin Firth?Em A História do Mundo – Parte 1 Mel Brooks tinha um esquete meio grosseiro em que ele repetia “It's good to be the king”. Eu discordo. Acho que deve ser bem chato ser rei, rainha, príncipe, princesa, essas bossas. Aposto que é bem melhor ser simplesmente rico, sem responsabilidade nenhuma. O pessoal de coroa precisa participar de inúmeros eventos sociais e de caridade. Imagina o saco que é ter de ser formal o tempo todo, com um monte de gente falsa e pomposa avaliando a sua postura igualmente falsa e pomposa pra qualquer assunto, e tendo que se prender a aberrações do passado (chamadas de “tradição), como caçar lindas raposas indefesas. Qualquer rei deve se sentir com 500 anos de idade, mesmo quando tem 15. Até o Colin parece mais velho em Discurso, não acha?

16 comentários:

Renata disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Renata disse...

Oi Lola,
assisti o filme essa semana e discordo muito de você. Não o achei nem bobinho nem desnecessário. Acho bem interessante observar as diferenças de leitura porque, prá mim, o filme fala sobre a força de um homem que, imerso num ambiente repressivo e no qual ele não podia viver sua autenticidade, a assumiu enquanto pôde até mesmo na dificuldade de fala, algo bem impensável para uma pessoa pública. Também gostei muito da mudança da abordagem dele mesmo em relação à sua imagem e sua posição na monarquia, já que no início não aceita as ousadias de Lionel e, no final, se destrona da imagem de rei chamando-o de "meu amigo".
Adorei ainda como o filme mostrou a dificuldade dele diante das imposições de um cargo que ele não quis recusar. Por esse ponto de vista, é um filme de superação, mas nem de longe me pareceu bobinho. Pelo contrário. Me provocou ótimas reflexões sobre as identidades/papéis que querem nos impor e como nos adaptamos a elas buscando, até onde é possível, manter a autenticidade.
Por último, estranhei sua "vergonha" em gostar do filme por ele não ser socialmente responsável. Não seria isso uma patrulha interna exagerada?

Lord Anderson disse...

Quando o Brooks dizia que era bom ser Rei, era numa epoca em que ele tinham pode de fato, e eram a autoridade maxima.

Hoje em dia no ocidente, as monarquias não tem força real (com o perdão do trocadilho), são mais simbolos nacionais.

Ainda não vi o filme, mas como não tenho essa ojeriza ideologica a monarquia, acho que posso gostar.

Pat Ferret disse...

Adorei o filme! De modo geral eu não aprecio "filmes de realeza britânica" pq acabo achando-os todos muito "mais da mesma coisa", mas esse me pegou de surpresa. Consegue ser leve (sem exagerar nos recursos de comédia), mesmo tendo como pano de fundo um período histórico tão conturbado.

Se (quando) Colin Firth ganhar o Oscar, será merecidamente. Procurem no Youtube a gravação original do discurso feito pelo Rei George: a semelhança é impressionante.

Helena Bonham Carter, aliás, tb está muito bem, fazendo um papel de gente "normal" (só pra variar)... Rsrsrs

Flávia disse...

Oi, Lola

Discordo de você quanto ao filme.

Concordo com a Renata sobre a questão do socialmente responsável... acho que é um excesso de policiamento.

O filme é muito bom. Tem algumas incoerências e omissões históricas (como historiadora, não posso negar isso), mas acredito que é uma leitura do presente sobre a superação e a imposição de determinados papéis e responsabilidade sobre um rei ou uma pessoa comum, como disse a Renata. O próprio Lionel é exemplo disso, ele não se viu obrigado a criar estratégias após a Primeira Guerra quando os soldados chegavam com dificuldades de se expressar? Ou seja, com uma responsabilidade que inicialmente ele não tinha.

Sendo uma leitura atual há uma série de re-criações e apropriações... não sejamos positivistas em exigir os fatos tal como ocorreram...

Unknown disse...

Concordo com você, Lola, quando diz que as pessoas não gostaram do filme somente após sairem do cinema, pois durante o Colin Firth não permite outra coisa, rs.
Eu gostei do filme durante todo o tempo em que o assisti e as atuações, do trio principal, estavam ótimas, principalmente do Colin e do Geofrey Rush. Mas senti falta de algo mais na história.
Assim como muito da história foi alterada, como você bem destacou (o que nem sempre é um problema, como vemos no Bastardos Inglórios), o enredo eleito poderia ter se aprofundado um pouco mais sobre a gagueira (principal "atriz" desse filme). Diversas questões foram jogadas ao público de forma rasa, como a violência que o Rei George sofreu na infância, nas mãos de sua babá. Ou a relação conflituosa com o pai e o irmão.
Fiz um post sobre o filme logo em seguida que assisti ao filme justamente apontando essas questões: http://soberbasamenidades.wordpress.com/2011/02/17/mu-mu-mulher-em-mim-fi-fizeste-um-estrago-eu-de-nervoso-estou-tou-fi-ficando-gago/
Gostei do filme, mas faltou um enredo mais aprofundado (ouso dizer que o achei superficial nas questões que realmente importam e que, apesar disso, eram os principais destaques) e, por essa razão, está longe dos meus prediletos ao Oscar de melhor filme.

Carla disse...

Coisa mais adorável do mundo o Colin gaguejando.

E achei linda a Helena Bonham Carter surpreendentemente contida e equilibrada!

Oliveira disse...

Que conicidência engraçada. O Rei
George visitou elogiou o Hitler, o Lula ( o rei do brasil) visitou e elogiou o Kadafi.

Reis e reis: todos iguais!

Lord Anderson disse...

Sim, Lula visitou Kadafi.Fato que muito me decepcionou.

Assim como o primeiro ministro britanico da epoca, que publicamente elogiou o ditador como um aliado no combate ao terrorismo.

Engraçado que esse fato mal é citado pelos jornais.

Weligton disse...

Quando vi q tinha um filme chamado "o discurso do rei" com todo o hype, pensei, esse título deve ser um trocadilho pra um filme fenomenal, mas daí depois eu vi um cartaz do filme e vi q realmente era sobre um discurso!

Eis a história: Um rei era gago e naum conseguia fazer discursos, daí ele procura a ajuda de um profissional, daí ele naum gosta pq o profissional usa métodos diferentes, daí ele desiste, daí ele ve q precisa do profissional e vai na casa dele, daí o profissional ajuda ele e ele faz um discurso e pronto era isso! Fenomenal, brilhante!!

Eu naum sei como q esse filme está sequer concorrendo a algum oscar, num ano em que temos a rede social, ou cisne negro, é inacreditável ver uma bomba dessa no oscar!

Enfim, um dos piores filmes q eu já vi na vida!! Naum recomendo nem pra um gago!!

Quéroul disse...

eu curti o filme, achei mais fofo do que esperava, e nem quis morrer (ou matar, vai saber) vendo a Bonham-Carter, a atriz mais blé do universo.
antes achava que o Firth tinha que ganhar por compensação, por conta do ano passado. agora eu acho que é por mérito mesmo; fazer um gago sem ser caricato e ridículo não é tarefa fácil.
só espero mesmo que ele faça um discurso de agradecimento decente (e sem gaguejar, heh), porque o que ele fez comigo quando ganhou o golden globe não se faz com ninguém: o cara chat, hein, Firth!
também não vou ficar nada triste se o Rush ganhar do Bale...

bom, mas a minha torcida ainda é pra Rede Social.
aí sim o Oscar vai ser legal!

;)

Rachel Wykowski disse...

Ah, não me fale mal de "A Duquesa". Chorei pra caramba... As mulheres no século XVIII não passavam de "bichos de teta" (perdôe a expressão), que só serviam para casar e procriar. As da elite casavam, procriavam e torravam dinheiro em vestidos caros e chapéus. Mas como disse a própria Duquesa, "era a única forma que elas tinham de chamar a atenção e se expressar", apesar de que, no que deu a entender, ela foi uma bos ativista política. Só sei que esse filme me fez dar graças à Deus de ter nascido no século XX e viver no século XXI!
Também não vejo muito sentido nas monarquias atualmente, mas não deixo de ter meu respeito pelas famílias reais, cujos títulos, no passado, foram conquistados por bravura e heroísmo de guerra. Hoje não vale muita coisa, mas já significou algo em tempos remotos...
Gostei do seu espaço...

Anônimo disse...

Oi Lola,
pois eu gostei bastante do filme, mesmo com os deslizes históricos.
O caso é que o foco me pareceu estar no inusitado da situação: um rei gago que é curado por um ator australiano (Logue não era fonoaudiólogo, nem mesmo tinha licença para praticar) que não conseguia papéis no teatro justamente por causa de seu sotaque...
A gagueira de George VI era particularmente problemática numa época de instabilidade política (devido a iminência da guerra) e quando a voz passa a ser um instrumento importante de comunicação de massa, com a popularização do rádio.
Eu não tenho essa birra toda com as moonarquias não, até me divirto com esse mis-en-scène bobo...
abraço,
Mônica

Iseedeadpeople disse...

A química entre Colin Firth e Geoffrey Rush foi maravilhosa, mas isso não torna esse filme bom. Achei tão superficial, sei lá, não "empolga". Meu marido dormiu na metade do filme e creio que eu deveria ter feito o mesmo!

Valéria Fernandes disse...

Junto com O Cisne Negro foi o melhor dos que assiti desses indicados. Minha resenha do filme aliás, aponta para isso: http://bit.ly/hZsb8n O filme não foi superficial no tratamento das personagens, só deixou um pouco a desejar em questões históricas. Mas foi pouco. Se antissemita nos anos 40 era quase regra.

M. Ulisses Adirt disse...

Tenho de dizer q, mesmo tendo me divertido no cinema (e mesmo tendo o Colin Firth), foi um pouco difícil simpatizar com o drama pessoal do rei ao mesmo tempo que o filme esquecia que um monte de gente deveria estar em drama pessoal por ter de ir lutar na guerra.