Como já falei em várias ocasiões, sou anti-monarquista ao extremo, e conside
ro realezas símbolos inúteis e vestígios da Idade Média. Por isso, e mais exatamente desde A Última Loucura do Rei George, que odiei com todas as minhas forças, evito ao máximo ver filmes sobre reis e rainhas. Ultimamente, depois de gostar de algumas produções como A Rainha, A Duquesa (pra mim é tudo a mesma droga), e A Outra, essa resolução tem balançado tanto quanto aquela outra, de nunca mais ver comédia romântica com casamento no título. Mas não fui cheia de entusiasmo ver O Discurso do Rei. Falo na bucha: fui pelo Colin Firth, que é meu rei particular, pessoal e intransferível. Fui pelo Oscar.
Ninguém no seu juízo perfeito podia imaginar que um filme simples, sem grandes complexid
ades como Discurso do Rei, seria indicado a doze estatuetas. E só deus sabe quantas ganhará. Até poucas semanas, A Rede Social parecia ser o favorito. Agora o momento é de Discurso. Pelo memos um prêmio é certo: o de melhor ator para Colin. Ele deveria ter vencido no ano passado, por Direito de Amar (A Single Man), mas acharam que era a
vez de congratular o Jeff Bridges. Desta vez será surpreendente se Colin não ganhar. Ele está perfeito, e é ele que torna o personagem menos maçante. Pra quem acha que ele é apenas um rostinho lindo ou um ídolo de comédias românticas, bom, talvez só um pedacinho de Direito de Amar (quando recebe a notícia que seu parceiro morreu num acidente, e a família não quer convidá-lo pro velório porque, né, casais gays não formam uma família) seja suficiente pra provar que ele é espetacular.
Se bem que pra mim quem brilha mesmo em Discurso é o Geoffrey Rush. Pelo menos ele é disparado o personagem que mais me agradou. Ele interpreta o fonoaudiólogo que ajuda o rei (quando ainda é apenas príncipe) a curar sua gagueira. O que gostei é que ele desobedece tudo que é ord
enado a fazer. Não tá nem aí em fazer perguntas pessoais pra sua majestade, em tratá-lo pelo apelido, em sentar no seu trono... Seria como eu trataria alguém da realeza se chegasse perto de alguém de sangue real (o que não faço a menor questão que aconteça). Num ano qualquer, Geoffrey colecionaria mais uma estatueta para adornar sua lareira (ele já tem uma por Shine - Brilhante). Este ano, a essa altura, Christian Bale já deve ter memorizado seu discurso.
Não sobra muito pra Helena Bonham Carter fazer, já que o verdadeiro par romântico da história não é entre ela e seu rei. Mas ela tá bem, como sempre, por mais que sua personagem não aja, só reaja (ao marido). Ela dá uma face terna a um filme feito pra todo mundo gostar daquele rei e seus herdeiros (a atual rainha é filha dele, Charles é seu neto, e aquele um que vai casar, seu bisneto).
Só que pra dar uma face humana ao rei George VI foi preciso limpar um pouquinho a história, jogando pra escanteio qualquer suspeita maligna. Na vida real, esse rei foi simpatizante do nazismo. Seu irmão mais velho, que foi rei por uns meses antes dele, era tão
amiguinho de Hitler que decidiu passar sua lua de mel em Munique, com direito a elogios pro ditador. Já George apoiou o ministro de Relações Exteriores que, pouco antes da guerra, barrou judeus que fugiram da Alemanha e tentaram imigrar para a Palestina. No filme há um ou dois momentos em que George ouve um discurso de Hitler e fica embevecido, mas a trama faz crer que ele idolatra a oratória do pintor frustrado, e não sua mensagem.
Como convém esquecê-lo, Hitler aqui não tem vez. Se na obra-prima do Tarantino o nazista era um caricato histriônico, em Discurso o exagero fica por conta de Churchill, feito por Timothy Spall (um
dos vilões repulsivos de Sweeney Todd). Sua interpretação destoa um pouco da sobriedade da história. E eu nem reparei que o Guy Pearce (Amnésia, Máquina do Tempo) tava no filme (ele faz o irmão menos esperto de George).
Apesar desta crônica estar mal-humorada e dando a entender que não gostei de Discurso, é só impressão sua. Na hora, amei o filme levinho sobre superação. Só depois é que fiquei um tantinho envergonhada por ter adorado uma produção tão bobinha e desnecessária, ainda
mais num ano em que concorre com filmes mais socialmente responsáveis (Inverno da Alma), cheios de possíveis interpretações (Cisne Negro e A Origem), ou moralmente dúbios (Rede Social). Tenho a impressão que quem detestou o filme (uma legião que parece aumentar com a proximidade do Oscar) não o detestou durante a sessão, só depois. Porque durante, convenhamos, ele é docinho e fácil de gostar. E já falei que tem o Colin Firth?
Em A História do Mundo – Parte 1 Mel Brooks tinha um esquete meio grosseiro em que ele repetia “It's good to be the king”. Eu discordo. Acho que deve ser bem chato ser rei, rainha, príncipe, princesa, essas bossas. Aposto que é bem melhor ser simplesmen
te rico, sem responsabilidade nenhuma. O pessoal de coroa precisa participar de inúmeros eventos sociais e de caridade. Imagina o saco que é ter de ser formal o tempo todo, com um monte de gente falsa e pomposa avaliando a sua postura igualmente falsa e pomposa pra qualquer assunto, e tendo que se prender a aberrações do passado (chamadas de “tradição), como caçar lindas raposas indefesas. Qualquer rei deve se sentir com 500 anos de idade, mesmo quando tem 15. Até o Colin parece mais velho em Discurso, não acha?

Ninguém no seu juízo perfeito podia imaginar que um filme simples, sem grandes complexid





Não sobra muito pra Helena Bonham Carter fazer, já que o verdadeiro par romântico da história não é entre ela e seu rei. Mas ela tá bem, como sempre, por mais que sua personagem não aja, só reaja (ao marido). Ela dá uma face terna a um filme feito pra todo mundo gostar daquele rei e seus herdeiros (a atual rainha é filha dele, Charles é seu neto, e aquele um que vai casar, seu bisneto).


Como convém esquecê-lo, Hitler aqui não tem vez. Se na obra-prima do Tarantino o nazista era um caricato histriônico, em Discurso o exagero fica por conta de Churchill, feito por Timothy Spall (um

Apesar desta crônica estar mal-humorada e dando a entender que não gostei de Discurso, é só impressão sua. Na hora, amei o filme levinho sobre superação. Só depois é que fiquei um tantinho envergonhada por ter adorado uma produção tão bobinha e desnecessária, ainda


