quinta-feira, 6 de novembro de 2008

“MEU PRESIDENTE É NEGRO”

Esta é uma semana em que eu adoraria estar de volta aos EUA, comemorando a vitória do Obama, porque sei que o clima lá deve ser de grande alegria. Em junho, fui ao primeiro comício que o Obama realizou em Michigan durante esta longa campanha, e o clima de esperança já era contagiante, mesmo numa cidade como Detroit, que vem sofrendo uma feroz crise econômica há décadas (quando as montadoras automobilísticas partiram pra países em desenvolvimento para poderem lucrar mais). Em setembro, um mês depois de eu voltar pro Brasil, ele realizou um comício ainda maior a três quarteirões de onde eu morava. Deve ter sido o máximo.
Quase 85% da população de Detroit é negra. E, como as estatísticas apontam que 95% dos negros americanos votaram no Obama, é só fazer as contas pra calcular o nível de euforia. Martin Luther King foi assassinado há quarenta anos. Nos anos 70 houve algumas revoltas, mas é difícil saber se a situação pros negros melhorou. Claro, meio século atrás seria impensável que americanos brancos elegessem um presidente negro. Mas é quando acontece uma tragédia como o Katrina em Nova Orleans (outra cidade com imensa maioria negra) que a gente vê como a discriminação racial ainda existe nos EUA. E em muitos casos ela é como a nossa no Brasil: bem econômica (mas menos cordial). Basta ver como os negros americanos, que representam apenas 13% da população, ganham muito menos que os brancos, têm menos acesso à saúde e à educação, e lotam as cadeias numa proporção muito maior. O sucesso do Obama, infelizmente, não é a regra. É uma exceção mesmo. Só espero que seja o primeiro de vários casos.
Outro dia conversei com uma brasileira que morou no sul dos EUA e disse que estava torcendo pelo republicano McCain porque os negros de lá haviam sido preconceituosos com ela, branca. Tentei me lembrar de algum momento do meu “ano americano” em que os negros não me trataram bem. Não consegui. O que me lembro é de homens negros que respeitosamente me diziam “Good morning”, ou de grupos que adoravam conversar nos ônibus, e não tinham o menor problema em integrar quem quer que fosse nos papos. Lógico que, de modo geral, os homens eram mais simpáticos e amigáveis que as mulheres. E lógico que ajuda se você também é simpática e brasileira, já que todo mundo, em qualquer lugar do planeta, abre um sorriso pra brasileiro. Lembro também de conversar com homens negros que estavam cansados do way of life americano e sonhavam em se mudar pra Costa Rica ou Brasil. Será que ainda pensam assim agora?
Gosto do Obama por vários motivos, e apenas um tem a ver com a cor da sua pele. A celebração mundial pela sua vitória é porque ela significa o fim de um governo hediondo como o do Bush, e também por representar mudança e alternância de poder. Mas penso que ninguém tem tantos motivos pra comemorar como os negros americanos. A eleição de Obama é um sinal, pela primeira vez em tantas décadas, que “yes we can” (sim, nós podemos, slogan da campanha). Acho que a gente nem precisa ser negra pra entender o êxtase de jovens negros gritando “Meu presidente é negro!”. Parabéns, negros americanos. Vocês são poucos, mas podem voar. Tomara.

17 comentários:

Anônimo disse...

Lola, eu moro em Londres ha dois anos e ja senti sim preconceito de negros por ser branca. Eh a minoria, mas acontece. Me parece um certo revanchismo, uma certa vinganca.
Tambem existem negros que fazem m... e quando alguem reclama dizem que eh por racismo (enquanto outros negros sensatos olham morrendo de vergonha...)
Esse tipo de atitude so ajuda a polarizar a situacao, e eu tenho muito medo de disso.
Aqui em Londres existe polarizacao de classe, de jeito de se vestir, de jeito de falar. Todo mundo exagerando o seu jeito para ficar bem diferente dos "outros" (independente de raca). Eh complicado.
Sobre o Obama, ele tentou se colocar acima da discussao de raca, em vez de usar isso como uma bandeira (o que, obvio, iria espantar os brancos). Tomara que ele consiga transcender a questao racial (como naquele poster, "let the issues be the issue")

Babs disse...

Lola, penso que o fato do Obama ter ganhado a eleição já é por si só uma mudança de paradigma. O presidente negro não é presidente apenas dos negros, mas dos brancos, asiáticos, latinos. E, queira ou não, os "Klu Klux Klan" da vida terão que admitir que o presidente do país deles é negro, e ponto. E isso por si só já revolucionário.
Mas revolucionário também seria uma mulher chegar lá. Porque a mulher tem esse paradoxo, muitas vezes chega até maioria populacional, mas representativamente é bem minoria ainda.

Em relação à negros com preconceito, isso me deixa estarrecida tanto quanto um gay racista. Não dá para entender como alguém que já sofre um tipo de preconceito não conseguir perceber que o preconceito em si já é estúpido.

Babs disse...

Em relação aos chocolates... Lola, não seja má comigo heim? Seu nome já ta na lista do papai noel daqui de casa...

André Gonçalves disse...

a gente agora só pode esperar, torcer e, de alguma maneira que não sei bem qual é, "ajudar" a opinião pública americana a cobrar as mudanças.
acho que o obama é uma bandeira que anda. nem precisaria "trabahar" todo dia. só viajar o mundo e dizer quem é. já estava de bom tamanho.

Anônimo disse...

Concordo com o texto todo.

Mas, olha, estou irritadíssima com a cobertura da nossa imprensa sobre isso (rs, novidade!). Ontem foi uma overdose de Obama aqui na redação. Trabalhamos todos feito loucos. A gente tem de ficar com TV e rádio sempre ligados, para ver algum plantão e tal. Então, dá para ver como os diferentes veículos tratam a mesma coisa. E todos, TODOS, sem exceção, ficam batendo na tecla da cor dele. Como se este fosse o único atributo do Obama. Já ouvi umas mil vezes que os americanos "superaram o preconceito". Peraí, menos, né?! É desse tipo de exagero que a gente não precisa. Quando a gente pensa que já superou o racismo, o machismo e todos os outros `ismos` que atrasam a vida de todo mundo, aí é que a coisa complica mais.

E aí eu fico revoltad aqui, rs. Ora, as pessoas não elegeram só porque ele é negro. Elas o elegeram principalmente por suas propostas e pelo anseio de consertar as cagadas do governo Bush. O fato de Obama ser negro é meio que uma "roupagem" que representa todas as outras mudanças que ele promete fazer na política americana (se vai mesmo fazer, são outros 500. Temos de esperar).

Mas teve uns comentários absurdos... No Bom dia Brasil, o cara falou algo mais ou menos assim (não lembro a frase exata): "ele é negro, com cara de pobre, mas é estudado. Não é como o nosso predidente". William Bonner teve a infâmia de terminar o jornal nacional com o trocadilho: "A casa é branca, mas os moradores vão ser negros". Enfim, lamentável.

Mas continuo meio desconfiada. Quando a esmola é demais, o santo tem de desconfiar. Parece bom demais pra ser verdade. Ficaria decepcionada, mas não me surpreenderia se o Obama se revelasse mais conservador do que parece e, na prática, não representasse uma mudança política significativa.

Ju Ribeiro disse...

lolinha,

meu ódio pelo bruno barreto é um pouco antigo. chega a ser ódio gratuito, não sei explicar. eu o acho um filhinho de papai (se conhece os pais dele, sabe do que estou falando) sem talento, é o típico caso de Q.I. ("que indica").
depois então de ter visto 174, meu ódio aumentou. nem é por se tratar de filme nacional (eu to louca pra ver "orquestra dos meninos"), é que algumas falas chegam a ser constrangedoras de tão ruins, as atuações são teatrais demais. a única coisa que curti foram as locações (oi? adoro o centro do rio).
não acho que seja um filme que merece concorrer ao oscar. não é ousado como "cidade de deus", é melodramático como "olga"....eu diria que parece especial de fim de ano da rede globo.

lola aronovich disse...

Baxt, algumas moças brasileiras (brancas) que foram estudar em Detroit também reclamaram de americanas negras que olhavam feio pra elas. É que a segregação racial ainda é grande nos EUA, e é algo que a gente não vê no Brasil. É uma velha discussão inclusive entre os movimentos negros: eles querem se integrar com os brancos, ou querem “apenas” o fim da discrimanção racial (separate but equal)? E muitos negros americanos não querem se integrar. Assim como muitos brancos não querem integração nenhuma. Eu vivo ouvindo: “Não sou racista, mas eu jamais namoraria um negro”. E há várias negras que jamais namorariam um branco. Mas isso não quer dizer que tratem mal os brancos.
Sim, é verdade. O Obama mal falou de racismo durante sua longa campanha. Acho que foi inteligente, porque esse continua sendo um assunto espinhoso nos EUA. Mas pra quem é negro nos EUA o fato do Obama ser negro é motivo de orgulho. Com razão.

lola aronovich disse...

Babs, claro. Ele é negro, membro de uma minoria nos EUA, mas não vai governar apenas pra minoria, mas pra todos. Se bem que eu acho que um governo - qualquer governo - tenha que dar mais atenção a quem mais precisa, os pobres, e muitos pobres são negros. Também acho que seria revolucionário uma mulher chegar lá. Vamos ver se pelo menos no Brasil chega.
Quanto aos chocolates, sei que suas intenções são boas, mas não deixe tudo pra última hora. Contrate já o comboio de caminhões que trarão o chocolate pra cá!


André, vamos ver se, na prática, ele consegue ser totalmente diferente dos republicanos (como é no discurso). Torço muito que sim.

lola aronovich disse...

Marjorie, concordo com o que vc diz. Eu estava aqui escrevendo um artigo imenso pro jornal (pediram pra eu escrever este imenso e mais dois! Pensei que não teria assunto, mas... Parece que eu não me conheço!). Já tava quase no fim quando notei que nem entrei na questão racial. Mas nesses dois primeiros artiguinhos que escrevi (que estão no blog) eu falei disso. Mas realmente, o Obama tem muitas qualidades, e é diferente da turma do Bush em muuuuitas coisas. Ser negro é só uma dessas qualidades (pra mim é qualidade. Negros têm uma cor muito mais bonita que a minha), dessas coisas. E é lógico que isso de “superação de preconceitos” é um discurso enganoso. Muita gente votou no Obama APESAR d'ele ser negro. A gente torce para que sua vitória signifique a diminuição da segregação racial nos EUA. Racismo não é algo que some rápido.
Ai, que ódio desse comentário no Bom Dia Brasil. Acho que domingo vou colocar no blog esse artigo longo que acabei de escrever, onde menciono um comentário do Jornal Hoje, algo do gênero: “Ai, que lindo e raro ver gente se emocionando, acreditando em políticos, comemorando”. É, é raríssimo. Aqui no Brasil ninguém comemorou ou chorou quando o Lula foi eleito pela primeira vez... Aqui em Joinville ninguém comemorou a vitória do PT... Sei.

lola aronovich disse...

Ju R, bom, sei que muita gente tem birra com o Bruno Barreto. Eu não tenho nada contra. Claro qua a vida de cineasta dele é muito mais fácil pelo pai ser quem é, mas isso não desqualifica os filmes que faz, né? E sei que muita gente tá revoltada por 174 ter sido escolhido pra representar o Brasil no Oscar. Realmente, não tem a menor chance de ser indicado. Mas eu não achei um mau filme, não. Tô com preguiça de escrever sobre ele. Será que escrevo?

Tina Lopes disse...

Eu repito uma que ouvi no Jornal Nacional e botei lá no meu bloguitcho: "Aqui nos EUA os brasileiros são classificados como latinos". Tem como ser mais alienado do que isso? Alienado, pra ser generosa com o colega, claro.

Anônimo disse...

A América conseguiu eleger o seu primeiro presidente negro. Não acho que isso teria acontecido na França, Inglaterra ou Portugal, ou Alemanha. (Países muito racistas). Embora a Europa já tenho eleito mulheres para muitos cargos importantes. Mas os negros europeus são em grande maioria imigrantes. Não são Afro-Europeus. E não sei mas, acho que isso é o que gera muita xenofobia...o choque de culturas. A polarização como disse o baxt.

Pessoas que debocham de tudo o que é pobre são snobs. Tão detestaveis quanto pessoas que querem ser o que não são.

Anônimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Achei um absurdo uma brasileira falar que estava torcendo pro Obama pq sofreu preconceito racial de negros. Eu nuca senti nao (ta certo que onde moro nao ajuda muito pq aqui todo mundo eh branquelo). Mas sera que a crise economica, o conservadorismo do McCain, a guerra no Iraque sao coisas tao insignificantes perto do tal preconceito que ela sentiu que ela jogou tudo isso por agua abaixo pra torcer pelo McCain??? Ainda bem que soh torcdida nao elege ninguem :)))

Se bem que do jeito que eu torci aqui, capaz de eu ter dado uma ajudinha sim :))) Achoq ue nunca fiquei tao contente com um resultado de eleicao no Brasil. Aqui to me sentindo do mesmo jeito qdo o Brasil ganhou a copa de 94!!!!

S. disse...

Eu tenho que confessar que pra mim o ponto alto dessa eleicao americana foi o McCain nao ter ganhado. Tudo bem que o Obama e' otimo no discurso, e' bonitao coisa e tal, mas prefiro esperar pra ver o que ele vai fazer de fato com o governo dele. Mas eu penso assim em qualquer eleicao, so' me animo depois que a pessoa esta' efetivamente governando como prometeu.

lola aronovich disse...

Oi, Tininha! Não entendi quem vc tá chamando de alienado: americano por chamar brasileiro de latino ou o Jornal Nacional por falar isso? Bom, lá nos States somos todos cucarachas, sim. Brasileiro é tudo latino, hispânico, considerado non-white. É muito estranho um branquelo como o maridão ser considerado non-white. Mas como querer que americano diferencie o único país que não fala espanhol lá num continente tão distante como a América Latina? É pedir demais!


Cavaca, é verdade, países europeus não têm uma população negra de várias gerações como os EUA. Não sei qual a porcentagem de negros na União Européia, mas não deve ser de 13% como é nos EUA. Mas em termos de mulheres em cargos de comando a UE tá beeeeem na frente dos EUA.
Esses esnobes são detestáveis. A gente tem que ser esnobes com eles e torcer o nariz também.

lola aronovich disse...

Esse racismo ao contrário que as pessoas dizem me incomoda também, Ana. São pessoas que não entendem direito como funciona o racismo. Daí acham que um negro usar uma camisa escrito “100% negro” equivale ao mesmo que um branco usar uma camisa escrito “100% branco”. Lógico, Ana, o fato do Obama ser negro é apenas uma vantagem a mais. O principal é que o Bush e os republicanos estão fora! Bom, eu fico muito feliz com vários resultados políticos aqui no Brasil. Mais ainda que fico com o Obama! E muito mais que em copa do mundo!


Cereja, concordo que o principal foi o McCain ter perdido. Mas ajuda que quem tenha vencido foi alguém tão diferente dele. O contraste é evidente, e não é só em termos de cor. É de idade, de postura, e inclusive de visão política. Vamos ver o que o Obama consegue fazer no meio dessa crise incrível que taí.