segunda-feira, 30 de novembro de 2009

ESTA SENHORA SÉRIA CHEGA À SENIORIDADE

Minha fofa leitorinha Barbara reclamou do tratamento que fiz a mim mesma num post em que disse “esta senhora séria que vos fala”: “Lolinha, você não é senhora. Não é velha, como já vi você falando. Não que tenha algum problema em ser velho, mas não te considero assim, e precisava comentar...”.
Mas, evidentemente, o que a Barb sabe?! Ela tem vinte anos! (Eu fico pensando se ageism, preconceito contra velhos, também se aplica a preconceito contra jovens. E aí? Sim? Não? Talvez? E alguém me refresca essa cuca senil e me diga o termo em português pra ageism, por favor?).
Vocês lembram quando tinham quinze anos (a Barb lembra, decerto! Foi ontem!) e imaginavam que, quando chegassem aos dezoito, a vida mudaria radicalmente? Dezoito era hiper adulto, independente, praticamente casado, vivendo na sua casa própria (sem os pais, lógico), com um emprego garantido e ganhando os tubos, enquanto cursava a faculdade só como hobby intelectual. Aí você chega aos dezoito e vê que pouquíssima coisa muda. Foi umas das minhas primeiras desilusões.
Voltando, o “esta senhora séria” é praticamente um inside joke (como se traduz isso? Piada particular? Piada pessoal? Piada íntima? Essa que você faz e apenas amigos mais próximos entendem). Só que é um inside joke entre mim e a Lolinha de vinte e poucos anos atrás. Eu fazia estágio (remunerado!) como redatora numa agência de propaganda. E uma das minhas colegas preferidas era uma mulher algumas décadas mais velha e muito, muito divertida. A gente ria um monte juntas, e às vezes até trocava bilhetes. Ela assinava “Esta senhora séria”, uma frase que sempre amei, não só pela aliteração (o som sss que soa como uma serpente), mas pela ironia. Uma senhora realmente séria dificilmente assinaria dessa forma. E o que seria, afinal, uma senhora séria? Uma que não ri ou algo relacionado (como tudo na existência feminina) a nossa vida sexual?
Mas vamos falar do substantivo, senhora. Eu detesto e tenho vontade de pular no pescoço da pessoa que me chama de senhora. Porque esse tratamento deixa bem claro que eu já estou mais pra lá do que pra cá. Eu me recordo de uma vez em que eu, adolescente, fui pedir as horas prum hum, senhor na praia. Eu perguntei: “O senhor pode me dizer as horas?” (tão formal; eu sempre fui educada). E ele respondeu: “O senhor está no céu; são dez horas”. E dali em diante preferi chamar todo mundo de você. Mas se você chamar a minha mãe de você, e não de senhora, ela pula no seu pescoço e automaticamente assume que você não tem respeito pelos mais velhos. Eu já conversei com ela sobre isso, mas ela é irredutível. É que ela tem um lado formal forte. Já cansei de ouvi-la atender o telefone e dizer “Só um minuto que vou chamar a Senhora Lola”. Eu morro de vergonha.
Vocês perceberam que tá difícil manter um pensamento linear hoje. Mas, continuando, só pra que o pessoal generoso que aparece pra dizer que aprende tanto comigo não se arrependa demais, é tudo uma questão de perspectiva. Assim como pra um adolescente de 15 um de 18 parece O Adulto, pra quem tem 18 alguém de 40 ou 50 deve parecer O Velho. E lógico que existem diferenças consideráveis se a gente estiver falando de homens ou mulheres. Homem mais velho é charmoso, sábio, experiente. Mulher mais velha é... velha. Isso porque ainda vivemos numa sociedade em que mulher é vista pra cumprir duas funções, decorar e reproduzir. Como, após os 40, a mulher já está fora do padrão de beleza aceitável (que é de uma jovem ― vide as top models de 14 anos), e como fica mais perigoso parir, ela perde seu valor. E isso a gente vê na TV direto. Sabe aquele padrão de apresentador de TV grisalho, enrugado, acompanhado sempre por uma jovem deslumbrante? Isso se repete nos noticiários de TV. O William Bonner vai poder apresentar o Jornal Nacional até de bengala, mas a Fátima Bernardes, só enquanto aparentar ter seus 30 e poucos anos.
Mas nem era sobre isso que eu ia falar. Lembram quando escrevi sobre um comercial de moto em que um carinha esfregava os olhos e trocava as coisas ruins por coisas desejáveis, e uma das “coisas” era uma vizinha? A vizinha original, pré-troca, era uma senhora, não sei se quantos anos, 55? 60? Mas teve gente que a descreveu como idosa. E dá pra chamar uma pessoa de 50 anos de idosa? Ah, dá! Depende da perspectiva. Semana passada saiu na página inicial do Globo online uma manchete, “Idosas presas por furto em shopping”. Aí a gente clica e vai pra matéria e lá nota que elas foram promovidas a “senhoras”. Não eram idosas? Não, as acusadas têm 49 e 50 anos.
Mesmo que quem costuma furtar em shoppings e supermercados sejam pessoas bem mais jovens, não sei se seria notícia dar uma manchete como “Senhoras são pegas furtando”. Talvez seja. Já falei de um episódio da minha série de TV favorita, A Sete Palmos? A grande Kathy Bates faz uma ponta como amiga maluquinha de uma senhora reprimida, a grande Frances Conroy. Ambas têm seus 55 anos, por aí. E Kathy, pra descontrair, sugere que as duas furtem algumas coisinhas numa loja. Elas não serão descobertas, porque, segundo Kathy, após uma certa idade, as mulheres se tornam invisíveis. Elas deixam de ter valor e as pessoas deixam de reparar nelas. Claro que há vantagens nessa “invisibilidade”, e não estamos falando apenas de uma promissora carreira criminal. Se ninguém mais vai “avaliar o material”, dá pra parar de ter neura em emagrecer e se produzir. Adeus, pressão social! Ok, tá certo que a própria “não-avaliação” é uma avaliação, sem dúvida. Mas se a gente já tá fora do mercado, carta fora do baralho, não dá pra parar de se preocupar e viver a vida? Eu senti essa diminuição de pressão precocemente, com 40 anos (agora tenho 42), provavelmente por ser gorda. Eu poderia sentar no meio fio e chorar que o meu poder de sedução se esvaiu. Poderia entrar em crise de meia idade. Poderia correr atrás de lipos e plásticas e tentar prolongar meu poder por mais tempo. Mas, juro, eu me sinto livre. Por mais que volta e meia surjam uns patrulhadores babacas pra dizer que eu não sou livre, que na real eu sou gorda e velha, logo, sujeita ao julgamento deles, eu realmente estou aprendendo a dar de ombros. Agora posso me dedicar integralmente a ser admirada por qualidades não referentes a minha aparência física. Uau, posso praticamente ser homem!
E mal posso esperar pra chegar a minha fase idosa de verdade, quando esta senhora séria finalmente deixará de tingir os cabelos.
Este post tá todo confuso, eu sei. É que fui só escrevendo, sem saber aonde queria chegar. Mas lógico que nenhuma mulher precisa esperar ser chamada de senhora pra aprender a se lixar para as avaliações constantes que recebe acerca de sua aparência física. Lixe-se já.

domingo, 29 de novembro de 2009

RECONHECIMENTO PELA GRAÇA RECEBIDA

Mais diálogos entre o maridão e esta senhora séria que vos fala.

Eu: “Não vou limpar a casa porque me cansei de enganar as visitas. Imagina se elas veem a casa limpinha e pensam que aqui é sempre assim?”
Ele: “Fica tranquila...”

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Eu: “Se tem um fator que me fez ficar com você esse tempo todo é o...”
Ele: “Meu dinheiro”.
Eu: “Não, paspalho. O seu senso de humor”.
Ele: “Ah”.
Eu: “Mas você também tem que reconhecer algumas coisas em mim”.
Ele: “Reconheço”.
Eu: “O quê, por exemplo?”
Ele: “Reconheço, ahn, hum... Seus olhos!”
Eu: “Não vou nem perguntar que cor eles são.”
Ele: “São verdes!”
Eu: “Tá, mas o que mais você reconhece em mim?”
Ele: “Acertei, não acertei?”
Eu: “Sim, meu anjo. Que mais você reconhece em mim?”
Ele: “Tem uma blusa...”

LOLINHA, VOCÊ E A FOLHA SÃO GÊMEAS SEPARADAS AO NASCER

No último post, recebi dois comentários bem, digamos, equivocados:
Toda a mídia, assim como toda pesquisa, todo documentário, enfim, toda a informação que você lê (a não ser que venha de uma fonte primária) terá o interesse de alguém em jogo. Todos os posts que você escreve no seu blog você puxa mais para a esquerda, para o PT, para como o governo Lula é maravilhoso e tudo mais. Não adianta você ficar tentando correr atrás de uma utopia de "jornalismo ético e justo", quando nem nas coisas que você escreve você é imparcial [...]” (Leandro).
Lola, não é por nada não, adoro o seu blog, acho vc super inteligente e tals mas... está ficando meio ridículo toda essa sua defesa ferrenha ao governo. Eu concordo com o Leandro. Como que vc quer matérias imparciais se vc é uma pessoa que jamais escreve com imparcialidade sobre o governo. Na época do mensalão, vc chegou a escrever algo sobre? Poxa, essa sua defesa está beirando o fanatismo partidário. Vc está sempre citando matérias e se revoltando de uma forma extrema, onde falam mal do governo ou de algo que está ruim no Brasil; mas e as matérias onde enchem a bola do governo, que pendem bem mais pro Lula vc não diz nada. Imagino que deva achar que é mais do que a obrigação. [...]” (Luciana).

Leandro e Luciana, com todo respeito, vocês estão sendo redundantes. Eu sempre digo que não creio em imparcialidade. Aliás, já escrevi sobre isso em abril do ano passado, num post ironicamente chamado “Ah, eu também sou neutra e imparcial”, em que dizia que a grande mídia seria mais honesta se declarasse abertamente o seu apoio a tal e tal candidato, ao invés de arrotar imparcialidade. É óbvio que não existe texto/discurso não ideológico. Tudo que falamos e fazemos revela quem somos, e defende os nossos interesses. A frase que incluí no post anterior (“sempre precisamos pensar nos interesses por trás das notícias”) é boba de tão óbvia, mas veio logo depois de outra que falava que esse novo “escândalo” sobre a tentativa de estupro do Lula pode ter sido produzido pra encobrir um outro escândalo, que não interessa à mídia. Quando há um excesso de cobertura a um assunto, geralmente há pouco ou nenhum destaque dado a um outro. Vocês lembram quando o Jornal Nacional dedicou quase uma edição inteira do noticiário ao nascimento da filha da Xuxa? Isso não foi feito por acaso. Foi feito pra não ter que falar sobre a privatização das teles, que ocorreria no dia seguinte. E existem mil exemplos assim.
Vocês estão confundindo as coisas. No meu blog, e na coluna que tenho no segundo maior jornal de SC, eu só dou a minha opinião. Vou dar a opinião de quem, se sou eu que estou escrevendo? Até cito outras opiniões, mas para comentá-las (como estou fazendo com a de vocês). Um colunista de jornal e um blogueiro trabalham com isso, com dar opinião. Ninguém lê este bloguinho que vos fala pra saber das últimas notícias do dia no Brasil e no mundo. Lê pra saber a minha opinião, e a do pessoal que comenta no “Fala gente fala”.
Um colunista de jornal é diferente de um jornalista, e se assemelha mais a um blogueiro (sem considerar o salário). Um jornalista, quando está relatando alguma coisa, deve tentar ser o mais objetivo possível. Nem sempre dá. Agora, um jornalista também é diferente de um jornal. Um jornal é uma empresa com várias pessoas. Aqui no blog sou só eu e... Ah, vocês são inteligentes. Não preciso explicar coisas tão evidentes, né? Um jornal sempre tem uma linha editorial, muitas vezes revelada diretamente nos seus editoriais. É a opinião do jornal, mas lógico que dá pra ver a opinião do jornal em cada detalhe — nas fotos escolhidas (sempre mostrando Lula ou Dilma em pose “ruim”), nas manchetes, nas entrelinhas, no fato de dar ou não destaque para uma determinada notícia. Tudo isso é ideológico, mas muitos leigos, que nunca estudaram Comunicação, pensam que uma visão só é expressa quando o autor começa uma frase com “Minha opinião sobre o assunto é...”. Nossa opinião está em todo lugar. A opinião da Veja está na capa.
A mídia no Brasil é praticamente inteirinha de direita. Defende os interesses dos patrões dos jornais, da elite, não os meus e, perdão por revelar isso, não os de vocês. A mídia daqui é igualzinha a de outros países em desenvolvimento. Se vocês estudassem como se comporta a mídia na Venezuela ou na Bolívia (países pobres que, até pouco tempo atrás, sempre elegeram os candidatos da mídia), entenderiam melhor como age a mídia daqui. E praticamente todos os colunistas seguem a linha editorial do jornal, senão não seriam contratados pra escrever no jornal. Seria formidável se jornais tivessem colunistas com visões diferentes. Seria um bom espaço pra debates, mas não é isso que ocorre. Eu talvez ainda seria leitora de jornais impressos, e não ex-leitora, se eles tivessem o mínimo de pluralidade. Não têm: pluralidade eu encontro na blogosfera. Gostaria também que eles fossem mais transparentes. E que não descessem o nível.
Este blog, vocês devem ter percebido, não é um jornal. Não tenho a infra-estrutura, o capital, o know how, ou a intenção de noticiar tudo (sem falar que este blog não existia na época do mensalão, Luciana). Quem decide a pauta do blog sou eu. Aceito sugestões, lógico. Volta e meia leitoras sugerem um tópico e eu escrevo sobre ele. Mas se eu não tiver vontade de escrever sobre aquilo, ou se eu sentir que não tenho nada pra acrescentar, ou se eu estiver sem tempo, não vou escrever. Também publico guest posts, com visões e vivências diferentes das minhas. Quando tem guest post (geralmente às quintas), digo diretamente que o texto foi escrito por outra pessoa. Nos outros posts, minha opinião está clara pra todo mundo (que não tenha grandes dificuldades em entender ironia). Eu vivo repetindo que sou de esquerda, que sou feminista, que sou pró-minorias, etc etc, e isso está refletido em todos os meus textos, inclusive nas minhas crônicas de cinema. Às vezes aparece alguém exigindo que eu deixe de ser o que sou, que deixe de escrever sobre o que me interessa. É o que vocês estão fazendo agora. Mas é um pedido bastante inócuo, entendem? Se eu parar de escrever sobre o que me interessa, o blog deixa de existir. Mas nunca pedi que esta seja a única fonte de leitura de vocês. Acho que todo mundo deve ler textos que contenham outras opiniões. E sempre ler tudo com pensamento crítico, comparar informações, pesar valores, para que possamos formular ou sustentar nossas opiniões sem grandes contradições.
E Luciana, tenho a impressão que você não lê jornais. Pelo menos, não os brasileiros. Quais são essas notícias que “enchem a bola do governo”, se até uma notícia que parecia positiva (como a alta no consumo) recebe manchete negativa? Gente, isso não é bem uma opinião, é um fato: enquanto a imprensa internacional está falando bem do Brasil o tempo inteiro, a mídia nacional fala como se estívessemos numa grande crise. E podem ter certeza que, se estívessemos na mesma situação de agora, mas governados por um partido que eles aprovam, a mídia estaria soltando rojões todos os dias. A grande mídia sempre fez campanha para partidos não de esquerda. Talvez não tanto quanto a extrema direita gostaria que fizesse... E a grande mídia tem o direito de apoiar quem quiser. Só seria mais honesto se apontasse seus apoios. Eu, que não sou grande nem mídia nem nada, digo claramente: fiz campanha pro Lula em 1989 e 94 (eu ainda não votava na época porque não tinha cidadania brasileira), votei nele em 98, 2002, e 2006, e votarei na Dilma no ano que vem. Sempre votei na esquerda. A única vez na vida em que apoiei um candidato de direita foi em 85, no FHC pra prefeito de SP, quando ele ainda não era de direita e só existia um turno.
Porém, mais do que falar do governo, meu interesse é falar da mídia. Se vocês repararem nos meus posts “políticos” (porque tudo é político; feminismo é político, falar de casamento gay é político), verão que raramente o enfoque do post é o governo. É o que a mídia diz do governo. Há uma diferença.
E realmente não consigo acreditar que vocês não achem uma “notícia” como a da Folha um golpe abaixo da cintura.

sábado, 28 de novembro de 2009

O CHEIRO RUIM QUE EXALA DA MÍDIA

Ah, gente, eu não ia escrever nada sobre o último ataque da grande mídia ao Lula, mas, como estou vendo essa história ser reproduzida nos blogs de direita como se fosse uma verdade incontestável (o que é uma tática nazista, repetir uma mentira até que ela se torne verdade), vou tratar disso só um tiquinho. Vocês sabem do que estou falando, né? Ontem li enojada um artigo de Cesar Benjamin, ex-militante de esquerda que ajudou a fundar o PT, que saiu do partido em 1995, e foi candidato a vice da Heloísa Helena em 2006. Ele relata como, num almoço em 1994, Lula contou que, quando esteve preso pelo regime militar, em 1979, teria tentado “subjugar” um “menino do MEP” (Movimento de Emancipação do Proletariado), mas o rapaz não deixou. Quer dizer, segundo Cesar, Lula disse que não aguentaria anos na cadeia, porque não vive sem b*ceta. E, na frase seguinte, o atual presidente diz como tentou estuprar um rapaz! (da última vez que chequei, homens não tinham vagina. Era o principal diferencial).
O depoimento de Cesar, agora, quinze anos depois da conversa, já seria bastante chocante. Um jornalista e blogueiro escreveu: “Este blogueiro conhece pessoalmente César Benjamin. [...] Há duas considerações a serem feitas sobre Benjamin: primeiro, o autor deste blog não conhece nenhuma outra pessoa, nem mesmo Diogo Mainardi ou Reinaldo Azevedo, que tenha pelo presidente Lula o mesmo ódio professador por Cesinha. O que ele diz em privado sobre Lula supera em muito o que escreveu para a Folha de S. Paulo nesta sexta-feira [...]”.
Mas o mais chocante, lógico, não é o que Cesar disse, mas que a Folha de SP tenha publicado algo assim. Algo sem nenhuma prova, sem ouvir o outro lado, sem procurar testemunhas. É uma piada que agora a Folha esteja publicando cartas de leitores (escolhidas a dedo, imagino), louvando a atitude do jornal. Uma delas afirma que a Folha deu “uma lição de jornalismo”. Vamos supor que eu hoje queira contar pro mundo que, 15 anos atrás, eu e amigas, uma das quais não falava português, encontramos FHC pela manhã nas ruas de Higienópolis (fomos vizinhos, posso provar), e ele nos contou, às gargalhadas, como transou com sua empregada, apesar d'ela não querer. A Folha me dá espaço pra escrever sobre essa divertida anedota? E, lógico, não vamos perder tempo procurando FHC, a empregada, as outras amigas que escutaram a conversa. E aí, posso? Eu tenho uma mente fértil e adoraria ajudar a Folha a dar mais lições de jornalismo!
Não, né? Porque FHC pode ter um filho com uma jornalista da Globo e todo mundo saber disso há dezoito anos sem que a grande mídia não dê um pio sobre o caso. A vida pessoal não é importante... quando a gente é aliada política do sujeito.
Todos os envolvidos já desmentiram o artigo. O Planalto diz que não vai processar a Folha pra não descer ao seu nível. A Veja foi atrás do próprio “menino do MEP”, que se recusou a falar com essa imprensa e disse que é tudo um mar de lama. Um político do PSOL, opositor ferrenho do governo e também ex-preso político, jura que Cesar “viajou na maionese”. O delegado do DOPs na época, nosso velho conhecido Romeu Tuma, nega, e diz que algo do gênero seria impossível, até vários presos dividiam as celas. Os publicitários que estavam na mesa durante o almoço de 1994 não se recordam nem da presença de Cesar, mas têm memórias divergentes. Paulo de Tarso não lembra de uma conversa assim, enquanto o documentarista Silvio Tendler afirma que Lula estava contando uma piada pra sacanear o marqueteiro americano. Se foi isso, é uma piada ruim, daquelas que só os homens gostam de contar (mulheres não costumam achar estupro engraçado). E o próprio tom da negativa de Tendler é um festival de besteiras, como chamar Cesar de "débil mental " (pega mal usar isso como ofensa), e usar o infalível “é a loura da vez” (porque não entendeu a piada, sacam?). Eu adoraria que pessoas de esquerda refletissem mais antes de falar asneiras, mas até parece que essas “piadas de homem” são monopólio de um partido político.
Seria até engraçado, se não fosse trágico, ler gente hiper preconceituosa como Reinaldo Azevedo reclamando de tal piada! Tio Rei está nas nuvens e já escreveu uns cinco posts sobre a "denúncia" de Cesar. O mais hilário é um que inclui esta frase: “A política, no ritmo em que vai, está palmilhando todos os caminhos da sordidez, da abjeção, da absoluta falta de limites”. Pois é, a sordidez não é dar destaque pra mentira e demais baixarias, é a política brasileira. Como diz um dos blogueiros que o copiam: “A revelação, independente de sua veracidade ou falsidade, mas o simples fato de ser aventada resume um estado da psique coletiva nacional sob a égide do lulismo” (sic, ninguém falou que eles sabiam escrever).
Mas há quem diga que esse carnaval não é pra esconder o mensalão recém descoberto em Brasília, responsabilidade do único governador do DEM, um partido que vem se extinguindo e já teria sido varrido do mapa se não fosse a parceria com os tucanos. Não, parece que é pra encobrir um novo escândalo, um que não interessa à mídia: as doações da Camargo Corrêa ao Serra. A gente sempre deve pensar nos interesses por trás das notícias.
A Folha é um jornal que vem derrapando feio faz tempo. Ultimamente, ela tem optado por uma saída preferencial pela direita, o que contraria um pouco seus leitores, que estão menos à direita que os da Veja ou do Estadão. Outro dia o jornal publicou um editorial dizendo que a nossa ditadura militar foi uma ditabranda. Depois publicou uma ficha falsa da Dilma. Deu enorme destaque à farsa de Lina Vieira. Etc etc, os exemplos são muitos (pra protestar, o blogueiro Eduardo Guimarães organiza um protesto contra a Folha no dia 5 de dezembro, sábado, às 10 horas, em frente ao jornal).
A escritora Marcia Denser (cujos contos estão presentes em várias antologias de melhores contos brasileiros, e que tive o orgulho de ter como professora de redação literária) escreveu ontem, antes desse novo escândalo, que a Folha está longe de ser o jornal influente que já foi. Em 1996, a Folha vendia quase 500 mil exemplares avulsos em banca (não assinaturas) num domingo. Hoje sabem quanto vende? 21 mil exemplares. Os três principais jornais brasileiros (Folha, Estadão, Globo), não vendem, juntos, cem mil exemplares avulsos por dia. É uma triste queda. Claro que a imprensa escrita de todo o mundo vem encolhendo por conta da internet, mas vocês não conhecem pessoas que deixaram de ler jornais e revistas brasileiras por motivos políticos? Tipo, porque o país não tá tão mal quanto elas pintam, e porque, num regime democrático, aceita-se a vitória de políticos que combatemos? A nossa imprensa não engoliu a vitória de Lula em 2002 e é por isso que, na blogosfera, ela ganhou o apelido de PIG – Partido da Imprensa Golpista. Ela ainda não foi tão longe quanto a da Venezuela, que promoveu abertamente um golpe militar contra Chávez. Mas, pelo jeito, é só uma questão de tempo.
E também, não sejamos tão críticos. Vamos nos por no lugar dela. Ela publica todo dia editoriais contra o governo, escolhe fotos degradantes, manipula notícias (essa ao lado é da Folha de ontem ― diz que os institutos de ensino superior diminuíram, como se fosse uma péssima notícia, sem explicar que as vagas aumentaram, e que instuições foram compradas por outras. Essa outra é do Globo: o consumo no país aumentou, e isso não é apenas terrível como também culpa do Lula), bate no PT desde a fundação do partido, em 1980. E ainda assim Lula é eleito, reeleito, e tem 80% de aprovação?! Como é que pode? Pô, deve doer não ser mais formador de opinião!
O que dói mais, na realidade, é saber que este é só um trailer do que será o nível da mídia nas eleições do ano que vem.

AH, ESSAS CONTRADIÇÕES...

Bem que a oposição, a mídia, e os 16% que odeiam o Lula podiam sintonizar o discurso. O que ouço é muito contraditório.
Por exemplo: o Brasil tá no buraco, Lula afundou o país.
Aí a Lolinha Abismada quer saber: Mas e todos os índices mostrando a grande melhora do Brasil?
E o Pessoal Contraditório responde: Ah, tudo manipulado! Pura mentira! O país tá na miséria, é o cocô do cavalo do bandido do mundo.
Lolinha Abismada: Mas... Mas... Mas e todas as matérias em revistas e jornais internacionais dizendo como o Brasil finalmente deixou de ser o gigante adormecido, de como virou o país do futuro? (Reconheço que não sei a contra-argumentação pra isso. Me ajudem, por favor. É tudo comprado? Os jornalistas europeus e americanos são todos petralhas? Não conhecem a realidade brasileira?).

Existem algumas variações sobre o tema "o país tá no buraco": O Brasil só não está tão no fundo do poço assim porque Lula faz um governo de continuidade. Deve tudo ao FHC! (“tudo” não é muito, visto que o Brasil tá quase na UTI).
Mais variações: Ah, claro que o país tá bem! Também, o PT pegou um cenário econômico internacional fantástico!
Lolinha Abismada: Mas... Mas... Mas essa não foi a pior crise financeira desde 1929? (Ninguém da direita fala da crise ou aponta que foi uma crise do capitalismo. Desta vez não dá pra culpar os comunistas, né? Então o melhor a fazer é não dizer nada. O único momento que vimos a direita falar da crise foi pra atacar o Lula por chamá-la de marolinha! Mas pelo jeito ele tinha razão, não?).

Outra discussão: o Bolsa Família é um programa eleitoreiro, é bolsa-esmola, dá o peixe mas não ensina a pescar, faz o povo ficar preguiçoso, minha empregada doméstica largou o emprego pra viver de bolsa família, onde o país vai parar? Quem vai limpar a minha casa, pô?!
Lolinha Abismada: Então, se o PSDB vencer as eleições de 2010, vai acabar com o bolsa família?
Pessoal Contraditório: Não, claro que não! Foi o PSDB que criou o bolsa família! O Lula só copiou a ideia!

Mais uma: As universidades públicas são uma droga, cheias de professores comunas doutrinando os aluninhos, sem falar que quem dá aula em federal é porque tá fugindo da competição do mercado, competentes mesmo são aqueles que não fizeram essas frescuras acadêmicas de mestrado e doutorado! As particulares também são uma porcaria, só caça-níqueis e fábricas de diplomas, deveriam fechar todas!
Lolinha Abismada: Mas aí como os brasileiros fariam curso superior?
Pessoal Contraditório: Não fariam! Deveria haver mais cursos técnicos, isso sim. Coisas que dão emprego. Trabalho é que enobrece o homem!
Lolinha Abismada: Mas aí vocês não chamariam o cara que só fez curso técnico, e não faculdade, de analfabeto? (Não conheço a resposta, minhas discussões nunca chegam tão longe).

O discurso só é sintonizado quando a questão é cotas raciais. Aí são todos unanimemente contra. É racismo ao contrário, e desnessário, ainda por cima, porque todo mundo sabe que o Brasil não é um país racista. Além do mais, vai baixar o nível das universidades.
Lolinha Abismada: Mas e os estudos provando que aluno cotista tem desempenho superior aos dos não-cotistas, e também há menos evasão escolar?
Pessoal Contraditório, espumando: Tudo mentira! É claro que essa gente bronzeada é péssima! Não somos racistas!

Pra ilustrar, esse diálogo foi com um amigo meu outro dia.
Ele: o Brasil tá uma m****, todo mundo empobrecendo!
Eu: Cê tá falando sério? Mas os índices sociais...
Ele: Tudo mentira!
Eu: Mas o Brasil tá com maioria de classe média pela primeira vez. 52%!
Ele: Claro! É só abaixar a faixa salarial que é todo mundo classe média!
Eu: Mas as faixas salariais são as mesmas de sempre. Classe média é quem tem renda familiar mensal entre R$ 1,100 e 4,600.
Ele: Viu só? Viu só? É uma piada! Como que alguém com 1,100 reais pode ser classe média?
Eu: Ué, é como o nosso amigo pedreiro. Ele é classe média.
Ele: O quê? Nunca! Aquele um que bebe pinga porque não pode beber whisky? Classe média uma ova!
Eu: É classe C sim. E além do mais, ele tem três imóveis, mais que a gente.
Ele: Três imóveis?! Onde? Em bairro nobre que não é!
Eu: É na periferia, mais ainda assim, são três imóveis, dois dos quais ele aluga. É classe C fácil.
Ele: E quem disse que classe C é classe média?! Classe C não é nada!
Eu: Ué, se existe classe A, B, C, D e E, a classe C fica bem no meio. Totalmente classe média.
Ele: Humpf! Mas nosso amigo pinguço ganha mais que 1,100.
Eu: E certamente menos que 4,600. Logo, é classe média. Lógico que uma família que ganha 1,100 tem um padrão diferente de outra que ganha 4,600. Existem variações entre a classe média.
Ele: Classe média sou eu, que luto pra sobreviver!

Ah sim, isso das classes A e B (ou seja, a elite) jurarem que sustentam o país e que sofrem muito é um discurso padrão. Pelo menos um (dois, com o das cotas)!

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

MAIS SOBRE OS FILMES DA SÉRIE CREPÚSCULO

Pouca roupa pra muita castidade: a sexy abstinência sexual da série.

Gente boa, é como eu disse: não li os livros, então não posso falar deles, só dos filmes. E não achei os filmes machistas. Tampouco os chamaria de feministas (machista não é o contrário de feminista, dá pra não ser nem um nem outro, certo?). Mas os filmes, principalmente o primeiro, têm uma carga erótica muito grande. E essa carga erótica é da parte de Bella, não do Edward ― que, pra não se descontrolar, simplesmente se abstem de transar. É raro mulheres serem retratadas no cinema como gente que deseja, que quer sexo. Quando há personagens assim, elas geralmente são femme fatales, ninfomaníacas que fazem do sexo sua arma, viúvas negras que causam a destruição do herói (a Sharon Stone em Instinto Selvagem, pra ficar num exemplo mais recente). E Bella não quer o mal do seu amor. Ela só quer transar com ele, sem interesses escusos por trás. E quer tanto que, pra isso, está disposta a virar vampira. “Virar vampira” também parece equivaler a apoderar-se, não? Os vampiros são muito mais fortes que os humanos, têm poderes especiais, leem pensamentos, e vivem pra sempre. Alguns, como Edward, veem isso como uma maldição, mas parece que aquele vampiro médico até gosta da ideia de ajudar os outros eternamente (e ele é o único vampiro que tem uma profissão!). Também há a sugestão de que os vampiros são monogâmicos e que, quando se juntam, se juntam pra sempre. Aqueles vampirinhos do grupo do Edward parecem ter uma vida sexual ativa. Sendo adolescentes e sem precisar casar pra transar! Mas com o chato do Edward, só casando!
Sei que a Bella é uma personagem insossa, bem chatinha, sem ambições. Mas ela não era assim antes de conhecer o Edward? Ela é uma adolescente, não uma mulher feita, cheia de projetos e planos definidos. Ela parece ser desinteressada a respeito de tudo. Só se interessa pelo Edward, depois que o conhece. Mas, e ele? Quais são seus projetos, suas ambições, seus interesses? Sua vida é um tédio, pô. Ele não transa e repete o segundo grau por toda a eternidade. Quando conhece Bella, ele também passa a viver pra ela. Seu passatempo passa a ser vê-la dormir. Em Lua Nova fica claro que ele praticamente nem existe sem ela. Ele some do filme, vira um fantasminha. Não quer viver sem ela, algo bem Romeu e Julieta mesmo.
Pelas pouquíssimas análises feministas que li a respeito de Crepúsculo (mais dos livros que dos filmes), as principais críticas à série são que Edward é um stalker e que Bella é uma vítima recorrente da violência doméstica. Sobre a primeira crítica, Edward ser um stalker, não concordo. Um stalker é aquele que persegue sua obsessão sem que ela queira ou saiba (quase sempre é um homem que se torna obcecado por uma mulher que não lhe dá bola e a segue, muitas vezes com resultados terríveis. O Colecionador é um ótimo filme sobre stalking). Admito que é bizarro que Edward fique olhando pra amada dormir, mas Bella sente que ele está sempre com ela e gosta disso. Então não é bem stalking, é? Sem falar que podemos dizer que ela também persegue o Edward. Quando ela virar vampira, pobre Edward se quiser algum momento de privacidade!
A outra crítica, sobre a violência doméstica, eu considero bem mais aceitável. Bella vive sendo ameaçada de violência, estupro e morte por parte de vários personagens (homens e algumas mulheres). Mas, se ela se tornar vampira, essas ameaças acabariam. Bella diz pro Edward que, com ela vampira, ela também poderia protegê-lo. E o patriarcal Edward dispensa esse comentário com um “Eu que tenho que proteger você”, como se fosse sua condição primordial de macho alfa (mas, digamos, ele vive pra isso. Sem Bella, ele não tem mais o que fazer da vida. A gente fica pensando como ele ocupou o tempo nos últimos 109 anos). Edward trata Bella mal. Ele é temperamental, muda de humor, fica de cara feia sem motivo, e a isola dos amigos. Em Lua Nova, ele até bate nela. É um acidente para protegê-la, mas vários maridos abusivos usam esse argumento do “é pro seu próprio bem” pra espancar suas mulheres. Definitivamente dá pra interpretar Edward como o típico marido abusivo, aquele que morde e assopra. E Bella sem dúvida sente-se atraída por tipos assim. Quando não está com Edward, está com Jacob, o lobisomem, que também representa um perigo pra ela. Em Lua Nova há uma personagem que aparece numa só cena, uma namorada ou mulher de um dos outros lobis, e ela tem parte do rosto desfigurado, porque o carinha zangou-se e perdeu o controle por um segundo. E ainda assim, lá está a mulher, sorridente e fazendo bolinhos. Essa sim é uma péssima lição pras meninas fãs da série, sem dúvida.
Mas a ideia toda é que, assim que Bella vire vampira (o que não depende só dela, e sim da decisão de um grupo em que mulheres também votam), todas as ameaças fiquem pra trás. Bella não liga pras ameaças, não têm medo de nada. Ela tem ideia fixa: virar vampira pra transar com Edward. Porque pra ficar com Edward como está ela não precisa virar vampira. Os dois podem viver de mãos dadas até que ela fique velhinha e morra. E Edward acha esse cenário totalmente okay. É Bella que tem outros planos, que incluem muito sexo. E não pra efeitos procriativos, porque vampiros se reproduzem por buraquinhos no pescoço e troca de líquidos vermelhos, ao invés de buraquinhos em outras regiões do corpo e outras trocas de líquidos.
Ao que me parece, os três personagens principais de Lua Nova ― Bella, Edward e Jacob ― são virgens (o que é super pouco realista, a gente sabe), e só Bella se incomoda com essa situação. Isso deve querer dizer alguma coisa.