"Domésticas", aliás, é dirigido por Fernando Meirelles, o mesmo de "Cidade de Deus". Eu pensava que o livro de Paulo Lins sobre a favela havia sido um best-seller, mas não: vendeu menos de 15 mil cópias. O que mais me impressionou foi que ele fez com que eu, uma pacifista inveterada, desejasse a morte dos piores criminosos. A obra é interessante, mas longa demais. Lá pela página 300, a violência se torna redundante e o leitor se cansa. Agora está sendo relançada mais enxuta, felizmente.
O filme é melhor, pois concentra as inúmeras histórias do livro em poucos personagens centrais. Vemos como o conjunto habitacional nasceu nos anos 60, como ele acolheu a miséria, como o narcotráfico surgiu e prosperou. Li em algum lugar que a distância entre a favela e o centro do Rio dá três horas de ônibus. Três pra ir, três pra voltar. Ano passado, o então governador Garotinho inaugurou um outro conjunto que tampouco tem espaço pra lazer ou infra-estrutura, e que fica ainda mais longe que Jacarepaguá. Parece que são doze horas de viagem entre ida e volta. Ou seja, é impossível trabalhar no centro. Como a favela também não oferece trabalho, muitos moradores tornam-se traficantes. O péssimo exemplo do modelo Cidade de Deus vem sendo copiado tintim por tintim. Deus lhe pague.
Mas vou falar do filme, que é visceral, impactante, difícil de esquecer. Como espetáculo cinematográfico, "Cidade" dá um baita show. Traz excelente montagem e fotografia, com ângulos e truques de câmera de tirar o fôlego. Claro que tudo isso é secundário, e o essencial mesmo é a trama da juventude desperdiçada que vira bandida. O passado criminal de várias gerações cobre os vinte anos da favela, tudo contado por um carinha honesto que sonha em fugir do seu destino e virar fotógrafo. As atuações do elenco, quase todo composto por amadores paupérrimos, são perfeitas. O destaque maior vai para Leandro Firmino da Hora, que interpreta Zé Pequeno, e que está absolutamente assustador. Às vezes, ele lembra o Samuel L. Jackson de "Pulp Fiction". Bom, todo o trabalho de atores coube à co-diretora Katia Lund, e aqui me reservo um pedacinho de vaidade pra dizer que conheço a Katia pessoalmente, já que estudamos na mesma escola, e que estou super orgulhosa dela.
Vendo "Cidade", e vendo como a polícia é tratada pelo filme (omissa, corrupta, patrocinadora do crime; tudo calúnia, lógico), deu pra entender direitinho como a polícia vem tratando o filme. Ela foi à pré-estréia na esperança de capturar algum bandido incauto e mostrar o conchavo entre os realizadores do filme e traficantes. Conseguiu. Um meliante apareceu na première. Aí passamos à Sessão Hipocrisia, com a mídia acusando os produtores de negociar com o tráfico para que este permitisse as filmagens nas favelas. Ora, qualquer um sabe que não dá nem pra botar o pé num morro sem a autorização prévia dos bandidos. A Katia e o Fernando deveriam apelar pra quem? Pra polícia? Pro poder público?
Fico aqui na torcida para que o filme, que foi comprado para distribuição nos EUA pela Miramax, concorra ao Oscar. Ah, dirão os de sempre, que horror, a imagem do Brasil lá fora já está terrível e vai piorar. Essa gente odeia qualquer coisa que veicule a realidade nacional. Vale lembrar: essas pessoas não detestam a realidade nacional (que elas fingem nem ver); detestam a exibição dessa realidade. Se pudessem, censurariam o filme. Ainda bem que não podem.
Um comentário:
Oi, Lola! Venho acompanhando suas postagens há algum tempo e gosto bastante do seu blog.
Com relação a "Cidade de Deus", tenho alguns problemas. Tecnicamente, acho o filme perfeito, como você mesma ressaltou. Mas o filme, ao espetacularizar a violência, só aumentou o estigma em torno da população pobre que vive nas favelas. Poderia citar 2 exemplos disto: após o filme, os moradores de Cidade de Deus passaram a ter dificuldade de arrumar emprego, pelo temor da classe média em acolhê-los; além disso, tem um depoimento de um rapper no Fala Tu (filme do Guilherme Coelho), sobre um dia em que um taxista se recusou a entrar na Cidade de Deus por medo de ser morto (um dos vários constrangimentos ocasionados pela recepção do filme).
Acho que há, no cinema brasileiro atual, experiências mais interessantes sobre favela no cinema. Destacaria o coletivo "5 vezes favela - agora por nós mesmos", com trabalhos ótimos e que tocam nos problemas a ela relacionados - inclusive violência, mas sem a espetacularizar.
Enfim, só uma opinião. Boa sorte com o blog.
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