sexta-feira, 29 de novembro de 2002

CRÍTICA: AS CONFISSÕES DE SCHMIDT / Confesso que adorei

Fui ver “As Confissões de Schmidt” sem grande entusiasmo porque eu, ingênua que sou, às vezes dou de acreditar em crítico. E tinha crítico afirmando que “Confissões” é idêntico a “Melhor é Impossível”. Aí eu penso: o que essa gente anda fumando? A única semelhança entre “Confissões” e “Melhor” é que ambos têm o Jack Nicholson no papel principal. Pô, consigo enxergar mais similaridades entre “Confissões” e, sei lá, “Easy Rider – Sem Destino”. De igual entre “Confissões” e “Melhor”, só que os dois são ótimos filmes.

Em “Melhor”, quem fazia par romântico com o Jack? A chata da Helen Hunt, que tem idade pra ser neta dele (se bem que dá pra argumentar que a paixão do Jack era pelo cachorrinho). Em “Confissões” não há par romântico. Jack começa como um cara casado, e é a primeira vez que eu me lembre que Jack ou qualquer outro ator da idade dele (tipo Warren Beatty, Robert Redford etc) representa um sujeito de 66 anos e tem uma esposa na mesma faixa etária. Geralmente, a alma gêmea desses ex-garanhões não chega aos trinta. Logo, em “Confissões”, eu me choquei com meus próprios preconceitos. Olhei pra esposa na tela e pensei: quem é essa velha ao lado do Jack? A mãe dele?

Nessa comédia amarga, Jack faz um americano comum – o que, pra gente, é como se fosse um ser extraterrestre. Já imaginou um aposentado com dinheiro suficiente pra ir ao supermercado encher carrinhos sem se preocupar com os preços? Só nos EUA mesmo. A filha dele está pra casar, e ele não gosta do futuro genro. Ele também tá até aqui com a própria mulher. Odeia como ela tira as chaves da bolsa muito antes de chegar ao carro, ressente-se que ela o domesticou a fazer xixi sentado, esses detalhes que contaminam a rotina de qualquer casal. E, por não ter qualquer perspectiva, decide ajudar com 22 dólares mensais um garotinho de seis anos que mora na Tanzânia. Sabe esses programas de países ricos de adotar um desconhecido miserável e assim, quem sabe, aplacar a consciência pesada? Talvez a gente não esteja familiarizada com isso por estar do outro lado – na ordem mundial, temos mais chances de ser ajudados que de ajudar, claro. Mas Jack não só manda dinheiro pro guri como também lhe escreve cartas, sempre iniciando com “Querido Ndugu”. As mensagens patéticas narram a tragédia de sua vida e, como o americano típico que é, trazem conselhos como “quando você for pra faculdade, junte-se a uma fraternidade”. Mencionar clubinhos restritos pra meninos desnutridos é dose, né? Mais tarde, o filme se transforma num road movie com um ritmo pra lá de peculiar. Na sessão onde estive, havia um grupinho de adolescentes que agüentou bem, então acho que qualquer um sobrevive.

“Confissões” é responsabilidade de Alexander Payne, alguém que manja de valores americanos, principalmente os do meio-oeste. Payne já fez o excelente “Eleição”, que usa a votação numa escola como microcosmo de uma sociedade obcecada pela disputa. Em “Confissões”, ele tem mais carinho pelos personagens do que mostrou em “Eleição”. Não há vilões, embora todos sejam expostos com o que têm de mais ridículo. Assim: o genro de Jack lhe oferece um guia de auto-ajuda e avisa que o livro de exercícios tá riscado, mas ele pode escrever na margem. Apesar do rapaz ser um bobalhão, a gente simpatiza com ele. A mãe dele, interpretada por Kathy Bates, aparece na cena mais comentada do filme – ela nua numa hidro com o Jack.

E, por falar em Jack, “Confissões” é todinho dele. Vou arriscar aqui uma declaração ousada: esta é sua melhor atuação. Ele está contido, calado, altamente sofrido. Eu chorei baldes no monólogo dele pra lua e no final, que cala fundo. E, sinceramente, na atual conjuntura, só um grande ator pra me fazer verter lágrimas por um americano. Se isso não te convenceu a ver “Confissões”, então lá vai um argumento irrefutável: não há outro filme com merchandising tão eficaz contra colchões d’água.

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