Em tamanho também: duas horas e meia. Porém, não há uma só cena sobrando em “Pianista”. Começa em 1939, expondo o duro cotidiano dos judeus na Polônia ocupada. No início, só há leis ridículas – um judeu não pode ir a praças públicas ou guardar mais que uma pequena quantia de dinheiro em casa. Logo vem a obrigação de usar a estrela de Davi pra se identificar, e o confinamento em guetos, e o extermínio nos campos de concentração, num crescendo de horror e irracionalidade. Convenhamos, o holocausto é mais que uma tragédia judaica. É um tema universal. Como qualquer genocídio, mostra bem que o ser humano é o mais cruel dos animais.
Mas o original de “O Pianista” é trazer o ponto de vista sem muita emoção de um personagem que não é heróico. O cara existiu de verdade. Szpilman, brilhantemente interpretado por Adrien Brody, foi um pianista polonês que teve sua família dizimada e sobreviveu à guerra. Como sobreviveu? Bom, quando ele ia ser enfiado num trem que o levaria pra Treblinka pra nunca mais voltar, um oficial judeu o mandou correr de lá. Aliás, isso de citar que havia soldados judeus a mando dos nazistas pra cometer maldades contra outros judeus já é tabu. Outra crítica pouco ouvida é a de que os banqueiros americanos, judeus, não se empenharam em fazer com que os EUA entrassem na guerra antes. Compare um depoimento desses com o papel do soldado americano no final de “A Vida é Bela”, e você verá que a intenção de “O Pianista” não é edificar ou levar às lágrimas.
Se bem que eu chorei um monte. Mas foi uma sensação diferente da que tive em “A Lista de Schindler”, quando me senti manipulada. Em “Pianista”, os terrores vão se acumulando. Minha primeira válvula de escape foi acionada ao ver uma moça receber um tiro na cabeça por perguntar a um oficial, “Aonde vão nos levar agora?”. Já o maridão se rendeu quando o protagonista pula um muro e encontra Varsóvia completamente destruída, um esqueleto de cidade. Mas o pranto imenso, magnânimo, veio pra mim na cena em que um nazista pede ao pianista que toque. Juro que nunca me emocionei tanto com um piano. Todas as pausas, todos os cortes, todos os closes estão em perfeita sintonia com os sentimentos dos personagens. E, ao mesmo tempo, o tom é frio, meio distante até.
Polanski é um mestre, e a cena desse encontro entre algoz e vítima, de salvação através da arte, ilustra isso (e é audaz também, já que ele entrega o papel mais cativante pra um oficial nazista, mas isso “Schindler” já fez). Uma palavrinha ou duas sobre o diretor. Eu adoro Polanski. Adoro “Repulsa ao Sexo”, adoro “O Bebê de Rosemary”, adoro “Chinatown” (eu e o resto do mundo). O fato de “Pianista” ser seu primeiro grande filme em, sei lá, três décadas, não tira seus méritos. O fato de Polanski ser um judeu polonês que viveu nos guetos de Varsóvia, ou de que foi usado pra brincar de tiro ao alvo por nazistas quando criança, ou de que teve sua mãe morta num campo de concentração, não faz dele um diretor melhor ou pior. Tampouco importa se, mais tarde, Polanski passou por outra tragédia – o assassinato de sua mulher, Sharon Tate, por discípulos de Charles Manson. E é relevante que o diretor tenha queda por menininhas e que esteja proibido de entrar nos EUA? Acho que não. Quem vai julgar Polanski mesmo, mesmo é a história do cinema. Se o baixinho faz grandes filmes, ele é um grande diretor. Simples.
Um comentário:
Sobre R. Polanski, Você ainda mantém a mesma posição sobre seu passado e suas obras? não em tom acusador, apenas estou curiosa pra saber, até que ponto e como isso funciona pra você.
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