quarta-feira, 27 de novembro de 2002

CLÁSSICOS: ET / Aqui bate um coração

Sinceramente, não imaginei que a magia do cinema iria resistir à dublagem, à criança que berra, ao celular que toca. Mas resiste! Nem o pai narrando cada detalhe pro filhinho me fez desviar a atenção de “ET, O Extraterrestre”. Agora, responda: quantos filmes você conhece que são tão, mas tão sentimentais que o coração do personagem-título aparece exposto, vermelhão e batendo forte? “ET” é assim, emoção de peito aberto, e sem muito pudor. E é deslumbrante. Não vale não gostar só por ele ser um dos campeões de bilheteria de todos os tempos. Pense só – quantas produções merecem uma retrospectiva duas décadas depois?

Antes de mais nada, uma informação útil aos leigos. Este “ET” que chega agora não é uma refilmagem. É o mesmíssimo filme de 1982, só que com dois minutos e meio de cenas adicionais. Ah, e tem uns retoques nos efeitos especiais também. Nada de memorável, pra falar a verdade. Quer dizer: parem as rotativas! As folhas das árvores em determinada seqüência balançam! E tem o acréscimo dispensável de umas imagens do nosso querido extraterrestre numa banheira. Bom, deixo por escrito que quero conhecer aquele que reparou nas árvores estáticas no “ET” de vinte anos atrás. Pelamordedeus! Um clássico destes não precisa desses golpes de marketing. Eu iria ver “ET” no cinema a cada 5 ou 10 anos com todo prazer. O que estarão preparando pro relançamento do filme pra 2022? O ET pisca? Dá pra ver a cor da cueca do Elliot na bicicleta?

Vamos nos ater aos fatos importantes, please. Por que “ET” é um clássico? Vários motivos. Um é que traz a perspectiva infantil. O único adulto a ser apresentado por inteiro até meados do filme é a mãe. Mais ninguém. Dos outros, só surgem as pernas, ou a cintura, tipo os desenhos do Tom e Jerry mostrando a dona do gato. Em inúmeras seqüências, a câmera é posicionada lá embaixo pra imitar o campo de visão das crianças. Assim, “ET” cria um clima de nós versus eles. “Eles” são os dissecadores de sapos, incapazes de voar ou de se comunicar com alguém diferente. “Nós” somos a pureza infantil, que acreditamos em Peter Pan, que entendemos exatamente o que o irmão adolescente do herói quer dizer quando reclama que nunca dirigiu pra frente antes.

E de onde isso veio tem muito mais. Há quilos de referências. A seqüência de Elliot se embebedando por telepatia, soltando os sapinhos e beijando a menina à la “Depois do Vendaval” é grandiosa. Toda a historinha do Halloween, idem. É nessa cena que a câmera se cobre com um lençol esburacado, simulando a visão do ET. E ele, vendo o Yoda de “Guerra nas Estrelas”, vai atrás. Outras maravilhas são o pastelão da mãe frenética na cozinha, tão absorta em seus próprios problemas que não consegue sequer reparar num ser de outro planeta, quanto mais na filha. Isso há vinte anos; imagina hoje. Ou, sei lá, as inúmeras auto-gozações. Spielberg sacou que um filme que pede pra que nos comovamos com um boneco de látex não pode se levar a sério. Então, quando um menino pergunta se ET não seria capaz de se teletransportar até a nave, Elliot responde: “Qual é?! Isto é realidade!”.

Mas nada disso valeria se não fosse a música de John Williams. “ET” sem a trilha dele é como “Psicose” sem o Bernard Herrmann. Não dá pé. Pode ver que o mesmo trecho está presente todas as vezes que choramos. ET e Elliot pedalando com a lua ao fundo é um daqueles momentos eternos do cinema. Não estou falando de cenas, mas de momentos. Sabe a saia da Marilyn levantando com o vento, ou o Carlito de Chaplin de costas, segurando a mão do garoto, ou o osso jogado no ar transformado em nave em “2001”? A lua de “ET” entrou pra este panteão de imagens.

É o melhor filme do Spielberg, e isso não é pouco. Eu vi “ET” pela primeira vez aos 14 anos, e me apaixonei. Chorei um oceano, mas foi uma gotinha em comparação ao pranto do grandalhão do meu lado. Esta é minha memória mais vívida de uma fantasia que me faz crer que, se as crianças crescerem assistindo a “ET”, talvez a humanidade não esteja perdida.

Nenhum comentário: