Da minha parte, passei o primeiro terço da aventura fazendo trocadilhos infames com a Chechênia, mas não vou reproduzir nenhum neste espaço familiar. Aliás, não faço a mínima de como soletrar esta região que só consta no mapa-múndi de "Soma" pra nos lembrar de como os russos são malvados. Agora, quem, em sã consciência, ainda tem pavor dos russos? A gente sobreviveu ao Ieltsin, pelamordedeus! Esta volta à guerra fria faz de "Coma" uma história datada, e põe datada nisso, já que o livro é de 91. A própria passagem pro celulóide é anterior ao 11 de setembro. Ah, eu mencionei um livro, né? Esta é a quarta adaptação de um romance do Tom Clancy pras telas. As outras tinham o agente da CIA como protagonista, mas interpretado pelo Harrison Ford e Alec Baldwin (e pensar que a gente ia ter saudade de um Baldwin!). E, como todas as tramas do Clancy, esta também inclui montes de nomes, detalhes enervantes que não levam a lugar nenhum, e visitas a locais exóticos, pra mostrar que ele pesquisou o assunto.
O assunto eu ainda não entendi bem qual é, mas acho que se trata de uma conspiração de neo-nazistas que detonam um míssil atômico pra jogar os EUA contra a Rússia, ou vice-versa. Entra em cena nosso herói, o Ben, e no momento que ele surge com seu rosto apalermado e sua boca sempre aberta, a gente já sabe que ele salvará o planeta. Aqui, Ben, o Aflito, namora uma médica que aparenta ter doze anos, o que é tão convincente quanto ele fazer um agente que fala várias línguas. Na vida real, não há dúvidas: se a paz mundial depender da CIA, é preferível encaminhar nossas preces.
Então, eu tava quase dormindo, pois o filme simplesmente pula de locação em locação sem lógica alguma. Mas tenho que admitir que as coisas melhoram quando uma bomba nuclear explode em solo americano. "Soma" não entra em detalhes e não exibe quase nada da devastação ("O Dia Seguinte", de 1983, foi muito mais didático e ousado). Nem parece que os efeitos são assim tão terríveis. Conseqüências mesmo, só algumas: 1) a hecatombe atrapalha a final do campeonato de futebol americano; 2) a namorada do Ben fica com excesso de trabalho; e 3) o Morgan Freeman, que faz o chefe e tutor do Ben, sofre. Tadinho do Morgan. A soma de todos os medos, pra ele, já passou. Foi contracenar com a Ashley Judd, imagino.
Lá vai uma dica infalível pra escapar destas aventuras catastróficas. É a seguinte regra geral: evite filmes que apresentem o presidente dos EUA como personagem. Ele invariavelmente fará o herói. Em "Soma", ele é calmo e espirituoso, mas é constrangedor constatar que, em caso de risco, os seguranças evacuarão o chefão, e o estádio que se exploda. A verdade é que ele só não parece ser um total débil mental porque é interpretado por um ator australiano. Opa, o James Cromwell nasceu na Califórnia? Não importa, depois de "Babe, O Porquinho Atrapalhado", ele conquistou status de australiano. É inevitável compará-lo com o presidente-herói verdadeiro, o Bush. Pensar que metade do poderio nuclear do mundo esteja nas mãos dele não dá calafrios? Ainda bem que aquele cérebro privilegiado jamais se recordaria da senha para lançar mísseis atômicos.
Ai ai, "Dr. Fantástico" é que era inteligente ao satirizar a tragédia. Em suma, quando "A Soma de Todos os Dedos" não está sendo chatinho, está sendo patrioticamente bobo. Alguma previsão de lançamento de um filme que não exiba a bandeira e/ou o hino americano?
Nenhum comentário:
Postar um comentário