Pode-se dizer que o último a deter o título de maior diretor vivo acabou de bater as botas. Billy foi um dos gigantes de Hollywood. Seu legado de 26 produções inclui um monte de obras-primas. Infelizmente, aqui no Brasil, elas são meio difíceis de serem vistas. A TV aberta não as passa com freqüência, e boa parte não está disponível em vídeo ou DVD. Tomara que agora alguém decida lançar um pacote.
Billy tinha 95 anos e era um poço de bom humor. Nasceu na Áustria e, pra fugir do nazismo, foi pros States em 1934, sem saber uma palavra de inglês. Isso não o impediu de virar roteirista (seus scripts eram traduzidos) ou de transformar-se num americano típico, desses que usam boné e gírias da moda e prestigiam jogos de beisebol. Mas, como proferiu um personagem de “Quanto Mais Quente Melhor”, um de seus clássicos absolutos, “ninguém é perfeito”.
E por falar nesses clássicos, vou comentar alguns apenas. É provável que o maior de todos seja “Crepúsculo dos Deuses” (1950), uma história ácida narrada por um cadáver – um roteirista bonitão que, sem querer, passa a fazer parte da vida de uma ex-estrela de cinema. Lá pelas tantas, ele diz a ela: “Você já foi grande”, no que ela rebate: “Eu sou grande. Os filmes é que ficaram pequenos”. Tragicômico e belo, “Crepúsculo” é a descrição mais apurada que Hollywood ousou fazer de si mesma. O chefão da MGM, Louis B. Mayer, odiou tanto a produção que xingou Billy a plenos pulmões: “Seu miserável, você desgraçou a indústria que te fez. Você deveria ser expulso daqui!”. Billy deu-lhe o troco sete anos depois, quando o funeral de Mayer atraiu uma multidão: “Isso comprova tudo: dê às pessoas o que elas querem ver, e elas comparecerão”. Mas só na mente pervertida de Billy é que se passava que o público queria ver corpos em decomposição. A primeira cena de seu “Crepúsculo” acontecia num necrotério. A reação da platéia de exibições-teste (sim, essa praga já existia naquela época) fez com que Billy mudasse o início pra cena do protagonista boiando na piscina.
Há quem prefira “Farrapo Humano” que, apesar de também transbordar com humor negro, é um retrato sério e fiel do alcoolismo. Em 1945, Billy transformou o galã Ray Milland em um escritor alcoólatra que esconde garrafas de bebida pelo apartamento e é capaz de trocar a máquina de escrever, seu instrumento de trabalho, por alguns goles. Ou melhor, ele tenta trocá-la, pois a história toda ocorre num final de semana (no título original, “O Fim-de-Semana Perdido”), bem no meio de um feriado judaico, e o pobre bebum vai de loja de penhores em loja e encontra tudo fechado, numa das seqüências mais célebres desta pérola.
Ou quem sabe você seja adepto do film-noir, e aqui Billy também deixou sua marca. “Pacto de Sangue” (1944) conta a trama de um corretor de seguros especializado em desvendar fraudes. Adivinha o que ele decide fazer logo após se envolver com a femme fatale Barbara Stanwyck? Ora, fraudar a apólice, claro. Barbara era uma estrela classuda, e Billy queria uma atriz caindo pelas tabelas. Assim, ele pôs nela uma peruca loura bem vagabunda, o que causou um produtor a reclamar: “Pô, a gente contrata a Barbara e recebe o George Washington?!”. Mas valeu a pena. O ótimo “Corpos Ardentes”, inclusive, se encarregou de homenagear “Pacto” décadas mais tarde.
Tudo bem, pode ser que o jornalismo seja mais sua praia. Neste caso, Billy inventou dois clássicos que deveriam constar da grade curricular de qualquer aspirante a repórter: “A Montanha dos Sete Abutres” e “A Primeira Página”. Ou de repente você gosta mais de comédias. Aí tem “Quanto Mais Quente Melhor”, considerada uma das melhores já feitas, e “Se Meu Apartamento Falasse”, que valeu a Billy seu segundo Oscar. Ah, e não esqueçamos aquela cena com o vestido da Marilyn levantado pelo ventinho que vem do metrô, aquela, que entrou no imaginário da cultura pop. Está em “O Pecado Mora ao Lado”. Sobre Marilyn, Billy declarou: “foi como ter trabalhado com Hitler”.
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