quinta-feira, 28 de novembro de 2002

CRÍTICA: MADAME SATÃ / Xô, Satanás!

Eu podia jurar que "Madame Satã" jamais passaria por aqui. Mas me enganei, felizmente. Fui correndo ver o filme e a decepção foi grande. Ainda estou tentando entender o que leva uma obra dessas a ganhar prêmios e conquistar a crítica. Com todo o respeito, "Madame" é um porre.

A estréia do diretor cearense Karim Aïnoux narra um pedaço da existência de um ícone da malandragem carioca. Na definição de uma das personagens, o sujeito é "mais doido que cão raivoso". Na Lapa dos anos 30, quem viria a se tornar Madame Satã é um carinha muito de mal com a vida que mora com uma prostituta e a filhinha dela. Ele bebe, toma drogas, briga, manda e desmanda. É um tirano. Uma de suas qualidades redentoras é que, apesar de ser negro, pobre e homossexual, ele não se vê como vítima. Não leva desaforo pra casa.

Ahn, isso é suficiente pra transformar alguém em lenda? Talvez lenda seja exagero. Aqui no Sul, aposto que quase ninguém ouviu falar na figura. Nos anos 80, quando eu vivia em SP, o nome dele era notório porque batizou uma das danceterias mais badaladas da época. A gente não tinha a menor idéia de quem havia sido o sujeito (não é o tipo de assunto que se estuda na escola), mas a boate era cult. Tentei ler um tiquinho da biografia de Madame pra não passar por ignorante total, e descobri que ele viveu 76 anos, 27 desses na prisão. Filho de escravos recém-libertados, ele foi trocado por uma égua na sua infância. Depois começou a fazer shows vestido de mulher, teve orgulho da sua marginalidade, foi entrevistado pelo "Pasquim", essas coisas. Como que eu sei? Li na internet, ué. O filme que leva o nome do mito não menciona nada disso.

Se o homem fosse super conhecido, como o Zumbi do Quilombo de Palmares, até que seria relevante mostrar seu surgimento. Mas não é. A gente sai do cinema sem compreender porque ele é importante. Porque se vestia de mulher? Porque já tomava drogas naquele tempo? Porque era bom na capoeira? O filme faz crer que ele é lendário porque a polícia não gosta dele. Eu devo simpatizar com um transgressor porque a polícia o odeia? É como querer que eu me apaixone pelo Saddam só porque o Bush o quer morto. Sinto muito, Saddam, meu coração pertence ao Thiago Lacerda.

O que me leva a mais questionamentos. Qual o propósito de "Madame Satã"? Tá certo que isso pode ser dito da maior parte dos filmes, mas ainda assim acho uma pergunta válida. É entreter? Não me faça rir. Emocionar? Não funciona. Revolucionar a sétima arte? Não sei não, já vi outras obras escuras com fotografia borrada feitas com a câmera na mão. Mostrar a biografia de uma pessoa famosa? Então deixaram esse pedaço na sala de montagem. Duvido que o objetivo do filme fosse dar sono, mas é nisso que ele se revela mais eficaz.

Claro que os atores estão bem, particularmente o principal, Lázaro Ramos, que fez a minissérie global "Pastores da Noite". Mas o roteiro não ajuda. Contam as más línguas que, quando o filme foi mostrado em Cannes, houve uma debandada de jornalistas durante a projeção, chocados com as cenas homossexuais. Confesso que as cenas também me deixaram um tanto constrangida. Não por serem homo. É o velho problema do sexo no cinema. Vamos supor que uma cinebiografia da Mae West, sei lá, mostre-a levando um homem pra cama. Entre vários closes de beijos com língua, a Mae diz pro cara, "põe a mão aqui, meu garanhão", e a câmera acompanha a ação da mão. Se a cena não tivesse o menor humor, você não ficaria um pouco envergonhado imaginando onde eles querem chegar? Nada contra sexo, pelo contrário. Mas sexo num filme geralmente paralisa a trama. E isso acontece inúmeras vezes em "Madame Satã", cuja trama já é bem paradinha por si só.

Sem falar que, pra mim, filme que termina com quilos de explicações por escrito revela uma das duas hipóteses: ou acabou a verba, ou o pessoal foi abatido pela preguiça. Mas vá ver "Madame" pra discordar de mim, pelamordedeus.

4 comentários:

Anônimo disse...

Pois eu vi Madame Satã e GOSTEI!
Discordo de voce LOLA!
O "POBREMA" é que não tenho argumentação ehehehehehe
hahahahahah......
Mas é uma questão de tempo.
Ainda defenderei o filme. Não vou defender o cara que se chamava madame Satã porque não se trata aqui de discutir se ele merecia um filme. A questão é: O cineasta fez bem o seu trtabalho?
Eu digo: SIM! O filme foi bem feito. O Lázaro está magnífico.
A transa dos dois homens foi algo que me chamou muito a atenção.
Negócio esquisito dois homens transando (peraí não estou condenando, muito menos dizendo que é feio, muito menos que é nojento, e muito menos que é pecado, coisas tais que são ditas
pelas pessoas que não tem o dizer de convincente e apelam)
DOIS HOMENS PODEM SE AMAR E TRANSAR.LÓGICOOOOOOOOOOO!
Mas eu tenho mais de meio século de vida, nasci e me criei num ovo de cidade. Nunca havia visto nem em cinema, nem na TV uma cena como aquela. É esquisito. Bom, embora esquisita a cena, foi FANTÁSTICA!
Defendo o filme e, quando tiver argumentos volto a ele ehehehe
Abraço da Fatima.
P.S: Achei de uma cretinisse o pessoal na Europa lá no festival, ter saído da sala. Achei um fricote, uma palhaçada,que afinal só deu mais notoriedade ao filme.
Ótimo que eles agiram feito babacas.

Anônimo disse...

UAUUUUUUUUUUU Cretinice com "ss" é
de doer!
Abraço da Fatima.
P.S.: Foi praga tua!HAHAHHHA

Deivid Evaristo disse...

Branca, hetero cis, classe média falando sobre um filme que representa a marginalização dos negros no contexto social brasileiro que sem terem nenhum outro tipo de opção na vida se veem fadados a destinos pré traçados. A criminalidade, a prostituição entre outros. O filme não sobre um herói. O filme não é para causar uma identificação. O filme é pra mostrar o que foi a maravilhosa abolição dos escravos. Todos eles se viram jogados para muito além da margem da sociedade sem perspectiva de vida e sem nenhum apoio do governo.
Mas é difícil se entender isso tendo nascido branca, com todas as portas abertas te esperando, com uma familia que não acabou de sair da senzala.
Ele foi uma lenda sim, para o bem ou para o mal. Mas acima de tudo isso ele representa tudo aquilo q a sociedade despreza. Gay, negro e ainda por cima travesti. Complexo não?

E sobre as cenas de sexo esse seu incomodo se condiz com o moralismo imposto pela socieade em relação a "santificação" do sexo, o sexo como uma relação intima e pura, o ponto alto do amor. Bullshit. O sexo é banal é casual, é sujo, é bom. As pessoas transam, as pessoas tem corpos. E esses corpos são escondidos por algum motivo pelo qual eu ainda não entendi.

Anônimo disse...

Obrigado pelo comentário Deivid. Quem escreveu nesse blog mostra exatamente do lugar que fala e o texto é horrível, feito por alguém com muita autoestima.