sexta-feira, 17 de outubro de 2008

CRÍTICA: À PROVA DE MORTE / O sonho de qualquer crash test

Três coisas que o Taranta parece gostar: pés, carros, e Kurt Russell.

Como parece que À Prova de Morte (Death Proof) não vai chegar ao Brasil de modo nenhum - já foi adiado duas vezes; tava marcado pra hoje e sumiram com a data de novo - decidi falar dele de qualquer jeito. Vai que tá saindo em vídeo. Já é hora! À Prova é uma das duas partes de Grindhouse, que o grande Quentin Tarantino fez com seu amigo Robert Rodriguez. Robert fez Planet Terror, Taranta filmou À Prova, e ambos inventaram alguns trailers hiper trash pra colocar no meio. Grindhouse, uma homenagem ao cinema sexploitation dos anos 70, foi lançado inteiro nos EUA, mas fracassou feio. Pelo jeito, ninguém fora a dupla tava com saudades de filmes trash dos anos 70.Eu não consegui nem ver o troço no cinema. Quando cheguei nos EUA, em agosto do ano passado, ele já tinha saído de cartaz (façam os cálculos: tem mais de um ano e meio que ele passou por lá, e nada de chegar ao Brasil). Pouco depois vi Grindhouse em dvd, e não gostei. Planet Terror não me agradou. Achei um trash puramente convencional, sem releituras, sem pós-modernismo nem nada. Se tivessem me contado que aquele filme é dos anos 70, eu acreditaria. Não vejo propósito em torrar dinheiro pra fazer um filme caríssimo que imite um trash. Passa qualquer trash daquela época que dá na mesma, ué. Além disso, os trailers inseridos no meio não me trouxeram boas lembranças. É tudo mal-feito, machista pra chuchu, com muita violência. Quando chegou a hora do filme do Taranta, eu já tava impaciente e de saco cheio. Meses depois, ainda em dvd, decidi rever só o do Taranta, À Prova, e ele funciona melhor desvencilhado do resto. Mas tá longe de ser um grande filme.A história é mínima. Amigas ficam conversando num bar. Surge o Kurt Russell, um sujeito misterioso que, descobriremos depois, é um total psicopata, com um jeito peculiar de matar suas vítimas. O ato final mostra três moças enfrentando o Kurt. E a verdade é que a trama me deixou um gosto ruim, de perversão, de maldade. As cenas de ação, dos acidentes automobilísticos, são o máximo, o sonho dos dublês. Mas esse quê de perversão me fez lembrar Crash, a produção do Cronenberg que mais odeio. O serial killer dublê certamente sente prazer sexual ao eliminar suas vítimas.Porém, pra quem adora o Taranta (como eu), À Prova oferece montes de toques tarantinescos e auto-referências, como a fixação com os pés, a presença do xerife caipira texano e seu “Son Number 1”, o ring tone do celular, que toca a musiquinha da cena do hospital de Kill Bill, carro amarelo, massagens nos pés, “chicks who love guns” (garotas que adoram armas, homenagem a Jackie Brown), e muitas outras que eu certamente deixei escapar, além de ótimos diálogos e trilha sonora, marcas registradas do diretor de Pulp Fiction. Há também referências a outros clássicos que não foram feitos por ele, tipo matar sem dó personagens centrais (à la Psicose), e fazer com que o rosto do Kurt demore a aparecer por inteiro, o que lembra Encurralado. Mas a maior inspiração vem mesmo de Corrida contra o Destino (Vanishing Point, 1971). Como eu não sou tão chegada a carros, confesso que Corrida me faz dormir. Mas tá cheio de homem que ama esse filme, e o Taranta é um deles.Já em seu primeiro filme, o bárbaro Cães de Aluguel, Taranta foi acusado de ser machista porque lá praticamente não há mulheres. Ele respondeu às críticas dizendo que o filme inteiro trata de um assalto, e os caras não levam suas namoradas a esse tipo de programa (deixando transparecer que quem assalta não é mulher). Mas essa reclamação deve ter mexido com ele, porque em Jackie Brown e Kill Bill, as mulheres são protagonistas absolutas. Em À Prova ele consegue fazer um filme machista tendo mulheres em papéis de enorme destaque. É machista porque, apesar da auto-confiança de algumas personagens femininas (e do final, puro girl power), elas acabam sendo vítimas, e da forma mais misógina possível. E não é engraçado deixar uma moça vestida de cheerleader sozinha com um caipira, aiinda mais logo depois de mencionarem estupro.Sem falar que uma das personagens até faz um lapdance no seu algoz (uma cena erótica, feita pra platéia masculina, tal qual a da Salma Hayek em Um Drink no Inferno). É o que a Laura Mulvey disse há trinta anos sobre o olhar masculino, o male gaze. Quando um diretor coloca em cena uma mulher fazendo um strip tease ou, no caso, uma dança erótica, e coloca um homem em cena olhando pra essa mulher, temos um olhar duplo: do personagem homem olhando e desejando a mulher, e do espectador homem olhando e desejando a mulher. É uma justificativa pra servir a mulher de bandeja pro público. E como tem inúmeros closes de bundas em À Prova, né? Faça-me o favor. O segundo maior fetiche é com os pés, o terceiro é com bundas. O fetiche principal é com carros mesmo.Mulheres auto-confiantes vão já já correr perigo.

25 comentários:

Giovanni Gouveia disse...

Já pensou na hipótese de Tarantino ser hiperbólico/expressionista pra provocar este tipo de sentimento?

Giovanni, bancando o advogado do diabo...

Rosangela Oliveira disse...

Lola, adoro o Tarantino, faço todo mundo assistir os filmes dele, mas esse não me empolgou muito mesmo. É uma pena, estou louca para um novo Kill Bill que já assisti mais de 10 vezes.

lola aronovich disse...

Gio, certamente o Taranta é bastante hiperbólico e expressionista...


Rô, eu também adoro Kill Bill! E cada vez que revejo o Volume 2 gosto mais! Mas veja o À Prova de Morte, sim. Tem muita coisa errada lá (inclusive diálogos intermináveis e até chatos), mas Taranta é Taranta... É o seu pior longa até agora, sem dúvida. Mas ainda assim vale uma olhada.

Anônimo disse...

Amo Tarantino, mas confesso que esse filme não tá me dando o menor tesão de assistir. Não curto filme trash por ser trash,gosto de filme que tem pretensão de ser sério, mas que é o maior lixão! rs (pergunta, já assistiu "A Geladeira Assassina" (anos 80)? Para mim é o maior trash dos últimos tempos.

Masegui disse...

Acho que Kill Bill, Volume 2 vai passar amanhã na Globo (supercine).

Anônimo disse...

A trilha sonora de A Prova é ótima.

E como assim você não gostou dos trailers? Adorei Thanksgiving!
Mas vai ver porque eu adoro filme trash, até já fui produtora de filminhos de zumbi super trash.

Tina Lopes disse...

Crash do Cronenberg é trash, né? Chega a fazer rir. Esse do Tarantino eu não faço questão não.

Anônimo disse...

Lola, estou adorando seus últimos posts todos, apesar da dificuldade de acompanhar seu ritmo. Não consigo achar a menor graça no Tarantino, não entendo os filmes dele, tem cor e violência demais pro meu gosto.

Serge Renine disse...

Cara Aronovich:

Para mim filme genial do Tarantino foi Pulp Fiction, pela originalidade da montagem, diálogos, interpretações, etc.
Os outros são sempre bons, mas nunca como esse, que, alem de tudo, revitalizou a carreira do ídolo da década de 70/80, John Travolta; isso foi um grande feito, feito esse que somente Pulp Fiction seria capaz. Devo dizer que depois o Tarantino se esvaziou, ou perdeu um pouco a mão. Ah, lembrei: tem antes do Pulp Fiction, o Cães de Aluguel, que não é genial, mas um excelente Tarantino.

Unknown disse...

Vi que o filme chega aos cinemas dia 05 de dezembro. Mas eu o baixei da internet e adorei, acho que gostei mais da segunda parte com as perseguições e tal.Também não achei o filme tão trash assim. Vamos torcer para que naõ atrasem a estréia de Inglourious Basterds.

Anônimo disse...

eu amo tarantino.e,antes do filme estar pronto,ainda projeto super alardeado,com inumeras entrevistas e bombando no imdb,eu tava louca pra ver.
mas depois que vi o poster e o trailer desanimei um pouco. mesmo com isso ai que o Giovanni falou,dele ser hiperbolico e tudo o mais que "quem ama conhece",eu realmente nao tenho muita paciencia pra esse tipo de tematica.
como voce disse,Lola,se é pra fazer igualzinho aos seventies,melhor passar um original da epoca mesmo.

lola aronovich disse...

Patricia, nem um pouquinho de tesão pra ver um Taranta legítimo? Mas entendo o que vc diz. Isso de fazer um filme caro e depois mexer pra que pareça trash... não sei qual é a vantagem. A Geladeira Assassina? Não, nunca vi. É legal?


Mario Sergio, opa, legal. Mas dublado e com intervalos comerciais não é a mesma coisa...

lola aronovich disse...

Débora, bom, os trailers eu só vi uma vez. E não me lembro de nenhum.


Tina, nem fala. O Crash do Cronenberg é realmente risível. Mas tem gente que me acha burra por não ter sacado a profundidade do filme, porque eles acham o filme super cabeça, sabe?

lola aronovich disse...

Cynthia, é, acompanhar meu ritmo não é fácil. Mas sinto falta dos seus comentários! Ainda mais sobre feminismo. Eu realmente adoro o Taranta.


Serge, Pulp Fiction é o melhor dele, embora eu adore Cães de Aluguel, Jackie Brown, e Kill Bill. Pra mim ele já fez quatro grandes filmes. Não é qualquer diretor que tem quatro filmes assim no currículo, né?

lola aronovich disse...

Clau, não acredito que eles marcaram mais uma data! Bom, tomara que saia. E aí, conseguiu ver o documentário do Michael Moore?


Pam, pois é, À Prova realmente não tá no mesmo nível dos outros filmes do Taranta. Não tá nem perto... E eu li que o filme (acho que o Grindhouse inteiro) custou 25 milhões de dólares. Mesmo que não seja um orçamento alto, pra um (ou dois) trash, é dinheiro que não acaba mais. Não dava pra fazer o filme por meio milhão de dólares mesmo? Ao invés de fazer e depois mexer um monte pra que ficasse com um visual trash? Não engulo isso.

Anônimo disse...

Nhá!
Ta guardado!
Mas valew pelas dicas!

Fiz um outro sobre tombos!
^^

Desse eu entendo!]
XD

Beijo!

lola aronovich disse...

Ah, que fofinho, Bobby! Fico feliz que vc não levou a mal! É que tinha bastante erro crasso naquele texto. Mas tenho certeza que já já vc escreve um novo, com toda experiência de vida que vc vem adquirindo. E de tombo eu também entendo...

Unknown disse...

Ainda naõ me sobrou tempo para procurar o filme pela internet e sem contar que a velocidade da minha conexão está lenta. Por acaso achei este site para assistir filmes online http://thepiratecity.org/index.htm, mas é necessário ter uma boa banda larga para ver os filmes.

Christina Frenzel disse...

Lola,
também sou fã do TArantino, mas também não me empolguei com essa viagem dele + Rodriguez, não.
Só gosto dos dois separados (tipo assistir 'Um drink no Inferno' em duas partes) rsrsrs

Beijocas

Cecilia Barroso disse...

Oi, Lola!
Que eu saiba esse filme não vai ser lançado em circuito comercial não. Ele foi separado para exibição somente em festivais.
Foi assim que eu vi, inclusive. No Festival Internacional de Brasília, com uma platéia cheia de mulheres completamente delirantes e atiçadas pela violência da película.
Tarantino é sempre muito bom! Ele sabe fuçar nas coisas que mais escondemos de nós.

Beijocas

michel disse...

Esse filme é muito ruim.

Anônimo disse...

Respeito a opinião de vocês terem achado o filme ruim. Mas apesar do filme ter vários closes no corpo das atrizes, o diretor consegui extrair carisma de todas elas, principalmente do quarteto final. Sobre um ponto aqui falado, a personagem de Mary Winstead provavelmente não seria estuprada pelo fato de as amigas dizerem que voltariam sem mencionarem em quanto tempo e o cara não seria tão imbecil pra destruir com a carreira dele, e se houvesse algum problema a personagem podia pedir ajuda pelo celular (ela tem créditos).

Se pode ser machista, pode sim. As duas dublês são bissexuais, isso seria obrigatório para derrotar o antagonista?

Uns amam, outros odeiam. Pra mim é um dos mais bacanas dele, ao lado de Cães de Aluguel.

Patty Kirsche disse...

Eu gosto de Vanishing Point... Tem algo de surreal num cara que só dirige e dirige e jamais se deixa conter preferindo a morte... haha Até serviu de inspiração para o clipe "Show me how to live" do Audioslave. Ficou legal.

Então, eu tinha achado que os closes nas bundas eram pra fazer um filme B mesmo... Mas tb não achei engraçado deixar a menina sozinha com o dono do carro emprestado, fora que a "amiga" dela diz pro cara que ela é atriz pornô. Quer dizer, convencer o cara a emprestar o carro em troca dum possível sexo fácil com uma atriz sem ter falado com ela.

E o psicopata é misógino mesmo. Uma das poucas vezes em que vi a palavra misoginia na imprensa foi nas descrições desse filme. O cara sente tesão matando mulheres e é horrível ver os primeiros assassinatos, principalmente o da menina que pega a carona com ele. O alívio é que as outras conseguem se defender.

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Na verdade o filme é mais sexista do que machista. Sexista porque aquelas garotas fazem o que querem e o pé atrás que elas tem com os personagens masculinos (e o primeiro quarteto confia justamente no pior).
Eu estranho que muita gente curte o falatório descontraído sobre lanches e massagens em Tempo de Violência, mas não curtam aqui o clima similar. Trash é assim: Papos com enrolação. Não dá pra dizer que é o pior do Quentin só pelo fato de ser uma paródia e tido uma produção simples. Django Livre teve uma produção excelente com roteiro previsível e todas piadas requentadas que o diretor já usou.
Quanto às dublês elas não eram bissexuais, só demonstraram amizade uma pela outra. Isso eu até pensei por causa da cena em que a Zoe se "oferece" como escrava sexual, mas foi em tom de brincadeira pra implorar algo pra amiga.
Também várias coisas no filme fazem sentido se tu pegar o contexto principal. O antagonista é de certa forma um estuprador, sentindo prazer encurralando suas vítimas e pelo jeito como ele trata as personagens de Rosario e Rose nas duas metades.
Na cena em que uma das garotas é deixada com o Jasper, concordo que seria incoerente ele ter forçado a barra. As garotas sabem onde ele mora, ela é uma atriz e poderia fingir interesse ou dizer que nunca estreou um filme (ele está mais interessado mesmo por imaginar que ela é experiente no ramo pornô), além de que forçar a barra acabaria com a carreira dele.