quarta-feira, 27 de novembro de 2002

CRÍTICA: FORA DE CONTROLE / Vingativos, esses americanos...

Eu até toparia ver "Scooby-Doo" se deixassem que meu belo cãozinho entrasse no cinema. Imagino que ele seja o público-alvo desse tipo de produção, não? Como eu não sou cachorro não, fui conferir "Fora de Controle". E quer saber? Não me decepcionei.

Este thriller urbano mostra o pior dia na vida de dois sujeitos. Um deles é interpretado pelo Samuel L. Jackson, que tenta conseguir crédito num banco para financiar uma casa e não se separar da família. Pra se reabilitar, ele freqüenta o AA. O outro é o Ben Affleck, jovem, bonitão, advogado de Wall Street, que precisa entregar uma procuração na corte. Aqui no Brasil, esses dois tipos nunca se encontrariam, ou se encontrariam, talvez, se o Ben atropelasse o Samuel, mas nos EUA ambos têm carro. Então eles batem na correria do trânsito. O Ben deixa um cheque em branco com o Samuel, que não o aceita, e vai embora. Sem querer, deixa também a pasta com a procuração. O Samuel perde sua chance de redenção ao chegar vinte minutos atrasado para um compromisso e, por vingança, recusa-se a devolver a pasta. Logo, o advogado procura um detetive (o deliciosamente malvado Dylan Baker, de "Felicidade") para acabar com o crédito do Samuel num clique do mouse. Os dois passam o resto do dia aprontando um com o outro. É como se fosse uma versão mais amarga de "Dois Velhos Rabugentos", com atores mais novos.

Gostei de muita coisa no filme – pra começar, o ritmo frenético que não deixa a peteca cair. Adorei quando o Samuel vai ao banco e, revoltado, pega o computador do gerente e o taca no chão. Queria fazer isso com o computador do meu gerente também, mas acho que seria presa. Lá nos EUA, o pessoal apenas olha feio pro Samuel. Ah, gostei das interpretações. O Samuel tá sempre bem, o que não se pode dizer do Ben. Mas aqui ele mostra que pode ser mais que um colírio (homenagem às minhas leitoras adolescentes).

Ok, agora que já elogiei "Fora" um monte, vamos aos problemas. Os personagens são inconsistentes e mudam demais de caráter. Parecem eu quando tô com TPM. E que é isso de advogado de Wall Street ter crise de consciência?! Pelamordedeus, há mais chance de um serial killer ter consciência pesada do que um tubarão de terno. Ele descobre que o chefe falsifica documentos e se desespera. Ahn, só por curiosidade, no que exatamente consistia sua rotina de trabalho até então? E se eu fosse o Samuel e um advogado me desse um cheque em branco, o que eu faria? Bom, seria super honesta, claro: me esqueceria de todos os problemas e começaria vida nova, desta vez na versão biliardária.

Enquanto o lema do filme é "o mundo é uma banana estragada", ou coisa assim, ele consegue ser eficaz. Na sua porção "Um Dia de Fúria", "Fora" segura as pontas, cria suspense, faz a gente torcer pros dois antagonistas. Porém, nos quinze minutos finais, quando a trama migra para "Corrente do Bem", a história realmente fica fora de controle. Vira aquela beterraba de sempre, com o fim previsível e forçado que estamos acostumados a ver em 99% das produções hollywoodianas.

Mas é interessante que o chefe do Ben diga pra ele que acredita fazer mais bem do que mal, num balanço geral. Um americano amigo meu vivia falando isso sobre o imperialismo ianque. Vai ver que este é o mantra deles. Quem sabe eles não repetem isso todas as noites antes de dormir, pra abater o sentimento de culpa? Não, não, é mais fácil um advogado ir pro céu que um americano se sentir culpado. Meu ódio será tua herança, já dizia o Peckinpah.

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