Pra começar, odeio o título original, Lakeview Terrace, que não só não vou acertar em mil anos, como também já confundi com "Plainview Palace" e todas as variações possíveis. "O Vizinho" é realmente uma versão bem mais simples, mas é tão sem graça...
O trailer faz crer que o problema do policial interpretado pelo Samuel L. Jackson é que seus novos vizinhos sejam um casal interracial. Ele aparentemente não gosta disso. Só não sei se isso está claro, se foi o que presumi, ou se li a respeito em algum lugar. Parece ser um bairro chique de Los Angeles, já que há uma bela piscina (sempre um bom indicador: aqui no meu bairro ninguém tem uma piscina dessas, no máximo aquelas de plástico de mil litros). E essa já á a primeira inversão: muitos negros vivem em bairros chiques? Difícil, já que o salário dos negros, nos EUA e no Brasil, é muito menor que o dos brancos (das negras, então, nem se fala. Um dia, quando reclamava disso numa aula de inglês, meus aluninhos adolescentes - brancos, of course - disseram: "Claro! Mas também, teacher, são todas empregadas domésticas!". Eles nem conseguiam se perguntar por que tantas negras acabam trabalhando como domésticas. Só pode ser porque gostam!).
A segunda inversão é que brancos costumam se incomodar muito mais com casamentos interraciais que negros. Ou pelo menos têm mais poder pra fazer algo contra. A terceira? Vejamos... há mais brancos racistas ou negros racistas? (Na casa onde vivo, antes de mim morava uma família negra - que nunca conheci, já que adquiri a residência numa imobiliária. Praticamente todos meus vizinhos - brancos - já apontaram esse fato importantíssimo pra mim. Quase sempre é assim: "Sabia que a sua casa era pintada de amarelo? Coisa de preto!". Em contrapartida, pintei as paredes externas de laranja. E o pior é que fica lindo). Quarta inversão: quem costuma atazanar a vida de vizinhos de outra cor, brancos ou negros? Não faz muito tempo que um negro nem poderia se mudar pra uma vizinhança branca. É coisa recente, de quarenta anos pra cá. Ah, sim, e tem a quinta: é corriqueiro policiais brancos destratarem pessoas negras, não o contrário. Aliás, "destratar" é um termo educado pra descrever como a polícia lida com a população negra, tanto nos EUA quanto aqui.
Tudo isso me faz supor que o filme seja racista, mas não posso decidir por conta de dois minutinhos de trailer. O roteiro parece ter consciência de que está mexendo num vespeiro, como mostram algumas auto-referências, como o Patrick Wilson (excelente ator de Menina Má.com e Pecados Íntimos) dizendo pro Samuel que quase morreu de susto, e o Samuel replicando "Imagine that" (algo como "difícil de imaginar", já que está sendo sarcástico, certo?). Ou seja, ambos sabem que um branco terá medo de um negro se aproximando do seu carro. Ou o advogado falando do "color issue", da "questão da cor" - que, nesse caso, segundo ele, é azul (por Samuel ser um policial). O problema é que, independente da profissão do Samuel, a questão da cor, nos EUA, sempre virá em primeiro lugar. E o trailer, bem no meio, finge que a profissão é o conflito determinante. Isso de "quem você vai chamar se precisar de proteção contra um policial?" não cola, porque o Patrick tem problemas com o Samuel desde o início. E mesmo que o trailer dê a entender que o Patrick se descontrola, quem começa tudo (quem é o vilão da história) é o Samuel. E não por ser policial, mas por ser racista. Portanto, essa mudança de rumo na metade não pega bem.
Tirando o teor racial, o filme me lembra um outro com título estranho, Pacific Heights, que aqui chamou-se Morando com o Perigo. Era um em que o inquilino Michael Keaton jogava baratas no apartamento da Melanie Griffith, não sei se você lembra. Não dá pra negar: essas tramas são interessantes porque estão próximas a nossa realidade (tirando a piscina espetacular com palmeiras). Mas um filme como O Vizinho perigosamente flerta com o racismo. Espero que o Samuel, que é um ator inteligente, não tenha se metido numa sinuca dessas sem querer.
Pra piorar a situação, há todo um contexto: estamos no meio de uma eleição americana histórica, em que a "questão racial" não foi esquecida um minuto sequer. É forte a paranóia de brancos racistas ao redor do cenário "como os negros reagirão a uma derrota do Obama?". Há bastante gente temendo tumultos. Afinal, os EUA têm muitos loucos pensando que haverá uma revolução em que "blackie will kill whitie". Palavras do Charles Manson. Bom, pelo menos o trailer me deixou com vontade de ver o filme (que estréia no Brasil dia 21 de novembro, e que liderou a bilheteria nos EUA na semana passada). Nota 4.
O trailer faz crer que o problema do policial interpretado pelo Samuel L. Jackson é que seus novos vizinhos sejam um casal interracial. Ele aparentemente não gosta disso. Só não sei se isso está claro, se foi o que presumi, ou se li a respeito em algum lugar. Parece ser um bairro chique de Los Angeles, já que há uma bela piscina (sempre um bom indicador: aqui no meu bairro ninguém tem uma piscina dessas, no máximo aquelas de plástico de mil litros). E essa já á a primeira inversão: muitos negros vivem em bairros chiques? Difícil, já que o salário dos negros, nos EUA e no Brasil, é muito menor que o dos brancos (das negras, então, nem se fala. Um dia, quando reclamava disso numa aula de inglês, meus aluninhos adolescentes - brancos, of course - disseram: "Claro! Mas também, teacher, são todas empregadas domésticas!". Eles nem conseguiam se perguntar por que tantas negras acabam trabalhando como domésticas. Só pode ser porque gostam!).
A segunda inversão é que brancos costumam se incomodar muito mais com casamentos interraciais que negros. Ou pelo menos têm mais poder pra fazer algo contra. A terceira? Vejamos... há mais brancos racistas ou negros racistas? (Na casa onde vivo, antes de mim morava uma família negra - que nunca conheci, já que adquiri a residência numa imobiliária. Praticamente todos meus vizinhos - brancos - já apontaram esse fato importantíssimo pra mim. Quase sempre é assim: "Sabia que a sua casa era pintada de amarelo? Coisa de preto!". Em contrapartida, pintei as paredes externas de laranja. E o pior é que fica lindo). Quarta inversão: quem costuma atazanar a vida de vizinhos de outra cor, brancos ou negros? Não faz muito tempo que um negro nem poderia se mudar pra uma vizinhança branca. É coisa recente, de quarenta anos pra cá. Ah, sim, e tem a quinta: é corriqueiro policiais brancos destratarem pessoas negras, não o contrário. Aliás, "destratar" é um termo educado pra descrever como a polícia lida com a população negra, tanto nos EUA quanto aqui.
Tudo isso me faz supor que o filme seja racista, mas não posso decidir por conta de dois minutinhos de trailer. O roteiro parece ter consciência de que está mexendo num vespeiro, como mostram algumas auto-referências, como o Patrick Wilson (excelente ator de Menina Má.com e Pecados Íntimos) dizendo pro Samuel que quase morreu de susto, e o Samuel replicando "Imagine that" (algo como "difícil de imaginar", já que está sendo sarcástico, certo?). Ou seja, ambos sabem que um branco terá medo de um negro se aproximando do seu carro. Ou o advogado falando do "color issue", da "questão da cor" - que, nesse caso, segundo ele, é azul (por Samuel ser um policial). O problema é que, independente da profissão do Samuel, a questão da cor, nos EUA, sempre virá em primeiro lugar. E o trailer, bem no meio, finge que a profissão é o conflito determinante. Isso de "quem você vai chamar se precisar de proteção contra um policial?" não cola, porque o Patrick tem problemas com o Samuel desde o início. E mesmo que o trailer dê a entender que o Patrick se descontrola, quem começa tudo (quem é o vilão da história) é o Samuel. E não por ser policial, mas por ser racista. Portanto, essa mudança de rumo na metade não pega bem.
Tirando o teor racial, o filme me lembra um outro com título estranho, Pacific Heights, que aqui chamou-se Morando com o Perigo. Era um em que o inquilino Michael Keaton jogava baratas no apartamento da Melanie Griffith, não sei se você lembra. Não dá pra negar: essas tramas são interessantes porque estão próximas a nossa realidade (tirando a piscina espetacular com palmeiras). Mas um filme como O Vizinho perigosamente flerta com o racismo. Espero que o Samuel, que é um ator inteligente, não tenha se metido numa sinuca dessas sem querer.
Pra piorar a situação, há todo um contexto: estamos no meio de uma eleição americana histórica, em que a "questão racial" não foi esquecida um minuto sequer. É forte a paranóia de brancos racistas ao redor do cenário "como os negros reagirão a uma derrota do Obama?". Há bastante gente temendo tumultos. Afinal, os EUA têm muitos loucos pensando que haverá uma revolução em que "blackie will kill whitie". Palavras do Charles Manson. Bom, pelo menos o trailer me deixou com vontade de ver o filme (que estréia no Brasil dia 21 de novembro, e que liderou a bilheteria nos EUA na semana passada). Nota 4.
4 comentários:
Tá me lembrando uma briga de vizinhos de Disney, com Donald e João Bafo de Onça, que montam até arquibancadas pra assistir a briga...
Gio, obrigada por ser o único a deixar um comentário no meu textinho...
Apostei cem doletas que o Obama perde, isso já há mais de 3 meses atrás, quando a mídia estava fazendo aquele carnaval.
Só que a população americana tem grande número de afro e latinos. Pro Obama perder, eles teriam que votar no Batata Frita ou não votar.
Donde se conclui que...
Os números sobre a população estão errados. A maioria dos EUA ainda é, em essência, WASP. :-/
Salve. Tem um filme dos anos 1980/1990, que aborda o drama de um casal negro, daqueles que aparentemente se parecem com brancos, tipo O diabo veste azul, que se mudam para um bairro só de brancos. Até que são descobertos e o bicho pega pro casal. Assisti nos tempos de locadora VHS. Esqueci o título e gostaria de revê-lo.
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