quinta-feira, 12 de junho de 2008

NO MEU SCHEMATA OU NO SEU?

Não sei se são boas lembranças, mas essas duas crônicas curtinhas que coloco aqui são de 2002, eu acho, quando estava estudando pras provas de seleção do mestrado. Juro que o tema continua intrigante, porque tem a ver com a discrepância entre o que escrevemos e o que é entendido. E conta com a participação especial do maridão, sempre uma garantia que a conversa não será muito séria.

NO ESQUEMA

Já que ando muito entretida com os estudos para a seleção do mestrado, tenho que falar neles. Desculpem, meus incansáveis nove leitores, prometo que se passar falarei de coisas mais interessantes, como dos alunos bonitinhos da UFSC que certamente visitarão meu apê para tratar de assuntos intelectualmente estimulantes. Mas, pra atingir este meu objetivo, antes preciso me dedicar aos temas áridos que cairão nas provas. Agüentem comigo que talvez vocês aprendam alguma coisa. Sim, sim, sei que, se fizessem uma pesquisa com a questão "qual o lugar mais improvável para se aprender algo?", minha coluna ganharia disparado. Voltando, estou lendo troços esquisitos que levam o nome pomposo de schema theory. Teoria esquemática ou sei lá o quê, por favor, já faço demais em me lembrar do nome em inglês. Antes que eu diga schemata e alguém responda "saúde", quero esclarecer que é assim que os especialistas chamam o conhecimento prévio que trazemos ao ler um texto. Eles afirmam que o autor do texto contribui menos para sua compreensão que o próprio leitor. Chegam ao cúmulo de apregoar que qualquer texto, falado ou escrito, não carrega significado próprio, e que este significado só é dado por cada leitor. Acho que concordo com eles, com uma emenda: tudo bem, nenhum texto carrega significado próprio, com exceção dos lolísticos. Os meus estão cheios de significado, como se pode notar.

Essas descobertas me deixam feliz da vida, pois me eximem de qualquer responsabilidade. Como a compreensão de um texto é um processo interativo entre um leitor e seu conhecimento prévio (você não adora essa linguagem?), o negócio é o seguinte: se alguém lê minhas colunas e não gosta, obviamente o problema é com ele, que não entendeu nadica, não comigo. Agora, se você, meu amado e fiel leitor, lê e gosta, não só você é um poço de sabedoria: eu também sou culpada. Sacou? Não perca, no próximo emocionante capítulo, a reação do maridão quando sussurrei schema theory no seu ouvido (no dele, leitor!).

ESQUEMAS SUSSURRADOS

Quem apostou que, quando sussurrei schema theory no ouvido do maridão, ele respondeu "é a mãe" ou "cai fora", errou feio. Ele disse simplesmente "devo estar tendo um pesadelo", já que estava dormindo, pra variar. Ele vive em estado vegetativo, sabe como é. Mas esse negócio de conhecimento prévio que o leitor traz pro texto é deveras fascinante. Olha só, se você lê uma frase como "o policial ergueu o braço e parou o carro", o que você interpreta? Você vai usar sua bagagem cultural pra lembrar como age um guarda de trânsito, e imaginar que o policial deteve um motorista. Eu posso achar que o desodorante do policial tava vencido, mas isso não vem ao caso. Agora, se a gente supor que o policial é o Super-Homem, a frase muda completamente de figura, né? Aí podemos imaginar que o carro não tinha motorista, que estava desgovernado e que o Super, com sua força, segurou o veículo antes que se esborrachasse no chão. Aproveitei um dos raros momentos em que o maridão estava acordado pra comentar esse exemplo com ele. Ele discordou:

– Que bobagem! O Super-Homem não levantaria o braço pra parar um carro. Ele estenderia o braço.

– Ihhh... Visivelmente, você não tem schemata sobre o Super.

– Quem te indicou esse texto? 'Cê tá ruim de amigo, hein?

Vamos ignorar as observações do energúmeno e ver outra ilustração. Também a narrei pro maridão:

– Amor, se você lê o texto "Maria ouviu o homem do sorvete vindo na sua rua. Ela se lembrou do dinheiro que havia recebido de aniversário e correu até sua casa", o que você vai pensar?

– Que Maria é uma criança. Que o sorveteiro tem um carrinho com sino ou coisa assim. Que Maria correu pra casa pra pegar o dinheiro e comprar sorvete.

– Pois é. Boa parte das pessoas compreenderia desse jeito. Mas depende de cada leitor. Sabe como eu interpretei o texto?

– Como?

– Eu pensei, esse sorveteiro é o maior ladrão, e Maria correu pra casa pra esconder o dinheiro.

– Você é doente.

Este é o maridão, sempre me apoiando nos estudos.

10 comentários:

Clecia disse...

Texto muito interessante! Gostei das crônicas. Concordo que cada leitor traz um conhecimento prévio sobre sobre um assunto. A interpreatação pode mudar. Tudo depende deste tal conhecimento prévio. Mas também há aqueles leitores que pouco sabem, não é mesmo? É bem relativo. Parabéns pelo post. Um abraço e um ótimo dia!

Silvio Cunha Pereira disse...

Essa história de policial tá muito mal contada. Quando aparece o Super-Homem então...
Imagina se voce está dirigindo e aí um carro de policia manda voce parar e dele sai um sujeito com ceroula azul e cueca em cima da calça.
Tô fora.

Unknown disse...

Gostei dessa teoria. E como foi a prova de seleção?

Gisela Lacerda disse...

Oi, Lola, passando aqui correndo-voando pra te dizer que assisti a um ótimo filme ontem: 'Antes que o diabo saiba que você está morto' do veterano (e sumido) Sidney Lumet. E olha que eu nem me lembrava dos filmes dele, até que vi que ele dirigiu "O Veredito", maravilhoso, com o Paul Newman.
Bjs

lola aronovich disse...

Oi, Clecia. Fico feliz que vc gostou. A teoria diz (o que me lembro dela) que a interpretação de um texto é muito mais fácil se ele fala de um assunto que a gente já conhece. E não só texto escrito, mas texto falado também. Sabe quando a gente abre uma porta e pega uma conversa no meio? Demora um tempinho pra gente se situar, até saber do que o pessoal tá falando. E se já é complicado na nossa língua materna, imagina nas estrangeiras... E nesse assunto entra um outro que me interessa ainda mais, que é a ironia. Como saber que alguém tá falando/escrevendo a sério ou não? Acho que preciso escrever um breve post sobre ironia.

Silvinho, meu lindo, continuo com a mesma opinião de anos atrás: vc não tem schemata pra super-homem!

lola aronovich disse...

Claudemir, ish, as provas de seleção do mestrado... Isso rendeu uns 3 outros posts. Algum dia eu os coloco aqui. Mas eu passei, que é o que importa. E bem colocada o suficiente pra conseguir bolsa.

Gi, obrigada por avisar. Eu deveria escrever alguma coisa sobre Antes que o Diabo Saiba que Vc Está Morto. Mas vi faz tanto tempo que não lembro de muito. Só se eu fiz anotações em algum lugar. Vou procurar.
Ah, eu também amo O Veredito...

Nita disse...

gostei muito das suas crônicas e realmente acho que depende do leitor o significado do texto.
você já deve saber, mas caso não saiba, eles estão mudando várias regras ortográficas do português, gostaria de saber o que você acha disso.

lola aronovich disse...

Li sobre as reformas faz um mês e até comentei num outro blog (acho que foi no da Ollie, Metamorfoses do Psiquê. Ela escreveu um bom post sobre o assunto). É sempre difícil se adaptar às reformas de qualquer coisa, mas se é pra unir um pouco mais a língua portuguesa, concordo. Pra nós do Brasil não vai mudar muito (a trama já vai tarde), mas pros portugueses muda bastante, e eles estão chiando.

Anônimo disse...

Amei o texto!!!
Fiquei meio confusa com o policial, provavelmente sairia correndo, mas na menininha e o sorvete, Lola, dear, you've got problems rsrsrss ;)

Beijocas

Anônimo disse...

Adorei a parte em que falou da schemata. :o) Escutei este termo há muito tempo, em uma aula de sociologia. É bem isso...

Abraço pra vc!