Ai, não gostei nadinha de Agente 86, mas pelo menos não fui a única. Um crítico chamou a comédia de “The Spy who Bored Me” (“O espião me me chateou”, num trocadilho com o 007 The Spy who Loved Me). Outro disse que o filme não nos faz tirar o sapato e ligar pra casa, pra recomendá-lo pro pessoal. Um fã da série reclamou da decepção que o treco lhe causou: “é como esperar um novo álbum dos Beatles e receber um da Yoko Ono”. Mas, sei lá, vamos admitir: tem coisas que parecem fofinhas pra gente porque nos lembram da nossa infância. Mas elas não eram tão maravilhosas assim. É o caso de Speed Racer, e da série de TV que inspirou Agente 86. Eu nem me lembrava que era da autoria do Mel Brooks, mas ela tinha claque. Tá, Seinfeld também tinha, e deve ser por isso que não posso considerá-la um supra-sumo. Claques são uma ofensa a minha inteligência, ou pelo menos ao meu senso de humor. Elas indicam que eu devo rir naquele exato momento. Se eu achar engraçado eu rio sozinha, ora!
Agente 86, o filme, não tem claque, mas é como se tivesse. As piadinhas são telegrafadas (e as melhores estão no trailer, que cri-critiquei aqui). Havia um carinha na sessão que fui que eu convidaria pra ser parte da minha platéia-teste, se eu fizesse uma comédia. Ele ria de praticamente tudo. Bala de paintball na calça? Hahaha. Steve Carrell se auto-flagelando no banheiro do avião? Huhuhu. Casal de agentes dando de cara num muro? Ióióió. Mas nem com esse sonho de espectador todas as gags funcionaram. Na do Steve segurando o ator que fez o produtor de Borat e simulando um ato sexual, o sujeito não riu. E olha que Agente 86 é a espécie de produto que perde o amigo, mas não perde a piada. Faz de tudo pra arrancar uma gargalhada da platéia. Tipo: o personagem do Dwayne Johnson bater com o nariz na parede. Não tem nada a ver com ele. A gente espera que o Steve, sim, dê com a cara na porta, não o Dwayne. E aproveitando que estou falando do The Rock, nunca pensei que iria dizer uma coisa assim na minha vida inteira, mas gostei dele. Acho que ele leva jeito como ator cômico, e seu rosto é uma graça (seu corpo também não é de se jogar fora, claro, pra quem gosta de músculos). Sua primeira aparição, em câmera lenta, todo charmoso, é um código pra que a gente o ache gostoso, já que movimentos em câmera lenta objetificando o corpo são reservados a mulheres. E aí ele bate na parede.
Um dos inúmeros problemas desta comédia é que ela precisa se decidir: o Agente 86 é um super carinha bem-treinado e competente a serviço do governo americano (como ele aparenta ser na paródia à Armadilha, Missão Impossível e quetais – quando ele tem que passar por uma sala cheia de raios infravermelhos), ou um trapalhão incapaz? Difícil ser ambos. O filme às vezes tenta levar a trama de espionagem a sério, o que é uma estupidez. Isso de encher a tela de legendas como “Washington DC 22:00 horas” é cansativo e não serve a propósito nenhum, fora remeter a Ultimato Bourne. Mas sabe, os russos só continuam sendo inimigos número 1 dos americanos em Hollywood. Ainda que Agente mencione Coréia do Norte e nossa vizinha Venezuela como vilãs, a encrenca é mesmo russa (soviética, até!). Por outro lado, é legal que eles tenham filmado em tantos lugares e desperdiçado bem os 80 mihões de dólares que custou o negócio. Quando apareceu a Praça Vermelha em Moscou, por exemplo, eu não me contive e sussurrei pro maridão: “eu já escorreguei aí!”. Mas no fundo a comédia é como todas as portas que se abrem na entrada da organização ultra-secreta: um monte de engenhocas que não dão em nada.
E, além de homofóbico, o filme é também gordofóbico. Há várias conversas sobre o terror dos carboidratos, que são pintados como uma ameaça muito mais séria que qualquer bomba atômica. Steve, como o agente 86, mostra várias vezes uma foto sua de quando estava acima do peso (e há flashbacks em que ele, gordo, não consegue superar obstáculos, e vai mal nos treinamentos – porque não existe chance no mundo de um gordo ser atlético). Ele tem pesadelos em que volta a ser gordo, e come qualquer alimento como um desesperado. Aprendemos duas verdades indiscutíveis sobre gordos – que são fisicamente incapazes, e que comem demais. Ainda bem que o filme martela isso, já que a gente podia esquecer. E há tambem uma cena em que uma russa gorda numa padaria sugere transar com Steve, e ele recusa, assustado. Ele pega uma gorda pra dançar, numa espécie de competição em que a Anne Hathaway ganha fácil. Sobre a personagem da Anne, ficamos sabendo que ela passou por uma cirurgia plástica que lhe deu novas feições e nova identidade, pra que ninguém reconhecesse a versão antiga. Então por que a gênia carrega com ela uma foto de como era antes? O mundo livre tá na mão desses superdotados intelectualmente?
Como eu já disse, quem se sai melhor é o Dwayne. Mas gostei do Alan Arkin na maior parte das cenas. O pobre Terence Stamp tá completamente desperdiçado. James Caan surge uns dois minutos como presidente americano (sempre um papel ingrato) e parece estar se divertindo. E acho que o Bill Murray tem uma pontinha não creditada que – bom, só vou dizer que compreendo perfeitamente que não seja creditada, pra não manchar sua carreira. Vai que a gente o confunde com o velhinho Creed do The Office americano (foto)?
O clímax do filme se dá no auditório Disney Hall, na Califórnia. Quando surgiu na tela aquela construção pavorosa, eu pedi: “Por favor, Deus, permita que os terroristas a explodam”. Aquilo sim é um atentato à humanidade. Mas Agente 86 não fica muito atrás.
11 comentários:
eu passei a gostar do ex-the rock, dwayne johnson, em "be cool - o outro nome do jogo". lá ele também fazia um papel diferente do que a gente imaginaria para uma montanha de músculos.
:)
Nem me lembro dele no Be Cool! Aliás, nem me lembro de Be Cool. E olha que escrevi sobre o filme... Deixa eu ver se consigo colocar link dentro dos comentários. Tá aqui.
tá aqui.
Ok Lola, Agente 86 deve ser ruim mesmo e eu não discuto isso! Mas isso não justifica você chamar o Disney Hall de pavoroso! É uma obra sensacional do maior arquiteto americano vivo (que já fez umas porcarias, mas não é o caso desse projeto). Não chega aos pés do Guggenheim de Bilbao, mas é bem bacana!
Vamos nos ater a falar mal dos filmes! :P
Lendo o que você fala sobre a gordofobia, lembrei de um amigo que escreveu que ser gordo é considerado o pior defeito que uma pessoa pode ter, porque a nossa sociedade contemporânea tem a imagem de que só é gordo quem quer. Por isso, se você é gordo, é porque é desleixado e não se cuida...
Lola, vc me deu muitos motivos pra não assistir esse filme, credo!!!
E concordo com o Leo que ser gordo é considerado o pior defeito que alguém pode ter. e agora, vc viu né, ainda responsabilizam os gordos pela falta de alimentos...
E eu tentei votar, Lola, mas não consegui, deu a mensagem: impossível processar sua solicitação. Amo Almodóvar, acho dificil escolher, eu vi qse todos da lista, mas se é pra votar, eu ficaria com a flor do meu segredo
Beijos
Ish, ofendi os arquitetos agora! Imagino que esse Disney Hall deve ser uma obra famosa, mas, pros meus olhinhos de leiga, é uma construção horrenda. É só o meu gosto. Tenho certeza que muitos acham essa obra a oitava maravilha do mundo, mas, pra mim, ela parece um prédio de lata depois que um Cloverfield pisou nela. É meio Transformers, né? E isso que a foto que peguei nem é a que tem o pior ângulo...
E isso que o seu amigo falou eu sinto tb. Ser gordo é visto como uma questão de escolha. Eu sou gorda, apesar de não comer mais que ninguém e de andar bastante, mas se falhei nas mil e uma dietas que tentei na vida, é porque eu sou uma loser, fracassada, sem moral, sem força de vontade pra ter persistido. Como se TODO gordo não tentasse TUDO pra emagrecer. Se pra deixar de ser gordo fosse só fazer o que se manda - fechar a boca e se exercitar - não existiria gente gorda no mundo. Porque ninguém quer ser gordo. O preconceito contra gordos é enorme.
Ontem eu escrevi um ou outro comentário no blog da Lu. Se vc não conhece, deveria conhecer. Ela é bi, e escreveu um post sobre se ser gay é uma escolha ou biológico. E eu comparei com ser gorda. Agora que sei fazer links nos comentários, ninguém me pára mais!
Tá aqui.
Nalu, eu também não estou conseguindo votar na enquete pelo meu blog no Explorer. Mas no Windows não deu problema. Não sei o que está acontecendo... Mas eu pensava que era o meu Explorer, e só nesse laptop.
Sobre os gordos, é, tá na moda culpá-los por tudo que acontece de ruim no mundo. É ridículo.
Parece que a sociedade precisa de um inimigo público, né? É a vez dos gordos.
Lola, eu concordo com você em quase tudo. Gostei do Dwayne, que nunca tinha visto em filme nenhum (que eu lembre), mas mandou bem.
Também acho que tiraram a graça da incompetência do 86 quando colocaram ele espertinho e lutador. Que é isso? esse não é o "meu" 86?
A gordofobia é podre. Já percebeu que todos os marginalizados (não minorias) conseguem algum espaço na mídia, menos os gordos? me deu preguiça de escrever sobre isso no blog, depois da overdose de Sex and the City que eu tive dia desses hehehe...
Agora, sobre o Disney Hall, fiquei dividida. Quando vi, pensei que é muito bonito, mas já estou enjoando dessas coisas do Frank Gehry.
Quando vi o Guggenheim de Bilbao pirei. Depois fui ao Museu da Ficção Científica, em Seattle e fiz fotos (modésita à parte) lindas, olha aqui:
http://sindromedeestocolmo.com/archives/2006/09/museu_da_ficcao.html/
Fiquei deslumbrada com o Museu que também tem o da Música ao lado. Mas quando vi outra obra dele, imediatamente identificãvel, lá no filme, já pensei... de novo?
Tá meio mais do mesmo. Mas, continuo achando o resultado lindo.
Ah e ADOREI ver a cabine e o sapato no filme :-)
Beijão!
Denise, o gordo é o alvo preferencial da sociedade hoje. Em círculos mais "evoluídos", pega mal discriminar e xingar gays e negros (se bem que ainda se faz, amplamente), mas fazer isso com gordos tá liberado. Ainda quero escrever mais sobre isso.
Vi suas fotos de Seattle, muito bonitas mesmo. Mas aquele monte de metal contorcido não me atrái não. Fiquei surpresa quando vc escrever que 1,25% da população de Seattle mora nas ruas! Eu já achei que tinha homeless demais em Washington DC...
Eu gosto de DC. Dos parques, das praças, e dos muitos museus. O Smithsonian é tudo!
E aí, já decidiu pra onde vai se mudar? Tô curiosa!
Ai, ai... tomara que a tentativa de re-inventar a Pantera Cor-de-Rosa tenha morrido, e enterrada.
Não gosto destes revivals, tirando raríssimas exceções (King King, por exemplo).
Nossa, como estou azeda para uma segunda-feira...
Beijos
Eu também não gosto de revivals, Chris, mas até parece que eles vão deixar de acontecer. Jamais! Eles podem ser uma mina de ouro.
Eu não gosto nem de remakes. Mas a gente pensa que eles são um fênomeno recente e se esquece que o pessoal nos anos 50 já tava refilmando clássicos dos anos 30... E que o pessoal dos anos 30 refilmava filmes mudos, agora falados! Aquele negócio de "nada se cria, tudo se copia" realmente tem razão.
Vc não está TÃO azedo pra uma segunda, Chris. Até foi doce e me elogiou no post anterior!
O problema desse remake– e de muitos outros– é que ele rompe com a maior parte dos códigos do original. Nesse caso, por que não admitir que é uma nova estória, com novos personagens? Por razões comerciais, é claro.
Veja que o Maxwell Smart original é um idiota full-time e presunçoso coadjuvado por uma equipe ainda mais idiota, a ponto de ser ele o agente mais capaz da organização. Os quase-normais 99 e chefe lhe dão credibilidade e são as escadas preferenciais das suas gags; a confiança que depositam naquele néscio é parte essencial da graça. Os bandidos são igualmente imbecis [o Siegfried original é impagável].
Nada disso aparece no remake; encheram o filme de clichês– gordo/nerd/redenção do herói que caiu em desgraça. Que comédia resiste a uma fila de clichês?
Sobre a atualização dos conflitos políticos, dá pra imaginar um roteiro hollywoodiano ridicularizando a "guerra contra o terror" e pintando homens-bomba como idiotas engraçados em pleno macartismo anti-wikileaks?
Postar um comentário