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sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

CRÍTICA: CISNE NEGRO / Medo da própria sombra

O reflexo do espelho não reconhece a protagonista

Cisne Negro me fisgou desde a primeira cena, que é o sonho de Nina (uma excelente Natalie Portman, no seu melhor e mais ousado trabalho desde Closer). Já começa com uma visão perturbadora: ela dançando, cheia de medo, enquanto seu parceiro se transforma num cisne negro que parece muito mais que um inocente cisne. Parece um monstro. Esse jeito da câmera focar unicamente na atriz, muitas vezes em close extremo, e ignorar os perigos a sua volta, só aumenta a tensão criada neste terror psicológico. E Darren Aronofsky (que nome bonito e familiar!) mantém essa tensão do começo ao fim. É o terceiro filme incrível do jovem diretor. Acho que ainda gosto mais de Réquiem para um Sonho, uma história assombrosa sobre vícios. O Lutador, que comparado a essas duas obras pesadas é até light, é sobre os sacrifícios que um cara não muito estável inflige ao corpo. Nesse sentido, Cisne é parecido.Mas nenhuma de suas outras obras lida com repressão sexual, que é o mote de Cisne. Nina faz uma bailarina esforçada e muito frágil emocionalmente. Ela mora com a mãe (Barbara Hershey, perfeita), que a controla através de uma tática meio morde e assopra. Nina é instigada sexualmente por dois personagens, o diretor do balé (Vincent Cassell, o mafioso gay de Senhores do Crime; e todo mundo sabe que ele é casado com a Monica Bellucci há doze anos), e Lily, a bailarina segura de si (Mila Kunis, lindona, de Psicopata Americano 2. Ela esteve casada com o Macaulay Culkin por oito anos, então podemos dizer que Vincent tem muito mais sorte no amor que ela). A partir do momento em que Nina é alçada à primeira bailarina da companhia, ela entra num espiral autodestrutivo.Se já é estranho viver com uma mãe controladora quando se é adulta, mais estranho ainda é que o quarto de Nina seja infantil, cor de rosa e cheio de bichinhos felpudos (incluindo um enorme coelho rosa bloqueando a janela). Isso não deve fazer nada bem, psicologicamente falando. Essa mãe manipuladora não aparece muito, mas a cena que diz tudo sobre ela é aquela em que ela compra um bolo pra comemorar, e a filha quer só um pedacinho, e então ela, mãe, ameaça jogar o bolo no lixo. Não entendi quando ela diz “Você está pronta pra mim?”. Isso me lembrou a mãe de Preciosa, que de fato abusava sexualmente da filha. Não vejo isso em Cisne, mas ainda assim é esquisito. De todo modo, a mãe tem outras falas de duplo sentido, como quando lamenta não ter sido convidada para a festa: “Acho que o diretor queria você só pra ele”. E dá calafrios quando Nina liga pra ela, do banheiro, e diz, “Ele me escolheu”. Sabe, ela podia ter dito “Consegui!”, “Fui escolhida”, “Eu serei a Rainha Cisne”, com foco nela. “Ele me escolheu” põe o foco nele, e claro que tem conotação sexual. Tem até um ar de competição com a mãe nessa frase.Ao mesmo tempo, no começo, antes da cena do bolo (quando vemos seu real potencial de manipulação), a mãe até se esforça para ser boazinha. Ela diz que a filha merece o papel, e defende a menina (que é Lily, mas ela não sabe) que interrompeu o teste de Nina, “Tenho certeza que ela não quis fazer isso”. Mas o seu lado ruim já está posto na edição. Observe como o filme encerra a primeira sequência com ela: enquanto abraça a filha, ela, a mãe, olha pro espelho. Mas não vemos seu reflexo no espelho. Vemos Nina, escura, se observando num reflexo da janela do metrô. Tem tantos doubles (a questão do duplo, que é uma das características do uncanny, do sinistro, do bizarro) no filme que eu perdi a conta. Acho que mãe e filha representam um duplo. Tem o double do cisne branco/cisne negro, e o de Nina e Beth (a dançarina que é aposentada, feita por uma Winona Ryder que nem reconheci). Por exemplo, o diretor usará a mesma forma de tratamento, “pequena princesa”, para as duas, que são rivais também na atenção dele. Nina faz com Beth o que depois acha que Lily faz com ela. Mas o principal é que Beth é tão autodestrutiva quanto Nina. Há uma confusão se Beth se machuca com um objeto cortante ou se é Nina que faz isso. Já Nina e Lily formam um double óbvio (com ecos de A Malvada e Mulher Solteira Procura). Porém, o double predominante é entre o lado medroso e imaturo de Nina e seu lado sexualmente forte. Pra mim, essas cenas em que o reflexo de alguém não corresponde à pessoa são sempre perturbadores. Nina passa a ter medo de sua própria sombra.Uma das diferenças entre o diretor do balé e Lily, esses dois predadores sexuais, é que o primeiro usa seu poder para levar as bailarinas pra cama (“ele tem uma certa fama”, diz a mãe de Nina). A gente acredita que as cenas entre ele e Nina são reais, não fantasias. Já com Lily, não dá pra ter certeza. A cena da mãe com Lily é um bom indício de como Lily é um personagem que, em muitos sentidos, só existe pra Nina. A campainha toca, a mãe vai atender, fecha a porta, Nina pergunta quem é, a mãe diz “ninguém”. Mas Nina vai ver e lá está Lily, já perto do elevador. É improvável que a mãe controladora simplesmente tenha fechado a porta na cara de Lily, sem lhe dedicar uma palavra. No restante da cena, a mãe não repara em Lily em nenhum momento.
Na primeira metade do filme, eu só pensava em Repulsa ao Sexo (Repulsion, 1965; o trailer tá datado, o filme não), que é o máximo, uma das obras-primas do Polanski. Lá tem toda a repressão sexual, a loucura, as unhas (Catherine Deneuve faz uma manicure ― é um filme de terror, já deu pra notar)... Todas as cenas da Natalie filmada de costas (só vemos seu cabelo, um coque), andando no metrô e na rua, lembram Catherine (e a Mia Farrow em Bebê de Rosemary). Mas li em algum lugar Aronofsky dizendo que sua maior inspiração foi outro Polanski, O Inquilino. Enfim, Cisne tá cheio de referências. O diretor americano fez um excelente filme, em que um mundo de beleza, que é o da dança, é usado como cenário de horror. Pra mim, a cena mais medonha (além daquela do reflexo no espelho) é quando Nina decide cumprir o dever de casa e se masturbar. E aí, já na maior empolgação, ela vira e vê sua mãe dormindo na cadeira ao lado. Tem como gostar da coisa assim?

Tem uma ótima crítica da Valéria aqui.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

CRÍTICA: DEMÔNIO / Prendam o Shyamalan num elevador

Vê se essa cena não parece saída de Apertem os Cintos, o Piloto Sumiu

Lembro de um filme alemão bem aterrorizante (pelo menos pra mim naquela época, 1983) chamado Elevador Assassino, em que várias pessoas eram mortas pelo personagem título de formas criativas (uma decapitada pelas portas do elevador, outra enforcada pelos fios, outra pelo calor sufocante dentro do troço; nenhuma comete suicídio por ficar exposta à musak, tradicional música de elevador). Descobri que o terror foi refeito em 2001 pelo mesmo diretor, então com a Naomi Watts. Existe também um curta de meia hora chamado Lift, sobre um ascensorista que nunca saiu do elevador em que trabalha e se apaixona por uma digitadora que tem fobia de elevador. Ou seja, praticamente todas as histórias envolvendo elevadores são interessantes. Foi por isso que pensei ao ler a sinopse de Demônio ― cinco pessoas ficam presas dentro de um elevador, e uma delas é o coisa ruim ―, opa, isso aí pode dar samba (eu tenho problemas psicológicos, você já deve ter notado).
Mas não dá. Começa até bem, com uma vista área de Filadélfia, só que de cabeça pra baixo. E uma narração em off estranhérrima, cafona, com um carinha contando como sua mãe sempre lhe falava do diabo. Aí temos um suicídio (nunca explicado) de um sujeito que pula do alto de um edifício. Entra em cena um detetive (o único nome famoso do elenco, Chris Messina, de Julie & Julia, Vicky Cristina Barcelona, e o namorado da Claire na última temporada da minha série de TV preferida de todos os tempos, A Sete Palmos) com problemas de bebida (toda vez que eu falo isso me lembro de Apertem os Cintos, o Piloto Sumiu ― agora mais na memória ainda por causa da morte do Leslie Nielsen ―, em que o “drinking problem” do protagonista consiste em derramar o copo na testa dele) após ter perdido sua mulher e filho num acidente de automóvel (essa última sentença deve ter sido um horror de ler, com tantas interrupções, né?). Na real, Cris faz um dos detetives mais incompetentes já vistos no cinema, quase rivalizando com o Inspetor Clouseau. Tá, exagero, mas me diga se não merece um Distintivo de Ouro (lembrei de novo do Leslie Nielsen, em Corra que a Polícia Vem Aí, que eu amo) um tira que, lá pela segunda ou terceira vítima no elevador, decifra que uma figura foi contratada para matar uma das pessoas lá dentro, e as outras mortes seriam só pra disfarçar?
Mais incompetentes que o Cris, apenas os bombeiros, incapazes de abrir uma simples porta de elevador, e o zelador (que, assim como os bombeiros, some durante meia hora do filme e aparece de repente, pra novamente não fazer nada que preste). O guardinha do prédio que assiste a tudo por meio de uma câmera de TV na sua sala não é exatamente um inútil (pelo menos ele acredita que há um demônio lá dentro), mas é um mala de qualquer jeito. Imagine você numa situação de terror, como estar preso num elevador. Aí imagine um guardinha que só se recorda de desligar a musak que toca lá um tempão depois, pra substitui-la por orações, do Pai Nosso a Ave Maria (tipo, se você estivesse preso com Belzebu num elevador, gostaria que uma voz provocasse a fúria dele?). Nas horas vagas, o gigante intelectual que é esse guardinha gosta de jogar no chão torradas com geleia para provar por a + b que Satanás está presente. Juntando tudo isso, talvez a gente encontre uma explicação para por que um anônimo se suicidou no começo da trama.
O que continua sem explicação é o nível a que despencou o diretor M. Night Shyamalan. É, Demônio não é exatamente dele (ele é só o produtor e criador da história), mas é a primeira parte de uma trilogia que leva seu nome, a Night Chronicles, todas lidando com temas sobrenaturais. Shya causou sensação com um grande terror, O Sexto Sentido, fez bonito com Corpo Fechado, derrapou feio em Sinais, recuperou-se um pouquinho (pelo menos eu achei, na hora; hoje não tenho mais tanta certeza) com A Vila, e chegou ao fundo do poço com Fim dos Tempos. Atualmente ele deve ter tantos admiradores quanto detratores. Eu sempre dou uma colher de chá, mas suas marcas registradas (Filadélfia, mais a total falta de humor e a religiosidade exagerada) começam a me cansar. Quero dizer, quem mais bolaria uma história sobre um demônio num elevador pra chegar à conclusão que, se o enxofrudo existe, é prova que deus também existe, então tá tudo bem? E entendo que Demônio seja uma produção B, de baixo orçamento, mas até aí O Nevoeiro também era, o que não o impediu de tornar-se o melhor terror da última década.
É uma boa pegar um medo primordial desses (ficar preso dentro de um elevador; só andar de elevador já é uma experiência assustadora pra muita gente) e fazer um filme de terror, ainda soltando um diabinho lá dentro. É como juntar dois medos comuns, quase universais, como fez (com péssimos resultados) Serpentes a Bordo (avião + cobras). Certamente tentarão unir os quatro medos num só filme no futuro (estranhos ficam presos com demônio dentro de um elevador num avião cheio de cobras soltas. Jogue aí umas baratas e realmente temos um filme de terror). E quer saber? Aposto que a conclusão não será “Ah, isso é um claro sinal que deus olha por nós”.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

CRÍTICA: ATIVIDADE PARANORMAL / Até a cética aqui se arrepiou

Muito medo nessas horas.

Vocês já devem ter visto o trailer no cinema de um dos grandes fenômenos de 2009, o terror Atividade Paranormal, que custou a merreca de 15 mil dólares e já rendeu mais de cem milhões só nos EUA, destronando Jogos Mortais Perdi a Conta bem no mês de halloween. E o trailer, que mostra a reação de uma plateia de exibição-teste, me parece totalmente verdadeiro. Na sessão em que estive o pessoal também se comportou assim. Se tivessem colocado uma câmera na minha frente veriam o espetáculo degradante de uma Lolinha pulando da cadeira, gemendo, respirando com dificuldade, e estrangulando o braço do maridão, que se fazia de durão. Eu digo "degradante" porque vocês estão cansados de saber que sou acima de tudo uma cínica. Uma cética. Não acredito em nada dessas coisas ― espíritos, demônios, fantasminhas, anjos, comigo não, violão. Por outro lado, produções de terror bem feitos sempre me pegam. Eu entro no clima mesmo.
Na realidade, o filme foi feito em 2007, com dois atores totalmente desconhecidos (e não lindos no padrão Hollywood!) recrutados através do Craigslist, e por um diretor (Oren Peli) que nunca havia dirigido nada ou feito escola de cinema. As filmagens duraram uma semana. Depois Atividade entrou na rota de festivais específicos, foi oferecido a e recusado por vários exibidores, até cair nas mãos do Spielberg. Só que a ideia do mestre era refilmar o troço com um orçamento maior. Peli insistiu para que o original fosse exibido para uma sessão teste só pra ver como seria a reação. Quando os produtores viram os epectadores deixando a sessão no meio por puro medo, decidiram lançá-lo daquele jeito mesmo. E, através do boca a boca, o filme foi ganhando seu espaço (é muito eficiente o recado no final do trailer, instigando o público a pedir que Atividade passe na sua cidade). Ah, adoro essas histórias de sucesso!
Interessante como o trailer passa uma impressão errada da dinâmica dos personagens. Nele, vemos a pobre Katie insegura, se borrando de medo, enquanto seu namorado, Micah, aparece em controle da situação. O longa-metragem não é assim! A história é a mais simples possível: o jovem casal de namorados mora junto numa casona na Califórnia (ela é estudante de Letras; ele, corretor da bolsa que deve ganhar bem pra chuchu, porque a casa tem piscina e quartos de hóspedes). Katie recebe visitas de espíritos desde que tinha oito anos, tadinha. Micah não a leva muito a sério, mas compra uma câmera pra filmar os acontecimentos. Um dos méritos de Atividade é que pouco acontece ― portas se mexem, luzes se acendem e apagam, e o negócio vai piorando num crescendo (pegadas, coisas embaixo dos lençóis, mordidas). Como clima é a alma de um filme de terror, o negócio funciona. Outro mérito é que, graças a deus, não somos brindados com câmeras de mão histéricas à la Bruxa de Blair e Cloverfield. Aqui a câmera fica num tripé em frente à cama do casal na maior parte do tempo. E outra coisa positiva: não há sustinhos fáceis, daqueles barulhentos que fazem pular mas não acrescentam nada, como no fraquérrimo O Grito. Atividade não tem trilha sonora ou barulhos desnecessários. E seus personagens se comportam como pessoas bastante normais, não como dois bobalhões que ficam pregando sustos um no outro até que um Jason apareça pra por ordem na casa.
Mas não pude evitar de pensar em várias coisinhas não-relacionadas. Primeiro, nessas horas deve ser fantástico morar numa quitinete minúscula como a que alugávamos em Detroit. Quanto menos espaço pra espíritos demoníacos ocuparem, melhor. Segundo, ter bichinhos de estimação numa situação dessas é bom ou mau? (Não estou pensando nos bichinhos: pra eles deve ser péssimo, ponto). Penso nisso desde Os Outros. Tem o lado bom de você sempre poder achar que quem tá fazendo barulho no outro cômodo é o seu gatinho, ou do cãozinho fazer xixi no espírito pra marcar território. O lado mau é aquilo não acabar bem pro bichinho.
O maridão reclamou que o casal não acende as luzes quando algo suspeito ocorre, mas acho que tudo é bem iluminado. Só concordo com minha alma gêmea sobre a improvável dificuldade de encontrar um médium especialista que possa ajudá-los. Como disse o meu amor, “Até na época do Exorcista era fácil achar um exorcista. E olha que não tinha internet, celular...”. Ah, eu odiaria estar numa situação dessas do casal do filme com o maridão. Ele não acreditaria em nada que eu dissesse e discutiria o tempo todo. Ainda bem que um espírito demoníaco resolveria logo o seu destino, ha ha ha (risadinha possuída).
Agora com licença que vou ter sérios pesadelos.

P.S.: Devo admitir que na noite de sexta, após ver o filme (e escrever esta crônica), eu dormi mal pacas. Minto: eu nem dormi. Isso que é pavor. Imagine se eu acreditasse nessas coisas.
P.S.2: Comentei com o maridão, que dormiu como uma pedra, sobre a minha noite insone, e ele não perdeu a oportu
nidade de me criticar: "Eu sonhei que alguém desligou a TV, ligou o ventilador na minha cara, e jogou um lençol em cima de mim. Um espírito maligno!".
P.S.3: Na noite seguinte (a de sábado), dormi com uma gata preta nas minhas pernas e o medo se foi. Acho que gatos, independente da cor, têm o dom de negociar com espíritos. Como disse minha mãe, "Como assim, você não acredita em paranormalidade?! Gatos são paranormais!".

sexta-feira, 5 de junho de 2009

CLÁSSICOS: O MONSTRO DA LAGOA NEGRA / Um espetáculo no Rio Amazonas

Monstro amazonense admira mulher americana em clássico dos anos 50

Putz, isso já faz quase um ano, e aconteceu lá em Detroit. Eu deixei tudo anotadinho mas não organizei ou publiquei, então agora vai. Seguinte: em julho, fui ao cinema do museu de arte que ficava pertinho da minha casa em Detroit pra ver a matinê de O Monstro da Lagoa Negra, clássico de 1954 (aqui tem um trailer da época, divertidíssimo, pra você se situar melhor). Na verdade, era uma sessão dupla. Convidei o maridão, mas, na hora H, ele recuou e não quis gastar quatro horas num cinema, vendo filmes antigos em preto e branco que ele já havia visto na TV. Tolinho! Não sabe o que perdeu. Monstro foi passado em terceira dimensão, com aqueles oclinhos com uma lente de cada cor. É o máximo. Não entendo por que não fazem mais filmes de terror e aventura com essa tecnologia. Infelizmente não vi Beowulf em 3D, e decidi não chegar perto de Viagem ao Centro da Terra se não fosse em 3D (agora vão lançar A Era do Gelo 3 em 3D, mas será que em alguma sessão perto da gente?). Nem sei quanto tempo fazia que não via um filme com os oclinhos. Mas é tão, tão legal! Dá todo o sentido de profundidade, como se a parede que separa o espectador da tela se rompesse. Na realidade, parece que é assim: uma imagem está sobreposta à outra. Se a gente olha pra tela sem óculos, ela parece fora de foco. Cada lente do óculos filtra uma das imagens. Portanto, com um olho a gente só vê a imagem mais à frente, e com o outro a imagem mais atrás. É o nosso cérebro que se encarrega de juntar as duas imagens e fazer parecer que há profundidade.
É um espetáculo. Em Monstro é tudo 3D, dos créditos iniciais aos finais. Uma mão de monstro fica bem diante dos nossos rostos. Num aquário, todos os peixes nadam pra cima da gente. Alguém joga areia na câmera, e vem tudo parar em mim. Dá a maior vontade de proteger o rosto com as mãos, de afastar o tubarão. E, óbvio, há montes de símbolos fálicos expostos pra gente, como homens segurando arpões e espingardas. Não é possível que eles não soubessem o que tavam fazendo. Tudo bem que era anos 50, mas santa ingenuidade, Batman! Fiquei imaginando como seria um filme pornô em 3D. (Inclusive, dá pra ver como Spielberg se inspirou em Monstro pra filmar várias cenas de Tubarão. Há imagens da mocinha nadando que são idênticas às da abertura de Jaws, com a diferença que a mulher em Monstro tá de maiô. E num momento até a música é parecida! Tem um tum tum tum na jogada).
Com um festival de imagens desses, ninguém presta muita atenção na história de Monstro. Bom, os primeiros vinte minutos são praticamente uma obra-prima. Depois cansa. A história é bem simples. Um grupo de cientistas americanos no Rio Amazonas descobre um monstro. Aliás, é mais justo dizer que o monstro descobre a única mulher no barco. Esse monstro conterrâno nosso tá em transição. Ele quer sair da água pra virar o quê? Pois é, a Lagoa Negra do título é o Amazonas! Eu achei incrível que algumas palavras são ditas em português. Há uma bandeirinha brasileira, vem escrito “Instituto Marítimo” na casinha, e o barco onde se passa a maior parte do filme não se chama “Juanita” ou “Conchita”, mas “Rita”. Os americanos ali presentes falam das lendas da Amazonas, dizem que o lugar é o mesmo há 150 mil anos (isso em 1954, por supuesto), falam de ratos do tamanho de ovelhas, toda essa estranheza do estrangeiro diante do desconhecido. Só que também falam que perto do Amazonas, o Mississippi é um riachinho.
As mulheres nos filmes de terror de antigamente eram uma piada. Elas só serviam pra gritar (homem não grita, a menos que seja muito coadjuvante) e atrair monstro. Mais nada. Quer dizer, parece que não mudou muito, né, se a gente pensar nas mulheres de Sexta Feira 13, Halloween e afins. Só que há uma diferença fundamental. Hoje as vítimas gritam e saem correndo, geralmente com pouca roupa. Naquela época elas berravam mas ficavam paralisadas. Não davam um passo pra frente ou pra trás. Era só o monstro vir e pegar. Aí a vítima desmaiava e ele a levava no colo, como marido leva noiva pro hotel na noite de núpcias.
A minha cena favorita nem envolve o monstro. É assim: dois homens nadam na lagoa, usando máscara de mergulho e tal. A única mulher do filme, que é noiva de um deles, fica no barco, olhando tudo. Eles voltam, trazendo o que coletaram pra analisar. Ela pergunta pro noivo, toda entusiasmada: “Ai, como é lá embaixo?”. E ele: “É um mundo novo, um mundo totalmente diferente!”. E a pobre: “Queria tanto ir lá um dia”. Ele: “Hum”. E vai embora! Nem pra ele dizer “Claro, querida, um dia você vai!” (que, assim genérico, é o mesmo que dizer “Pode esquecer, otária. Nasceu mulher, agora aguenta”). Ela então decide nadar sozinha, sem equipamento. Dá uma de Esther Williams (famosa estrela dos anos 40 que fazia grandes acrobacias aquáticas em seus filmes) e vai pra bem longe do barco. O monstro assiste a tudo, fascinado. E aí ela começa a fazer piruetas embaixo d'água! Pronto, o monstrinho tá completamente fisgado. Só que ela não corre grande perigo até que os homens do barco notem que ela está na água, longe, e começam a gritar desesperadamente pra ela voltar. O perigo está nos homens querendo nos salvar de outros homens? Hummm...
Depois do final de Monstro e de um intervalo em que os banheiros lotaram (e banheiro americano é tão esquisito! Os vãos embaixo das portas são enormes, e sempre tem umas frestinhas), passou um outro filme, It Came from Outer Space (A Ameaça que Veio do Espaço). Eu li o conto do Ray Bradbury, mas o filme de 1953 é um porre. Fraquinho que só ele. Muito datado com o medo dos comunistas, e as forças do marcartismo. Era em 3D também, o que fez as comparações com Monstro inevitáveis. Sabe quando um filme cresce de status na hora? Pô, até o 3D de Space era ruim. Tem uma avalanche, e nenhuma pedra vem na nossa direção?! Se fosse em Monstro viriam todas. Eu já me imagino gritando “Joga a mãe!”.

- Neste vídeo há ótimas imagens de Monstro, é só ignorar a música, que é uma homenagem póstuma. Se não quiser ver spoilers, pare lá pelo quinto minuto.
- Aqui tem uma delícia pros nerds: uma entrevista com o ator que originalmente fez o monstro. Tem que ignorar o patriotismo babaca do tipo “obrigado por servir numa guerra”.
- Em 2011 sai uma refilmagem de Monstro. Do diretor de Sahara, ai meu deus. (E não, Anaconda não foi uma refilmagem, ao contrário do que você tá pensando).
- Aqui tem o filme original inteiro, dividido por partes. Mas não sei qual a graça se não for em 3D.