domingo, 26 de novembro de 2000

CRÍTICA: CORPO FECHADO / Saravá, meu pai

Não entendi "Corpo Fechado" direito, mas gostei dele. Pra começo de conversa, não tem nada a ver com "O Sexto Sentido". Só porque ambos foram escritos e dirigidos por Shyamalan e se passam na Filadélfia e contam com Bruce Willis no papel principal e incluem um menininho na trama e têm finais surpresa não quer dizer que sejam filmes parecidos. São divergentes até no gênero: "Sexto Sentido" é um suspense; "Corpo Fechado", ainda não sei o que é ao certo. Acho que é um drama.
A certeza é que "Corpo Fechado" não fará o mesmo sucesso que "Sexto Sentido". Nem de longe. Bom, "Sexto Sentido" é o décimo filme mais lucrativo da história. Batê-lo não deve ser fácil. Imagina a responsabilidade do Shyamalan (que aparece novamente, tal qual Hitchcock. Aqui ele é o suspeito revistado no estádio) em repetir o êxito de público e crítica de "Sexto Sentido". Isso posto, até que ele se saiu muito bem.
Ele tem estilo. E sabe o que fazer com uma câmera. Os ângulos que escolhe em "Corpo Fechado" são altamente originais, como na cena em que os dois protagonistas conversam na arquibancada, e o enquadramento dá a ilusão que eles estão dentro de um caixão. Ou na cena da escada. Ou na tensa sequência da cozinha. Seu maior risco, no entanto, está em embutir seu próprio ritmo. "Corpo Fechado" chega a ser lento às vezes, é escuro e não traz aquela edição hiperpicotada que estamos acostumados a ver.
A trama? Vejamos se posso contá-la sem desmanchar todos os prazeres. Bruce, que já foi duro de matar e geralmente é apenas duro de engolir, agora é duro de morrer. Ele é o único sobrevivente de um acidente de trem, o que chama a atenção de Samuel L. Jackson. Samuel é seu oposto: ele é frágil e, desde a nascença, esteve sempre doente. Ele é também um aficionado por histórias em quadrinhos. Lá pela metade e lá vai pedrinha do filme, Bruce admite que talvez seja um super-herói (algo que seu fi
lho já sabia faz tempo) e decide usar seus poderes para o bem.
Seus poderes é que são um tanto estranhos. Ele toca nas pessoas e descobre o que elas andam aprontando. Todo mundo em quem ele rala parece ter um podre. Apesar da minha fé na humanidade andar em baixa, eu não acredito que a gente seja assim tão ruim. Se ele encostasse em mim, por exemplo, que terrível maldade desvendaria? Que eu puxei o lençol do maridão ou pisei no gatinho (totalmente sem querer; ele passa bem)? Mas não, o roteiro faz com que ele toque justamente nos mau
s. Se ele estivesse no Brasil, iria certeiro na direção do ACM, que, como reza a lenda, é o nosso Toninho Malvadeza. Aliás, lembrei do ACM em vários momentos. O título do filme em inglês é o frio "Inquebrável", longe do "Corpo Fechado" daqui. Nossa tradução dá um ar de saravá, meu pai.
Voltando à ficção, o novo filme de Shyamalan assemelha-se a uma mistura entre "Sem Medo de Viver" e "A Hora da Zona Morta". No primeiro, Jeff Brigdes começa a se achar um superhomem após sobreviver a um desastre de avião. No segundo, Christopher Walken emerge de um acidente de carro podendo prever o futuro ao pegar na mão de alguém. Junte os dois (ambos superiores, provavelmente), inclua um Mr. Vidro (o personagem de Samuel), bata bem até obter uma massa homogênea, e você tem "Corpo Fechado".
Sacanagem minha. O que de fato incomoda no filme é o desdém com que algumas cenas tratam o espectador. Compreendi bulhufas daquela sequência em que o Bruce salva uma família. Tá, bulhufas é exagero, mas custava o ambiente ser um tiquinho mais claro e camêra menos frenética? Há alguns furos no roteiro também. O garoto some no meio e só reaparece no final, e a relação entre pai e filho deveria ser melhor explorada.
Mas tudo bem, "Corpo Fechado" é intrigante e merece ser visto. Só não pode ser comparado com "Sexto Sentido". Nem com "Pulp Fiction", onde Bruce e Samuel trabalham juntos. Se quiser comparar com o terceiro "Duro de Matar", com a mesma dupla de protagonistas, não tem problema. Eu deixo.

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