quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

JUSTIÇA PARA THELMA FARDÍN: O CASO MAIS FAMOSO DO #METOO ARGENTINO EMPERRA NO BRASIL

Talvez você não conheça um caso que vem deixando muita gente revoltada. Uma cineasta e ativista argentina com quem estou colaborando para um documentário sobre machismo na América do Sul me enviou um email ontem, contando o caso e pedindo a nossa ajuda.

Em 2009, a atriz argentina Thelma Fardín, na época com 16 anos (foto ao lado), estava na Nicarágua filmando a novela Patito Feo quando foi estuprada por um membro do elenco, Juan Darthes, que tinha 45 anos. Ela ficou arrasada, mas não o denunciou. Só nove anos depois, graças à força do movimento #MeToo e da acusação de outra atriz, Calu Rivero, contra Darthes, é que Thelma criou coragem pra falar. 

Em 2018, Thelma gravou um vídeo contando o horror que passou num quarto de hotel na Nicarágua. Ela suplicou, disse pra Darthes parar, disse que não queria, lembrou que os filhos dele tinham a idade dela, mas nada adiantou. Ele pôs a mão dela no seu pênis ereto e disse "Olha como você me faz ficar" ("mirá como me pones"). Essa fala clichê virou um grito de protesto muito bacana e inteligente: "Olha como a gente fica" (#Miracomonosponemos).

Tipicamente, Darthes negou as acusações e pôs a culpa na vítima: ela que foi ao quarto dele querendo um beijo, ele que, cavalheiro que é, a pôs pra fora, ele que disse a ela que não, não poderia ter nada com ela porque tem filhos da idade dela, e porque ela estaria namorando com outro. Poucos acreditaram nessa versão. Ele tentou processá-la por danos morais e foi comparado a Harvey Weinstein.

Como o estupro ocorreu na Nicarágua, o julgamento foi iniciado lá. Darthes não compareceu. Pouco depois, aproveitando-se de que nasceu no Brasil, fugiu pra cá para evitar a extradição. Com provas vindas da Argentina, através de cooperação internacional entre três países, o Ministério Público Federal decidiu julgar o caso aqui. No final de novembro teve início o julgamento em SP. 

Após o depoimento da vítima e de muitas testemunhas (através de videoconferências, devido à pandemia), o julgamento já estava quase no fim (faltavam apenas duas audiências) quando, na semana passada, a 5a Turma do TRF-3, atendendo o pedido da defesa de Darthes, decidiu que o julgamento é de competência estadual, não nacional, e anulou o processo. Ou seja, o processo não foi suspenso por irregularidades, mas por "tecnicismos insuportáveis", como afirmou Thelma. A decisão não encerra o processo nem muito menos absolve o acusado, mas leva a um novo julgamento. Tem que começar tudo de novo.

Thelma vai entrar no STF contra a anulação do julgamento. Em protesto em frente ao consulado brasileiro em Buenos Aires, e também no seu instagram, ela discursou: "A mensagem de hoje é a impunidade". A atriz, que pelas circunstâncias hoje é uma importante ativista, lembrou que, se isso está acontecendo com ela -- num caso de enorme repercussão, que envolve colaboração entre três países e muita movimentação feminista para que a denúncia finalmente chegasse à Justiça -- qual é a mensagem que está sendo passada para que outras meninas e mulheres denunciem?

Esta foi a nota divulgada por Thelma e sua advogada:

"No dia 08 de fevereiro tomamos conhecimento de uma resolução do Tribunal Regional Federal de São Paulo que no dia 07 de fevereiro abriu espaço para um recurso apresentado pela defesa de Juan Darthes e ordenou que interrompesse o julgamento que estava ocorrendo na justiça federal desse país para iniciar um novo processo do zero no âmbito do poder judicial do Estado de São Paulo. A decisão foi tomada pelos desembargadores federais Paulo Gustavo Guedes Fontes e Mauricio Yukikazu Kato. O juiz André Custódio Nekatschalow se pronunciou em discordância, a favor da continuidade do processo.

Como vítima, não sou reconhecida como parte do expediente e meus advogados não podem acessar a íntegra da decisão. Tampouco se encontram publicados os fundamentos da sentença, apenas sua resolução. O que sabemos é que esta ordem do Tribunal Regional, além de representar uma violenta mensagem a favor da impunidade e da revitimização, contradiz a jurisprudência da Corte Suprema do Brasil sobre esta matéria. 

A questão da competência federal já havia sido tratada e resolvida pelo juiz Pablo Ali Mazloum em primeira instância sete meses antes de início do juízo. Concretamente, no dia 16 de abril, o juiz rejeitou as propostas da defesa e coincidentemente à critério do Ministério Público declarou como competência federal o julgamento.

Numa decisão com mais de 15 páginas, o juiz fundamentou esta decisão a partir da jurisprudência dos tribunais superiores e da Corte Suprema, que em todos os casos de delitos graves cometidos no exterior por cidadãos brasileiros ordenaram que os expedientes tramitassem na Justiça Federal.

A sentença do Tribunal Regional que decide reabrir esta questão quase um ano depois e quando o julgamento encontra-se em sua etapa final só pode ser vista como uma demonstração de poder e influência de quem se considera intocável. Enquanto isso, a estrada continua. O acusado continua foragido da justiça de Nicarágua, com alertas vermelhos da Interpol e sujeito a um processo penal no Brasil. Confiamos que o Ministério Público do Estado de São Paulo recorra desta escandalosa decisão e o Tribunal Superior de Justiça a reverta. Assim poderemos continuar o processo até escutar, por fim, uma sentença. Exigimos justiça, nada mais. Nada menos".

O mínimo que nós no Brasil podemos fazer é divulgar o que está acontecendo e nos juntarmos à exigência de justiça para Thelma e para todas as vítimas de estupro.

E não nos esqueçamos: enquanto mulheres indignadas protestam, Darthes, acusado de estupro por pelo menos cinco atrizes argentinas (até agora), caminha livremente pelas ruas de São Paulo. 

2 comentários:

Alan Alriga disse...

Tomará que dessa vez a justiça seja feita.

titia disse...

Que o STF esteja num daqueles dias em que tem vergonha na cara e mande o desgraçado ou pra cadeia ou deporte pra ser jogado na cadeia lá fora. Estuprou uma menina e uma mulher em ambiente de trabalho, imagine o que não faz em casa.