terça-feira, 1 de outubro de 2019

A DIREITA DEVE DESCULPAS A GRETA THUNBERG. MAS NÃO VAI PEDIR

Greta Thunberg é uma ativista sueca de 16 anos que, por sua luta em defesa do meio ambiente, é chamada de "fantoche adolescente", "manipulada", "profetisa do apocalipse", "Justin Bieber da ecologia". E, óbvio, "idiota útil". Por isso e por outras barbaridades, principalmente barbaridades machistas, semana passada colocamos no Twitter a hashtag #DesculpaGreta. 
Em agosto do ano passado, Greta sentou-se na frente do parlamento sueco com um cartaz escrito "greve escolar pelo clima". Ela tinha 15 anos. "Estou fazendo isso porque vocês adultos estão cagando no meu futuro", era um panfleto que Greta distribuía. Outros jovens passaram a fazer protestos parecidos, e a onda foi crescendo.
Recentemente Greta foi de veleiro movido a energia solar, do Reino Unido a Nova York. Ela evita viajar de avião pelo seu rastro poluente (285 gramas de dióxido de carbono por passageiro por hora).
"Eu não deveria estar aqui, deveria estar na escola", disse a jovem Greta na segunda-feira retrasada aos líderes mundiais na abertura do Encontro de Ação Climática, organizado pela ONU. "Como vocês se atrevem? Vocês roubaram meus sonhos e minha infância com suas palavras vazias" (aqui o link pro belo discurso de Greta). 
Além do que ela falou, o olhar de Greta para Trump se tornou icônico.    
Por conta do seu ativismo, Greta se tornou um dos símbolos em defesa do clima e da natureza, que gerou imensas manifestações pelo mundo. Antes mesmo de Nova York, uma deputada conservadora francesa resmungou: "Não é uma garota que abandonou a escola que vai dar lições aos adultos".
Com o sucesso da semana passada, Greta se tornou alvo de novas críticas. Por exemplo, Eduardo Jorge, que foi candidato a presidente pelo Partido Verde, lamentou que Greta trocou paixão por raiva em seu discurso. Ele pediu mais compaixão e menos ressentimento, baseando-se num tuíte de um outro cara que não gostou das expressões faciais e tom de voz de Greta.
A linguista Jana Viscardi descreveu bem esse desconforto do ex-candidato a presidente, ao lembrar como as meninas têm que ser doces sempre, sorrir, serem simpáticas. Ser "durona" vai contra a nossa feminilidade. Logo, Greta não pode ficar zangada.
A direita se encarregou de criar e espalhar montes de fake news contra Greta, assim como fez contra Marielle Franco, assim como fez contra Malala. Parece que ganhar Nobel da Paz ou ser indicada, como já foi feito com Greta, atiça o ódio da direita. Uma das notícias falsas é que Greta é financiada pelo bilionário George Soros. Fizeram uma montagem de uma foto de Greta com Al Gore, trocaram o rosto dele pelo de Soros, e inventaram que ela é neta de Soros. 
Outra montagem, esta distribuída pelo filho do presidente, o fritador de hamburguer que quer ser embaixador nos EUA, é de Greta comendo num trem. Na janela, crianças pobres observam. 
Outras fake news são que Greta vive com um terrorista do Estado Islâmico, que ela foi abandonada pelo pai, que seria um cientista social gay, e que sua mãe é uma lésbica satanista que ensina aborto para adolescentes. Greta, portanto, é apenas um "fruto do desajuste psicomoral causado por essa extrema esquerda vagabunda na família ocidental".   
A "família desestruturada" de Greta
A direita é sórdida! Não se cansa de espalhar mentiras contra qualquer mulher ou menina que tem voz. E sempre usando uma de suas principais armas, o machismo. 
Como escreveu Juliana Aguilera num ótimo artigo publicado no começo de setembro, quando uma colunista do Estadão criticou Greta por seus "olhos duros" e "rosto sem empatia" (um texto capacitista que foi denunciado por associações de autistas, que tiraram o blog do ar), uma universidade sueca começou o primeiro centro de pesquisa acadêmica do mundo dedicado a estudar o negacionismo da crise ambiental. 
Esse centro viu ligações inequívocas entre os negacionistas e a extrema-direita anti-feminista, e concluiu que "os temas comuns não eram sobre a ameaça do meio ambiente, e sim sobre uma certa sociedade industrial moderna construída e dominada por sua forma de masculinidade". Ou seja, qualquer coisa que se opõe ao estilo de vida do homem branco e à manutenção dos seus privilégios precisa ser combatida.  
Em outras palavras, lembram de uma pesquisa que saiu mostrando que muitos homens não usavam sacola de pano pra ir ao supermercado pois viam nisso algo "gay" ou "feminino"? Então. Ser másculo é usar sacola de plástico. É não pensar duas vezes em destruir a natureza.
A gente pode observar essa raiva dos homens brancos no discurso do jornalista Gustavo Negreiros. Visivelmente alterado, o sujeito de Natal disse na Rádio 96 FM, do Rio Grande do Norte, que Greta é uma histérica. “Sabe do que ela está precisando? Ela está precisando de um homem. É mal amada. Se não gostar de homem, que pegue uma mulher. Ela está precisando de sexo. Vá fumar seu baseado na Suécia”. 
O discurso de Gustavo é nojento não apenas por Greta ter 16 anos e ser autista. É um discurso misógino que é sempre usado contra mulheres. É aquilo de “falta de rola”, que usam contra qualquer mulher que tenha voz. Pense em todas as mulheres públicas, e veja se alguma vez esse ataque não foi usado contra elas. Não é que a mulher está exigindo direitos, é que ela é mal-amada. É cultura de estupro, porque quando se fala em “falta de rola”, está se falando de rola à força. A mulher ou menina deve ser “preenchida”, “punida”, “corrigida” pra aprender, pra se calar, pra voltar ao seu papel de mulher.
Além do mais, usar o termo “histérica” pra se referir às mulheres é muito antigo e ultrapassado. O termo vem da palavra grega que quer dizer “útero”. Ou seja, histeria foi durante milênios um distúrbio associado a mulheres. E muitas foram queimadas e mortas por esse “distúrbio” que, curiosamente, só acomete quem tem útero. Porque homens nunca ficam nervosinhos, entram em escolas e causam massacres, né? É coisa de mulher, essas histéricas com TPM.  
Gustavo também é (era -- foi desligado após a repercussão) comentarista da TV Tropical, que transmite a TV Record. Num programa, com a conivência do apresentador, ele disse as mesmas coisas que no rádio: Greta é “uma menina que tá afetada psicologicamente, você vê que ela tem algum problema que não é em relação ao clima mundial”. Também a chamou de vagabunda por não ir às aulas e disse que, se ela fosse filha dele, ele “aquecia as nádegas” dela. “Não tem problema não, da cintura pra baixo pode pegar havaiana e pode meter: pá! Faz bem, esquenta o couro, educa”. 
Bom, a repercussão aos comentários de Gustavo foi rápida. Em menos de 24 horas, três das quatro empresas que patrocinavam o programa no rádio, incluindo a Unimed, suspenderam os contratos. 
O jornalista escreveu em seu blog: 
“Arrependido de ter atirado uma pedra em quem não merecia, através de uma piada boba, pedi desculpas […] Os danos foram mais meus que da pessoa citada. À turma do mimimi que endossa o coro das críticas nas redes sociais informo que não merece qualquer respeito. Que meus ex, atuais e futuros patrocinadores, não temam a patota vermelha sanguessuga […]. Se tiverem que deixar de patrocinar o blog que seja pela falta de qualidade, mas nunca pelo furor das redes sociais. Errei em algumas palavras por segundos, e isso me custou caro.” Ele se disse perseguido pela esquerda por falar mal diariamente do governo de Fátima Bezerra.
Ele foi demitido da rádio. Só foi chamado ao ar para pedir desculpas, que foram francamente ridículas. Disse que fez um “comentário infeliz”, que antes de ir pra rádio estuda os assuntos, e pediu consideração por ter a “hombridade de reconhecer o erro”. Pra ele, o erro foi não saber que “a garota lá tem um problema de saúde”. Primeiro que ser autista não é um “problema de saúde”. Depois que, se Greta não tivesse Asperger, aí tudo bem dizer que ela é uma vagabunda histérica que deveria fazer sexo em vez de ativismo?
Gustavo não foi o único, lógico. Um outro jornalista que eu nunca tinha ouvido falar, Luis Ernesto Lacombe, disse na TV Bandeirantes: “Eu não compro essa menina. Acho que essa menina tem um discurso alarmista, com frases de efeito. [...] Eu acho que a gente tem que ter um debate pesado sobre clima e de quanto o homem influencia na mudança climática". E espalhou a fake news de que ela é financiada por George Soros. 
Não é ato falho o jornalista ter usado a palavra "homem", não “humano” ou “pessoa”, na frase "quanto o homem influencia na mudança climática". Indica que seu incômodo é com a influência que uma mulher, uma menina, possa ter nesse debate. 
Na Jovem Klan, Rodrigo Constrangido chamou Greta várias vezes de retardada que tem síndrome do autismo. 
Outro reaça de marca maior, Roger, do Ultraje a Rigor, colocou uma imagem que diz "isso sim é destruir sonhos" . Embaixo, está escrito “A sueca da minha juventude” (uma loira vestida de enfermeira, como nos filmes pornôs), e “A sueca de hj” (Greta). É muito baixo. Além de sexualizar uma profissão nobre e imprescindível, a de enfermeira, sexualizam uma menina de 16 anos, que não parece nem ter 13. 
E óbvio ululante que não vai acontecer nada com o emprego de Roger, pois seu patrão Silvio Santos está promovendo concurso de miss para avaliar as pernas mais bonitas de meninas de dez anos.
Teve também um jornalista francês veterano, um pouco mais velho que Roger (o francês tem 84 anos), que reclamou que, na sua geração, os homens procuravam meninas suecas menos rígidas que as francesas. “Imagino nosso terror se tivéssemos abordado uma Greta Thunberg”.
A raiva do jornalista parece ser a impossibilidade de sexualizar Greta. Ela é uma menina de 16 anos, logo, deve ser colocada no papel que se espera de uma mocinha dessa idade (que é ser meiga e inocente ou atriz pornô disfarçada de enfermeira ou líder de torcida, como quer Roger).
Gostei muito da nota de repúdio da Associação de Juristas Potiguares pela Democracia e Cidadania, que chamaram o discurso de Gustavo de “fala misógina disfarçada de opinião”. “Não é mais tolerável que um comunicador que ocupe espaço em rádio e televisão de rede aberta por concessão pública se comporte de forma vil, classificando de 'vagabunda' e 'histérica' a ativista Greta […]. Tratar o ativismo e a movimentação social como 'vagabundagem' é demonstrar a verdadeira face do autoritarismo. Não há outra forma de buscar a regulamentação dos direitos que não seja através da luta social e política”. E também classificou o ataque contra Greta de  “violência de gênero”. 
Também gostei muito da sátira que um comediante fez: A linha de apoio Greta Thunberg, pra homens brancos furiosos com uma menina ligarem pra contarem suas angústias. "Se vc é um homem adulto precisando gritar com uma menina, a helpline está aqui para te tolerar". "Entendemos que crianças agindo como adultos fazem adultos agirem como crianças". "Porque quando falamos de mudanças climáticas, todos sabemos que Greta é o verdadeiro problema". 
Olha, eu vi também algumas pessoas de esquerda lançando teorias conspiratórias absurdas de que os ataques a Greta e ao cacique Raoni são tentativas de impedir que Lula leve o Nobel da Paz. Sério, pode? Nem tudo no mundo gira ao redor de Lula, gente. 
Mas é indiscutível que os maiores ataques a Greta são feitos pela direita, uma direita organizada, machista, negacionista de problemas ambientais, principalmente da crise climática. E por quê?
Porque Greta diz com todas as letras que o capitalismo global falhou. Ela expõe a masculinidade frágil. E são eles, não nós, que precisamos pedir desculpas.
Uma versão deste texto foi publicada hoje no The Intercept Brasil. E vejam meu vídeo no Fala Lola Fala.

4 comentários:

Anônimo disse...

a) Anei o texto Lola parabens.

b) Cada vez sinto mais asco pela direita sao mentirosos grosseiros machistas racistas e etc.

c) Tenho orgulho de estar do lado certo nao estou marchando ao lado de gente dessa laia.

d) Depois da covardia que fizeram com a Greta nao tenho mais paciencia com minions os bani da minha vida

Anônimo disse...

Oi Lola, adorei este texto, como quase todos do seu blog. Fui ler a versão deste no Intercept e amei mais ainda. Tive uma sensação boa, de que suas postagens aqui do blog deviam estar também em outras mídias sempre que possível. Seus textos têm que se espalhar cada vez mais. Beijos

Carolina disse...

A direita é nojenta mesmo, nao esperava outra coisa. Mas muita gente de esquerda comprou essas teorias da conspiraçao bizarras, e nem todas mudaram de ideia. Uma das páginas que eu sigo, esqueci qual, chamou os críticos de esquerda da Greta de olavetes de esquerda, porque seriam suscetíveis a essas teorias sem pé nem cabeça e acreditariam em qualquer coisa, mesmo que nao fizesse sentido. Muita gente se ofendeu, mas enfim, eu concordo.

titia disse...

Mais uma prova que todo esse mimimi pela "moral e bons costumes e proteção da criança e da família" é só os babacas da direita projetando suas falhas de caráter, burrice e parafilias nos outros pra não se sentirem tão bostas.