quinta-feira, 11 de julho de 2019

FERNANDO HOLIDAY E SEU PROJETO PARA CONTROLAR O CORPO DAS MULHERES

No final de junho o vereador por SP Fernando Holiday, do DEM e do MBL, apresentou um projeto de lei para criar inúmeras dificuldades para as mulheres que quisessem abortar legalmente. Eu e muita gente ficamos enojadas. 
Como vocês sabem, o Brasil é um dos países mais atrasados do mundo em matéria de direitos reprodutivos, com leis muito restritivas. O aborto no Brasil só não dá cadeia em três casos: quando a gestante corre risco de morrer se continuar com a gestação, se a gravidez decorre de um estupro, e se o feto for anencéfalo, sendo que esta conquista é recente, de 2012. Até então, uma mulher com um feto cujo cérebro não iria se desenvolver, que iria nascer morto ou morrer minutos depois do parto, era obrigada a prosseguir com a gravidez durante 9 meses. Imagina que crueldade obrigar uma mulher a isso. 
Mas o que muita gente não sabe é que, mesmo nesses três casos, é dificílimo realizar um aborto legal no Brasil. Um estudo mostra que 7% das mulheres estupradas acabam engravidando. Mas 67% das brasileiras que engravidam em decorrência de um estupro não conseguem abortar. Muitas dessas vítimas são crianças e adolescentes. Quer um dado terrível? Lá vai: 80% das crianças até 12 anos que engravidaram não fizeram aborto legal. Menos de 6% conseguiram fazer. Apenas 65 hospitais em todo o Brasil realizam o aborto. E 57% dos hospitais recomendados não aceitam fazer aborto.
Eu me lembro sempre de um caso que chocou o país, numa época em que o Brasil ainda se chocava com isso. Aconteceu dez anos atrás, numa cidadezinha em Pernambuco. Uma menina de 9 anos era estuprada desde os 6 pelo padrasto. Ela engravidou e teve que vencer um verdadeiro calvário para conseguir abortar. Ela tinha o direito de abortar por ter sido estuprada, mas não só isso: continuar com a gravidez a colocava em risco de morte, porque ela era pequena e estava grávida de gêmeos. Enquanto ela tentava conseguir um alvará para fazer o aborto, o arcebispo de Olinda decidiu excomungar um monte de gente: a mãe da menina, que era a favor do aborto, as feministas, os médicos, menos o estuprador, porque, segundo o arcebispo, o que o padrasto havia feito era grave, mas muito mais grave era "eliminar uma vida inocente". Pelo jeito, pra ser considerada inocente, nem sendo uma menina de 6, 9 anos. Saiu do útero, pecou. Ah, e o Vaticano apoiou a atitude do arcebispo.
Numa entrevista, o vereador Holiday repetiu essa ladainha misógina que o feto gerado por um estupro é uma "vida inocente". É um jeito de dizer que a vítima do estupro é culpada, não inocente! Ele também disse que não gosta do termo "antiaborto", que prefere "pró-vida", pois aí mostra a preocupação com as duas vidas. É muito cinismo! Como se os conservadores tivessem qualquer preocupação com as mulheres! Ou com a criança depois de nascer!
Sabem as piores leis americanas que visam restringir o direito ao aborto? Foi exatamente nelas que Holiday se inspirou para apresentar seu projeto de lei. Ele foi amplamente criticado por nós, ativistas, por especialistas em saúde pública, por psicólogas, e até por gente da direita. Que fique claro: conservadores querem proibir o aborto em todos os casos. O Congresso atual tem cerca de 200 representantes antiaborto. Querem proibir a pílula do dia seguinte porque, afinal, se a vida começa na concepção, um minuto depois do sexo já há vida. Tem gente que considera anticoncepcionais abortivos. Tem gente que acha que homens que se masturbam (ou seja, praticamente todos) estão jogando fora as sementinhas da vida. Não há limites para a estupidez dos conservadores. E a gente costuma pensar nos evangélicos, mas os católicos são pioneiros na batalha antiaborto. 
No projeto que ele apresentou inicialmente, Holiday exigia um alvará para que uma mulher pudesse abortar nos casos previstos por lei. Um dos problemas é que a Justiça é lenta, e uma gestação não espera. A barriga vai crescendo enquanto a pobre mulher tenta convencer um juiz a permitir que ela aborte, e depois tente encontrar um hospital que aceite fazer o procedimento. E tem prazo. Aliás, os fundamentalistas cristãos gostam da demora. Pra eles, é “salvar uma criança” -- mesmo que a mãe morra. Se morreu, afinal, foi porque deus quis assim.
Holiday e muitos outros têm certeza de que a palavra da mulher não vale nada, que mulher mente, que todas as mulheres inventariam um estupro para poder fazer um aborto. Por isso eles querem alvará ou, no mínimo, BO.
No projeto original estava escrito que a mulher que quer abortar deverá, durante 15 dias, obrigatoriamente passar por "um atendimento psicológico com vistas a dissuadi-la da ideia de realizar o abortamento", que deve receber atendimento que proponha adoção, "exame de imagem e som que demonstre a existência de órgãos vitais, funções vitais e batimentos cardíacos"; e "demonstração das técnicas de abortamento, com explicação sobre os atos de destruição, fatiamento e sucção do feto, bem como sobre a reação do feto a tais medidas".
Isso tudo tem um nome: tortura. Pensa assim: a mulher foi estuprada, engravidou, e, como é seu direito, quer abortar. Mas antes ela precisa ouvir o coração do fruto do estupro batendo. Além disso, Holiday através do seu projeto demonstra não saber que hoje a maior parte dos abortos não é cirúrgica, mas através de medicamentos. 
Além de todos esses absurdos, o projeto obriga todas as mulheres a ter atendimento religioso, para dissuadi-las a abortar. Isso me lembra Gilead. Abortar não pode, precisa de atendimento religioso, mas pode ter arma de fogo pra matar. E adivinhem qual religião o atendimento religioso abordaria? Umbanda? Candomblé?
A repercussão contra o projeto de Holiday foi enorme, e por isso ele recuou. Disse numa entrevista: "Como o projeto foi escrito originalmente, percebi após criticas na imprensa e até conversando com mulheres que essa reflexão não pode se dar à custa de um sofrimento maior para as mulheres, que já estariam numa situação totalmente calamitosa. Nunca foi minha intenção aumentar o sofrimento delas". Puxa, ele até conversou com mulheres pra apresentar um projeto que afeta diretamente a vida das mulheres?! Que sacrifício!
Na realidade, o que Holiday e tantos outros reaças estão fazendo é "testing the waters", testando a água da opinião pública. Quão conservadora está a sociedade brasileira? Uma pesquisa recente mostrou que 41% dos brasileiros são contra o aborto em todos os casos. Ir testando os cenários foi o que eles fizeram com o Escola sem Partido, que foi rejeitado pela população, embora eles vão insistir. Holiday teve que recuar no Escola Sem Partido depois que passou a ser visto como inimigo dos professores. Agora precisa passar a ser visto como inimigo das mulheres. 
Apesar de Holiday afirmar que apresentará outro projeto, ele não vai recuar em várias coisas. Por exemplo, em vez de exigir a obrigação de um alvará provando que houve estupro, Holiday quer exigir um boletim de ocorrência, "o mínimo", segundo ele, "que se poderia exigir de alguém que foi violentada sexualmente". Como diz a defensora pública Paula de Souza, "por que precisa que a palavra da mulher seja validada por outro órgão?" Ela explica que muitos casos de estupro acontecem dentro de casa, por familiares. Essas mulheres podem ter motivos de não querer denunciar o estuprador. 
Um dos pontos mais polêmicos do projeto é o que previa a internação psiquiátrica de uma mulher que queira fazer um aborto ilegal. Um médico deveria ouvir essa mulher grávida e, se notasse que ela estava pensando em abortar, denunciá-la. Agora Holiday disse que se referia a mulheres dependentes químicas e moradoras de rua. AH, BOM! Que maravilha que ele explicou e vai esclarecer isso no texto! É condizente com a ideia de criminalizar e internar mulheres pobres e negras! E de transformar médicos em dedos-duros, o que fere o sigilo médico para pacientes. 
Ah, esses homens que se dizem liberais nas leis, querem que as empresas possam agir livremente, sem qualquer regulamentação. Mas quando se trata de controlar o corpo das mulheres, aí já viu! Vai te catar, Fernando Holiday!

Veja o vídeo no Fala Lola Fala e inscreva-se no canal!

18 comentários:

titia disse...

Essa corja antiaborto merece a morte e religião é um lixo. Sem mais.

Anônimo disse...

Eu concordo com o projeto do hollyday. Imagine, ter assistência médica durante a gravidez e te ajuda a tomar uma decisão de cabeça fria, com mais sabedoria.

Anônimo disse...

a) Texto 1000 Lola

b) Sinceramente Holiday me enoja nao passa de um moleque mimado que quer tirar os direitos das pessoas com o conservadorismo hipocrita dele.

c) Eles na verdade sao pro parto porque depois do parto eles querem que a crianca se exploda

Anônimo disse...

"Ah, esses homens que se dizem liberais nas leis, ..."

Vejo em todo o texto "um ou dois dedos" de Derrida, Lyotard e Foucault.

A desconstrução dos conceitos. Dissonância entre o significado e o seu significante.

Mas tudo bem, toca o búzio Lola.

Anônimo disse...

O MBL não quer perder a boquinha conquistada às custas de fake news, perseguições, mentiras, pois quem os banca financeiramente pode muito bem mudar para outro personagem mais virulento, verborrágico a impor mesmo na marra um um modo padrão de comportamento, atitudes, por isso a abordagem agressiva, torpe e até doentia contra minorias, detalhe: necessitam ter a simpatia da bancada religiosista.

Anônimo disse...

Anônimo 17:32,

Que ótimo isso de “assistência médica”, né? Então defenda internação psiquiátrica forçada também para o Bozo, que costuma tomar decisões imprudentes.

Anônimo disse...

Crie um blog ou vai caçar um blog de misoginia para interagir, pois aqui não condiz com sua mente doentia.

Jane Doe disse...

Por onde começar:

(...)durante 15 dias, obrigatoriamente passar por "um atendimento psicológico com vistas a dissuadi-la da ideia de realizar o abortamento"(...) - mas atendimento psicológico para vítimas de violência domestica, abuso sexual e pedofilia não tem.Custa caro, onera o Estado, o SUS não tem recurso (aliás, atendimento psicológico acessível para qualquer pessoa que precise não tem tem)... mas pra punir "a puta que abriu as pernas" - mesmo contra a vontade dela - aí aparece recurso por geração espontânea...

(...)"exame de imagem e som que demonstre a existência de órgãos vitais, funções vitais e batimentos cardíacos"(...) - novamente, pra fazer um pré-natal decente para as mães que desejam suas gestações ou para diagnosticar alguma enfermidade, aí não tem equipamento, enfermeiro, técnico etc...

(...)"demonstração das técnicas de abortamento, com explicação sobre os atos de destruição, fatiamento e sucção do feto, bem como sobre a reação do feto a tais medidas"(...) - mais uma: essa raça maldita que são GOs não se dão o trabalho de explicar o básico de um tratamento simples ou de fazer uma anamnese minimamente decente, mas se for pra aterrorizar psicologicamente uma mulher já em situação de fragilidade, aí sim - aí tem até lei para regular o trabalho porco deles...

É incrível o esforço hercúleo que os homens fazem para controlar e quebrar física-/psicologicamente as mulheres.
Pra fazer algo que presta porém... não conseguem nem mover a mão pra limpar o próprio rabo...

Anônimo disse...

Vamos criar um sim! Obrigado pela atenção! Vcs já tem aqui o da misandria, nós iremos criar o de misoginia para balancear.

Anônimo disse...

Anon das 17:32 tremendo otario bundão vá esfriar teu rabo

Anônimo disse...

Muitos não limpam a bunda mesmo, literalmente!

Anônimo disse...

Engraçado, um dia comentei aqui que espaço feminista deveria ser seguro para mulheres interagirem... Logo me responderam "NÃO ACEITA OPINIÃO CONTRÁRIA", e ninguém também deu bola... Não tô entendendo porque essa indignação agora aqui... Misoginia aqui virou opinião faz tempo.

Anônimo disse...

Triste, tô com nojo disso tudo. Usar religião pra justificar sofrimento que pode ser evitado... E homens querendo regular mulheres, não tem empatia nenhuma.

Rafael disse...

O caso da menininha violentada gerou o diálogo mais nojento de toda a internet entre o Padre Paulo Ricardo e o Olavo de Carvalho, se alguém tem dúvida que esses dois são lixos humanos ouçam a conversa que a dúvida vai acabar.

Lola Aronovich disse...

Não sei nem que caso é esse, Rafael. Vc tem um link desse diálogo entre os dois reaças?

Anônimo disse...

Este vídeo traz o diálogo entre os dois, aos 1:50: https://youtu.be/PWm-C11nEa8

Rafael disse...

Vc citou o caso no texto Lola, eu ouvi no canal do Maestro Bogs, é uma coisa tão asquerosa, nojenta, baixo nível.

Ouça por sua conta e risco:

https://www.youtube.com/watch?v=nUYuP_QKgVA

Lola Aronovich disse...

Obrigada, gente, vi o vídeo. Realmente repulsivo e perturbador. Incrível como tanta gente fala mal do Olavo de Carvalho e cita os fetos abortados da Pepsi, mas em geral não diz nada sobre ele falar que toda menina de 9 anos que foi estuprada quer um bebezinho. Ou que esses casos só acontecem em casa de mãe solteira que vive com o amante.