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quarta-feira, 16 de março de 2011

POR QUE PECADOS ÍNTIMOS, O FILME, É MELHOR QUE O LIVRO

Jennifer Connelly e Patrick Wilson, casal com filho na cama.
Já falei que adoro Pecados Íntimos (Little Children), filme de 2006 do Todd Field? Já: até o escolhi um dos melhores dramas da década! Cada vez que revejo o filme, mais gosto. Decidi ler o romance do Tom Perrotta, que também é bem acima da média, mas prefiro o filme. O final do livro é totalmente diferente do do filme, e devo dizer que gostei mais da conclusão no cinema. No romance, é exagerado demais. (Spoilers, gente!) Tem gente sobrando no parquinho à noite. Por exemplo, o que Mary Ann está fazendo lá? A explicação que seu casamento está em crise e ela se dirigiu ao playground pra fumar um cigarrinho escondida não convence. Ela não tem nada que estar lá. Só o bando de acontecimentos numa só noite deveria bastar.Olha só: Todd (ou Brad no livro, acho que o diretor/roteirista mudou o nome do personagem pra que não levasse o seu nome, Todd), e Sarah vão fugir, a mãe de Ronnie morre, Ronnie, desesperado, vai ao parquinho, e Larry decide pedir desculpas a Ronnie no mesmo momento. Tudo isso está no livro e no filme. No livro ainda põem a Mary Ann na história. E tem mais: no livro, Ronnie acaba confessando aos três presentes que matou uma menininha alguns anos atrás (que estava desaparecida), porque ela havia ameaçado contar sobre ele. Os quatro fumam um cigarro juntos. E, quando perguntam a Sarah por que ela está lá com a filhinha (dormindo no balanço) à noite, o que é perigoso, ela ri e pensa: estou aqui porque beijei um homem neste mesmo espaço, e essa foi minha maior felicidade na vida adulta, e imaginei que seria uma pessoa especial a ponto de merecer um final feliz. Antes disso ela imagina virar advogada. Depois, vê que terá que estreitar os laços com sua filhinha.Já Todd se acidenta andando de skate. Ninguém encontra a carta que ficou no seu bolso, e Kathy, sua esposa, não aparece. Ele está bem, e pergunta ao policial (seu parceiro de futebol americano) se ele daria um bom policial. Está aliviado por não ter fugido com Sarah, porque percebe que só a ama no contexto de uma aventura de verão. Ah, Kathy fala com ele sobre Sarah. Ela sabe. Tá, isso tudo faz parte do final. Resoluções demais prum fim só. Parece novela, né?No filme, olha só como o final flui melhor: Ronnie, desesperado com a morte da mãe, destrói todas as bugigangas decorativas que vemos no começo (nada disso no livro). Ele vai até o parquinho. A conversa entre ele e Sarah é muito mais curta. Nem sinal de vida de Mary Ann. Lucy desaparece, e Sarah entra em pânico e vai atrás dela. Só quando Ronnie está só no parquinho é que surge Larry, e pede desculpas. É um momento bem comovente. Totalmente oposto ao do livro, em que, quando Ronnie vê Larry se aproximando, pensa: “Ah, que ótimo! Agora ele vai quebrar meu outro braço”. E Larry chega mesmo batendo nele.No filme o final transforma radicalmente os dois personagens. Ronnie se automutila, tenta se castrar. Sua mãe lhe pediu para ele ser um bom garoto, e essa é a única forma que ele encontra de resolver seu problema, sua doença (pedofilia). Quando Larry vê o sangue nas calças de Ronnie, o pega em seus braços e o leva, em sua van, com as luzes de emergência, a um hospital. Ele, que foi seu maior antagonista durante o filme todo, vê que salvar Ronnie é sua chance de redenção. Então é como se os dois se redimissem. Ambos se arrependem de seus atos e tentam não repetir seus erros. É muito interessante porque, no livro, Sarah olha pra sua filha, dormindo no balanço, e pensa: se estivéssemos sozinhas, pediria desculpas pra ela. No filme, elas estão sozinhas no carro, e Sarah pede desculpas e chora. E fica claro naquele momento quem é a criança e quem é a adulta. A filha a consola, diz: “It's okay, Mommy”. Gosto dessa parte. A garotinha parece tão madura!Quando vi o filme, tive certeza que Richard, o marido de Sarah, havia sido editado ao máximo. No livro ele aparece mais, mas não muito mais. É só que há uma resolução. Ele vai até a Califórnia conhecer seu objeto de desejo, Slutty Kay. Aquela do site pornô, das calcinhas. E decide ficar por lá. Liga pra Sarah só pra comunicar que vai se divorciar dela, mas que ela pode ficar com a casa e com o carro. Richard é um personagem mais trabalhado no livro, lógico. Porque ele é um viciado em pornografia. Existem muitos casos assim de homens que ficam tão acostumados com a pornografia que não querem (ou não conseguem) mais se relacionar com pessoas de carne e osso. Nem sexualmente nem emocionalmente. Ok, não precisa ser porn. A gente pode se viciar em trocar mensagens na internet e não querer mais contato com a vida real. Mas o vício em porn é uma realidade, e tão frequente que existem grupos de apoio para ajudar a se livrar do vício.No livro não está presente uma cena que eu nunca entendi direito no filme. É a da Jean, a vizinha de Sarah. Jean é uma mulher mais velha que caminha com Sarah e que se dá muito bem com Lucy. Ela some abruptamente do livro, o que considero um defeito. Mas no filme não entendo bem o que acontece. Quando Sarah viaja com Todd (sob o pretexto que ele vai prestar o exame dos advogados ― o livro descreve a fuga dos dois, o filme não), deixa sua filha com Jean. Ao voltar, tenta lhe dar algum dinheiro pra pagar pelo serviço de babá. Jean sente-se ofendida e não aceita o dinheiro. Mas só isso não é suficiente pra explicar seu mal-estar. Ela se zanga com Sarah pelo lance da grana, ou por que notou que Lucy é uma criança fofa e Sarah não é uma boa mãe, ou por que sabe que Sarah está mentindo e encontrando-se com o amante? Ou todas as respostas anteriores? Não fica claro. Não preciso nem dizer que recomendo muito que você veja ou reveja Pecados Íntimos (e leia o livro). Apesar de tratar de adultos infantilizados, que não sabem lidar com suas frustrações, é um dos filmes mais adultos da década.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

MINHAS CENAS FAVORITAS DE PECADOS ÍNTIMOS

Jennifer Connelly, desfocada, observa Kate Winslet

“Crianças pequenas” é um título inteligente pro que foi traduzido pro português como Pecados Íntimos, porque não se refere apenas aos filhos dos adúlteros ou ao objeto de desejo do pedófilo, mas também a como esses adultos se comportam. Eles são egoístas, querem sua satisfação pessoal e imediata antes de tudo e, no caso do Brad (Patrick Wilson), tem uma nostalgia excessiva pelo passado, como se nunca quisesse ter saído da adolescência. Esta é a cena mais bem filmada. Eu amo. Kathy (Jennifer Connelly) convida Sarah (Kate Winslet) pra sua casa, já que a filhinha de Sarah virou amiga do filhinho de Kathy. E ela fica desconfiada após tentar falar com Brad sobre essa mulher, e Brad dizer que nem se lembra o nome dela. Então ela chama Sarah e seu marido para um jantar.E Kathy nota que há uma tensão sexual no ar e que Sarah e Brad são amantes. Isso acontece principalmente nesta cena, em que Sarah reclama que “não sabia” que Brad era amigo de um ex-policial, ou que jogavam futebol americano juntos ― uma revelação de que Sarah sabe bastante da vida de Brad, tanto que sente-se no direito de se queixar por ele não ter lhe contado tudo. Adoro como a câmera se mantém em Sarah, apesar de toda a narrativa da cena centrar-se na desconfiança de Kathy, e só vemos ao fundo, desfocado, o rosto de Kathy. Mas dá pra ver claramente que ela não está nada feliz. Acho que essa escolha da câmera dá um toque irônico, e deixa a cena menos séria.A sequência de outro jantar, entre dois desajustados, sempre acaba com minhas defesas. O pedófilo ― que a história atenua para que seja apenas um exibicionista, não necessariamente um molestador de crianças ― sem dúvida é uma “criança pequena”. Tem 48 anos mas mora com a mãe, que faz tudo por ele. Ele é totalmente dependente. Sua mãe, sabendo que ela não tem tanto tempo de vida pela frente, quer que ele conheça uma mulher para cuidar dele, e coloca um anúncio pessoal. Quem entra em cena? A Jane Adams, ótima atriz que tem ampla experiência com encontros desastrosos (blind dates). Ela esteve no magnífico Felicidade, em que seu encontro catastrófico com um carinha abre o filme (e que acho que serviu de inspiração para o começo de A Rede Social).No início, Ronnie (Jackie Earle Haley, de Watchmen) e Sheila (Jane) estão num restaurante. Sheila está tão em outra, por estar medicada, que Ronnie precisa chamá-la à realidade (como a mãe do rapaz do vídeo em Beleza Americana). Ela é sincera demais (não uma boa ideia quando se tem depressão, um longo histórico de rejeição, e nenhum amor próprio), e o maior elogio que Ronnie lhe faz é dizer que ela não é tão horrível. Esse é um elogio e tanto vindo de cara sem nenhum traquejo social como Ronnie, e Sheila, que também é uma outcast, reconhece isso. Mas, no carro dela, quando estão voltando pra casa, Sheila conta que no seu último encontro, o carinha havia ido ao banheiro e fugido, deixando-a sozinha para que pagasse a conta. Portanto, a noite com Ronnie havia sido muito boa (olha os critérios de comparação!). Só aí ela, tímida, olha pro lado e vê que ele está se masturbando. Ela chora ao perceber que, mais uma vez, não terá sorte num encontro. E ele ainda a ameaça de ir atrás dela se contar sobre isso a alguém. Eu vejo essa cena e fico com muita, muita pena deles. Claro, mais da Sheila, óbvio, mas dele também. No livro Little Children, de Tom Perrotta, a cena não funciona tão bem. Ronnie mal fala com ela durante o jantar, boceja sem parar, e diz que esqueceu sua carteira para não ter que pagar a conta. O resto da noite é bastante parecido, mas mais eficaz no filme. Em compensação, no livro há este trechinho falando do classificado pessoal que a mãe de Ronnie põe pra ele: “O classificado pessoal de Ronnie funcionou como um ímã, atraindo mais de 27 cartas apenas na primeira semana. [...] Ronnie tinha lido as cartas em voz alta, e quase todas tratavam diretamente da frase 'Não sou perfeito e não espero que você o seja'. Devia haver muitos homens exigindo perfeição, a julgar pelo alívio que as mulheres sentiam pela ausência dessa exigência”. É de partir o coração.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

BELEZA É SUPERESTIMADA, DIZ UM CARA LINDO

Uma das razões pelas quais não considero que Kate Winslet tenha sido bem escalada pro papel de Sarah (embora essa seja uma das grandes performances de sua carreira) em Pecados Íntimos (2006, um dos melhores dramas da década, na minha opinião) está nessa descrição do romance de Tom Perrotta, como se o narrador estivesse lendo o pensamento de Todd/Brad (Patrick Wilson, o bonitão de Watchmen, O Fantasma da Ópera e O Vizinho): “It didn't seem to matter that Sarah wasn't his type, wasn't even that pretty, at least not compared to Kathy, who had long legs and lustrous hair, and knew how to make herself as glamorous as a model when you gave her a reason to. Sarah was short and boyish, slightly pop-eyed, and a little-angry-looking when you got right down to it. She had coarse unruly hair and eyebrows that were thicker than Todd thought necessary. But so what?” (Perrotta 46).
Minha tradução, pobrinha: “Não parecia importar que Sarah não fosse seu tipo, que não fosse nem tão atraente, pelo menos não se comparada a Kathy, que tinha longas pernas e cabelo lustroso, e sabia como se fazer glamurosa como uma modelo quando você desse a ela um motivo pra isso. Sarah era baixa e andrógina, com os olhos vagamente saltados, e com uma aparência um pouco agressiva, se você olhasse bem. Ela tinha cabelo áspero e desarrumado e sobrancelhas que eram mais grossas que Todd achava necessário. Mas e daí?”. Não acredito que alguém leu essa descrição da personagem e pensou: “Putz, é a cara da Kate Winslet, aquela feiosa!”.
Pelo menos a escolha do Patrick pra interpretar o bonitão foi mais do que adequada. Acho esse trecho do livro interessantíssimo:
“At any other time in his life, he wouldn't have even looked twice at her, wouldn't have had the imagination to see past her sharp-featured, not-quite-pretty face, her less-than-stunning body. Why would he? He'd always been the kind of guy who could get the obvious girls, the pretty ones with haughty expressions and legs-up-to-here, the short sexy ones with the big brown eyes and the improbably large breasts, the would-be models, the willowy Asians, the hotties who caused a stir walking down the beach or past a row of lockers, the ones who'd never been without a boyfriend since the day they turned eleven, the girls most other guys knew better than to even make a play for. He'd never had to make the adjustments and compromises other people accepted early in their romantic careers, never had a chance to learn the lesson that Sarah taught him every day: that beauty was only part of it, and not even the most important part, that there were transactions between people that occurred on some mysterious level beneath the skin, or maybe even beyond the body. He was proud of himself for wanting her so badly. It made him feel like he'd grown up a little, expanded his vision, like he'd traveled to a faraway place or learned to appreciate an exotic food” (Perrotta 145-6). Vou tentar traduzir: “Em qualquer outra época de sua vida, ele não teria nem olhado duas vezes para ela, não teria tido a imaginação de ver além do seu rosto duro, não muito bonito, ou seu corpo menos que deslumbrante. Por que olharia? Ele sempre fora o tipo de cara que pegava as garotas óbvias, as bonitas com expressões insolentes e pernas até aqui, as baixinhas sexy com os grandes olhos marrons e os seios improvavelmente grandes, as que se tornariam modelos, as orientais esbeltas, as gostosas que causavam tumulto andando na praia ou nos corredores da universidade, as que nunca ficaram sem namorado desde o dia em que completaram onze anos, as garotas que a maioria dos caras sabia que nem deveria se aproximar. Ele nunca teve que fazer os ajustes e acordos que outras pessoas aceitavam cedo nas suas carreiras amorosas, nunca teve a chance de aprender a lição que Sarah lhe ensinava todo dia: que a beleza era só uma parte, e nem a parte mais importante, que havia outras transações entre as pessoas que ocorriam em algum nível misterioso sob a pele, ou talvez até além do corpo. Ele tinha orgulho de si por desejá-la tanto. Isso o fazia sentir-se mais maduro, como se tivesse expandido sua visão, como se tivesse viajado para um lugar distante ou aprendido a apreciar uma comida exótica”. Ha ha, adoro como um cara tão imaturo, tão infantil como Todd/Brad, pode pensar-se mais adulto simplesmente por desejar uma mulher não bonita! E também amo a comparação com a comida exótica. O Perrotta é ótimo, gente.Esse parágrafo já vale o livro, porque tá tudo lá: o privilégio de um lindo rapaz que, por ser privilegiado, nem percebe as vantagens que tem em ser bonito. E eu acho esse um tema interessante: como deve ser ser deslumbrantemente atraente? Quais são os benefícios na vida? Volta e meia aparece alguma pesquisa indicando que pessoas atraentes conseguem melhores empregos, e por isso ganham mais. E ontem mesmo a gente tava falando do bullying que se manifesta na escola contra qualquer desvio do padrão. E aí, existe diferença de gênero nessa vantagem de estar dentro do padrão de beleza? A gente sabe que há um preconceito de que mulher bonita é automaticamente burra, se bem que acho que as vantagens de ser bonita num mundo que exige isso do sexo feminino são muito maiores que as desvantagens. Mas e pros homens bonitos, existe esse preconceito também? Há uma expectativa que um homem lindo se junte a uma mulher linda? Homem lindo é mais arrogante? (isso é legal no livro e no filme, porque Todd/Brad é inseguro pacas).E tanto o livro quanto o filme são muito inteligentes porque, depois dessa reflexão toda, Todd diz a sua amante que beleza é superestimada. E Sarah, que não é nem nunca foi bonita (ao contrário da Kate Winslet), que conhece melhor a realidade, pensa: Que babaca! Só alguém lindo desse jeito pra dizer uma besteira dessas!

quarta-feira, 12 de março de 2008

A MÃE QUE PERDOOU O ASSASSINO DE SUA FILHA

Fui ver “Frozen” (Congelados), peça inglesa de Bryony Lavery, no teatro Baldwin em Royal Oak, subúrbio de Detroit. E adorei. Chorei até não poder mais. Não era a única, mas provavelmente a mais exagerada. Esse tipo de coisa mexe demais comigo. É a história de uma mãe que tem sua filhinha de dez anos sequestrada e morta por um serial killer, e sua jornada pra conviver com isso. Na realidade, são três personagens: a mãe, o assassino, e uma cientista que estuda comportamento criminal. O serial killer, pedófilo, vem de uma infância traumática, quando também foi estuprado. A mãe da garota, primeiro, quer que ele morra, naturalmente; depois, o perdoa. O título se deve a todos os três personagens encontrarem-se congelados em sua condição, e só conseguirem sair dela interagindo. Eu derramei lágrimas do começo ao fim. E o pior é que, quando acabou a peça, uma senhora foi convidada a falar ao público. Aquilo que foi relatado ficcionalmente aconteceu com Marietta Jaeger Lane na vida real. Em 1973, a filha dela, de 7 anos, foi sequestrada enquanto a família estava acampando. Um ano depois, o sequestrador ligou pra Marietta, em Detroit, bem no aniversário da menina, e falou com ela durante uma hora. Ele ainda afirmava que ela estava viva. Graças às pistas deixadas no telefonema, a polícia conseguiu chegar ao lugar. O cara era suspeito, mas passou três testes no detector de mentiras, e mais um com o soro da verdade (aparentemente um dos problemas pra pegar serial killers nesses testes é que eles não acham que estão fazendo algo de errado). No caminho de volta do último teste, o assassino sequestrou outra menina, e foi pego. Nunca encontraram o corpo da filha de Marietta, mas o serial killer acabou confessando. Marietta conta que, no início, queria matá-lo com suas próprias mãos. Porém, conseguiu apoio na sua religião (católica), rezou muito, pediu forças. O marido, que nunca perdoou o assassino, morreu pouco depois. Marietta tinha a opção de, junto aos promotores, pedir pena de morte pro serial killer. Ela é de Michigan, estado que não adota a pena capital, mas o crime havia acontecido em outro estado. Acabou chegando à conclusão que matar o assassino de sua filha seria apenas mais uma morte, que traria sofrimento a mais uma família (a do pedófilo), e que não devolveria a sua perda. Além disso, ela achou que não combinava com a imagem da filha ter uma morte em seu nome. Marietta defendeu a prisão perpétua pro assassino. Só que, após conhecê-lo pessoalmente – ela foi à cadeia para perdoá-lo –, ele se suicidou. Faz mais de três décadas que Marietta trabalha contra a pena de morte e no apoio de familiares das vítimas.

Não preciso nem falar que sou contra a pena capital. Ela não diminui a criminalidade, custa mais caro ao Estado que a prisão perpétua, e só condena os mais pobres, claro. Eu sou ingênua e acredito que dá pra reformar um criminoso. Mas realmente tenho dúvidas se um pedófilo, por exemplo, que geralmente sofreu abusos na infância, pode ser “curado”. Se a ciência decide que não, não pode, o que fazer com ele? Mantê-lo na prisão pro resto da vida? Digamos que o pedófilo não seja um serial killer, ao contrário dos dois casos acima, o ficcional e o real. Imagine que, até agora (e essas duas palavrinhas é que são perigosas), o sujeito agiu mal sem tocar em crianças – por exemplo, exibiu-se nu pra elas. O que fazer? O cara já foi preso, cumpriu pena, foi liberado, continua com tratamento psiquiátrico. É correto que seu nome faça parte de uma lista de pedófilos, exposta na internet, para que toda a vizinhança fique sabendo e possa assim proteger seus filhos? Tô pensando em “Pecados Íntimos”. Há uma cena excelente em que o pedófilo entra numa piscina pública, cheia de crianças, e todos saem correndo em pânico, como na praia de “Tubarão”. Isso parece ridículo, um medo injustificado, porque nenhum criminoso atacaria alguém no meio de uma multidão. Mas, se eu fosse mãe, não gostaria nada que meu filho estivesse no mesmo quilômetro quadrado de um pedófilo. E se o pedófilo no filme em questão, ainda que não fizesse nada, mentalmente captasse imagens de crianças para depois fantasiar com elas? Eu tampouco gostaria disso. Portanto, um pedófilo não deveria ocupar o mesmo espaço que crianças, ponto. Mas, ao afirmar isso, não estou deixando claro que uma reforma é impossível? E mais: num caso desses, o Estado deveria proibir a pessoa de ser pai? De adotar uma criança, logicamente, sim. Mas de ter seus próprios filhos biológicos?

Esse assunto é muito rico e polêmico. E melhor nem entrar no outro assunto relacionado a este, algo que não consigo parar de pensar: mulheres não são serial killers, mulheres não são pedófilas. Mulheres são sempre vítimas. Ou mães de vítimas. Infelizmente, mães de pedófilos também.

quinta-feira, 30 de novembro de 2006

CRÍTICA: PECADOS ÍNTIMOS / No íntimo todo mundo é igual

Faz quase um mês que vi “Pecados Íntimos” em São José, e só agora chegou a Joinville. Até iria ver o ótimo drama de novo, mas começo a suar frio só de pensar no estado da cópia (“Ponto Final” e “Vôo United 93” vêm à mente, cheios de cortes e com os rolos trocados!). Bom, “Pecados” foi um dos filmes importantes de 2006 preteridos pelo Oscar, assim como “Filhos da Esperança”, “Volver” e “O Grande Truque”: praticamente todos entraram nas listas dos melhores do ano, até receberam uma ou outra indicação, mas acabaram saindo de mãos abanando. Sinal de que houve uma boa safra, como há muito não se via.

“Pecados” é um desses raros filmes adultos, o antídoto de “Norbit”. Mais do que moralista, o drama aponta pra uma vida que é um inferno (como se a gente não sacasse isso vendo o trailer de “Norbit”). Eu me senti melhor vendo “Pecados”, porque constatei que os problemas de todo mundo são bem maiores que os meus. Ou talvez o que o drama represente seja igualzinho ao que acontece em outros subúrbios mais pobres. “Pecados” aponta o preconceito e o tédio vividos pelas famílias americanas de classe média alta. O adultério surge como algo inevitável (pesquisas afirmam que um em cada dois brasileiros já traiu a mulher, e como disse um amigo, o outro é um mentiroso). Essa é uma das historinhas: a personagem da Kate Winslet, que fez doutorado em literatura inglesa (parece familiar?), vive uma enfadonha rotina de dona de casa sem intimidade com o marido e sem carinho pra sua filhinha. Ela se envolve com o bonitão paradão Patrick Wilson (convincente também em “Meninamá.com”), cuja esposa, Jennifer Connelly (de “Diamante de Sangue”), é uma profissional de sucesso que não liga pra sexo. Pra completar, há um pedófilo no pedaço (Jackie Earle Haley, indicado ao Oscar de coadjuvante). Todo o elenco tá perfeito (gostei bastante do Noah Emmerich, que faz o melhor amigo do Jim Carrey em “Truman Show”) e, se houvesse uma estatueta pra melhor elenco, o deste filme concorreria com o de “Pequena Miss Sunshine” e o de “Infiltrados”.

O título original, “Little Children”, ou “Crianças Pequenas”, pra mim se refere aos homens, todos umas criancinhas que se recusam a crescer. O pedófilo vive com e para a mãe, o bonitão sonha em voltar à adolescência, seu amigo também, e o marido da Kate, idem. Não que a personagem da Kate seja muito madura emocionalmente, mas é diferente. Não é uma imaturidade do tipo “eu quero! Eu quero! Agora!”, é mais de acreditar em amor romântico. Eu fiquei com pena de todo mundo.

A adaptação é a mais literal possível. O diretor Todd Field, de “Entre Quatro Paredes”, pegou o romance de Tom Perrotta (que escreveu “Eleição”. Não li nada dele, mas o cara só pode ser bom), e incluiu até uma voz em off bem esquisita. Acho que o que me incomodou foi que fosse voz de homem. Ou talvez que fosse meio épica: uma voz de épico narrando coisas tão banais. Mas seria difícil deixar a voz de fora. Ao menos não é a voz em off tradicional, acompanhando apenas um personagem (o protagonista, em geral), mas todos. É uma voz onipresente, como a de “Dogville”. Ah, outra coisa que remete à “Dogville” são as estátuas, os brinquedinhos decorativos de gesso. Mas “Pecados” lembra mais “Beleza Americana” e, óbvio, “Felicidade”, que tem o melhor retrato de um pedófilo visto nas telas. Quando apareceu a Jane Adams num papel parecidíssimo ao dela em “Felicidade”, não tive mais dúvidas da inspiração de “Pecados”. É “Felicidade” com menos humor.

Aliás, a trama que fala do pedófilo é complicada. Lógico que a comunidade se foca no carinha pra não ter que lidar com seus próprios fantasmas interiores. Ou seja, pra gente é fácil condenar os suburbanos que tiram seus filhos da piscina pública assim que o sujeito entra (essa cena, além de “Tubarão”, também me lembrou de algum filme com a Halle Berry, em que ela entra numa piscina de um hotel luxuoso e todos os hóspedes saem, por ela ser negra. E só voltam a entrar na piscina depois de trocada a água!). Mas e se eu tivesse filhos, qual seria minha reação? Se há um molestador de crianças à solta na vizinhança, eu não gostaria de tê-lo por perto. Mesmo que eu esteja vigiando e dê pra ver que ele não está fazendo nada de errado na piscina, vai que ele se excita em ver crianças em trajes de banho. Eu odiaria que um molestador se excitasse pensando nos meus filhos. Assim como é irritante pra gente, que é mulher, receber telefonema de um tarado arfando do outro lado da linha e perguntando “O que você está vestindo?”. Se você é homem, só passou por isso na condição de predador. Por outro lado, o pedófilo já foi condenado e solto e tem todo o direito de circular por onde quiser. E ele não molestou nenhuma criança (ainda?), só gosta de se exibir pra elas. Mas seria conveniente se ele evitasse lugares cheios de guris, não?

“Pecados” tem seus pecadilhos, como o personagem do marido da Kate, um cara sem qualidades redentoras. Parece que tiraram algo da história. Mas é um drama pra lá de inteligente, que faz pensar. Só dói ouvir a Kate Winslet reclamar por não ser bonita. Vai te catar, diretor!