











Não preciso nem falar que sou contra a pena capital. Ela não diminui a criminalidade, custa mais caro ao Estado que a prisão perpétua, e só condena os mais pobres, claro. Eu sou ingênua e acredito que dá pra reformar um criminoso. Mas realmente tenho dúvidas se um pedófilo, por exemplo, que geralmente sofreu abusos na infância, pode ser “curado”. Se a ciência decide que não, não pode, o que fazer com ele? Mantê-lo na prisão pro resto da vida? Digamos que o pedófilo não seja um serial killer, ao contrário dos dois casos acima, o ficcional e o real. Imagine que, até agora (e essas duas palavrinhas é que são perigosas), o sujeito agiu mal sem tocar em crianças – por exemplo, exibiu-se nu pra elas. O que fazer? O cara já foi preso, cumpriu pena, foi liberado, continua com tratamento psiquiátrico. É correto que seu nome faça parte de uma lista de pedófilos, exposta na internet, para que toda a vizinhança fique sabendo e possa assim proteger seus filhos? Tô pensando em “Pecados Íntimos”. Há uma cena excelente em que o pedófilo entra numa piscina pública, cheia de crianças, e todos saem correndo em pânico, como na praia de “Tubarão”. Isso parece ridículo, um medo injustificado, porque nenhum criminoso atacaria alguém no meio de uma multidão. Mas, se eu fosse mãe, não gostaria nada que meu filho estivesse no mesmo quilômetro quadrado de um pedófilo. E se o pedófilo no filme em questão, ainda que não fizesse nada, mentalmente captasse imagens de crianças para de
pois fantasiar com elas? Eu tampouco gostaria disso. Portanto, um pedófilo não deveria ocupar o mesmo espaço que crianças, ponto. Mas, ao afirmar isso, não estou deixando claro que uma reforma é impossível? E mais: num caso desses, o Estado deveria proibir a pessoa de ser pai? De adotar uma criança, logicamente, sim. Mas de ter seus próprios filhos biológicos?
Esse assunto é muito rico e polêmico. E melhor nem entrar no outro assunto relacionado a este, algo que não consigo parar de pensar: mulheres não são serial killers, mulheres não são pedófilas. Mulheres são sempre vítimas. Ou mães de vítimas. Infelizmente, mães de pedófilos também.
“Pecados” é um desses raros filmes adultos, o antídoto de “Norbit”. Mais do que moralista, o drama aponta pra uma vida que é um inferno (como se a gente não sacasse isso vendo o trailer de “Norbit”). Eu me senti melhor vendo “Pecados”, porque constatei que os problemas de todo mundo são bem maiores que os meus. Ou talvez o que o drama represente seja igualzinho ao que acontece em outros subúrbios mais pobres. “Pecados” aponta o preconceito e o tédio vividos pelas famílias americanas de classe média alta. O adultério surge como algo inevitável (pesquisas afirmam que um em cada dois brasileiros já traiu a mulher, e como disse um amigo, o outro é um mentiroso). Essa é uma das historinhas: a personagem da Kate Winslet, que fez doutorado em literatura inglesa (parece familiar?), vive uma enfadonha rotina de dona de casa sem intimidade com o marido e sem carinho pra sua filhinha. Ela se envolve com o bonitão paradão Patrick Wilson (convincente também em “Meninamá.com”), cuja esposa, Jennifer Connelly (de “Diamante de Sangue”), é uma profissional de sucesso que não liga pra sexo. Pra completar, há um pedófilo no pedaço (Jackie Earle Haley, indicado ao Oscar de coadjuvante). Todo o elenco tá perfeito (gostei bastante do Noah Emmerich, que faz o melhor amigo do Jim Carrey em “Truman Show”) e, se houvesse uma estatueta pra melhor elenco, o deste filme concorreria com o de “Pequena Miss Sunshine” e o de “Infiltrados”.
O título original, “Little Children”, ou “Crianças Pequenas”, pra mim se refere aos homens, todos umas criancinhas que se recusam a crescer. O pedófilo vive com e para a mãe, o bonitão sonha em voltar à adolescência, seu amigo também, e o marido da Kate, idem. Não que a personagem da Kate seja muito madura emocionalmente, mas é diferente. Não é uma imaturidade do tipo “eu quero! Eu quero! Agora!”, é mais de acreditar em amor romântico. Eu fiquei com pena de todo mundo.
A adaptação é a mais literal possível. O diretor Todd Field, de “Entre Quatro Paredes”, pegou o romance de Tom Perrotta (que escreveu “Eleição”. Não li nada dele, mas o cara só pode ser bom), e incluiu até uma voz em off bem esquisita. Acho que o que me incomodou foi que fosse voz de homem. Ou talvez que fosse meio épica: uma voz de épico narrando coisas tão banais. Mas seria difícil deixar a voz de fora. Ao menos não é a voz em off tradicional, acompanhando apenas um personagem (o protagonista, em geral), mas todos. É uma voz onipresente, como a de “Dogville”. Ah, outra coisa que remete à “Dogville” são as estátuas, os brinquedinhos decorativos de gesso. Mas “Pecados” lembra mais “Beleza Americana” e, óbvio, “Felicidade”, que tem o melhor retrato de um pedófilo visto nas telas. Quando apareceu a Jane Adams num papel parecidíssimo ao dela em “Felicidade”, não tive mais dúvidas da inspiração de “Pecados”. É “Felicidade” com menos humor.
Aliás, a trama que fala do pedófilo é complicada. Lógico que a comunidade se foca no carinha pra não ter que lidar com seus próprios fantasmas interiores. Ou seja, pra gente é fácil condenar os suburbanos que tiram seus filhos da piscina pública assim que o sujeito entra (essa cena, além de “Tubarão”, também me lembrou de algum filme com a Halle Berry, em que ela entra numa piscina de um hotel luxuoso e todos os hóspedes saem, por ela ser negra. E só voltam a entrar na piscina depois de trocada a água!). Mas e se eu tivesse filhos, qual seria minha reação? Se há um molestador de crianças à solta na vizinhança, eu não gostaria de tê-lo por perto. Mesmo que eu esteja vigiando e dê pra ver que ele não está fazendo nada de errado na piscina, vai que ele se excita em ver crianças em trajes de banho. Eu odiaria que um molestador se excitasse pensando nos meus filhos. Assim como é irritante pra gente, que é mulher, receber telefonema de um tarado arfando do outro lado da linha e perguntando “O que você está vestindo?”. Se você é homem, só passou por isso na condição de predador. Por outro lado, o pedófilo já foi condenado e solto e tem todo o direito de circular por onde quiser. E ele não molestou nenhuma criança (ainda?), só gosta de se exibir pra elas. Mas seria conveniente se ele evitasse lugares cheios de guris, não?
“Pecados” tem seus pecadilhos, como o personagem do marido da Kate, um cara sem qualidades redentoras. Parece que tiraram algo da história. Mas é um drama pra lá de inteligente, que faz pensar. Só dói ouvir a Kate Winslet reclamar por não ser bonita. Vai te catar, diretor!