sexta-feira, 25 de fevereiro de 2000

CRÍTICA: BELEZA AMERICANA / Merece o favorititismo no Oscar

O Oscar bate à porta dos catarinenses

Que comecem as apostas. Depois de O Sexto Sentido e O Talentoso Ripley, outros fortes concorrentes ao Oscar desembarcam no Estado. Os favoritos Beleza Americana e O Informante entram hoje em circuito, e Regras da Vida tem pré-estréia neste final de semana. Esses três, junto com O Sexto Sentido, concorrem à estatueta de melhor filme do ano. O quinto candidato, À Espera de um Milagre, entra em cartaz na semana que vem.

Beleza Americana começa com uma adolescente pedindo para que seu pai seja assassinado, pois ele só lhe traz vergonha. Corta para a narração em off do pai (Kevin Spacey), que vai nos relatar os últimos dias dos seus 42 anos. Kevin, em um papel sob medida que lhe rendeu a indicação para o oscar de melhor ator, vive num típico subúrbio americano de classe média alta, onde a única família feliz parece ser a de um casal homossexual. Como Kevin mesmo diz, o ponto alto de seu dia é a sua masturbação matinal no chuveiro. Ele não tem um bom relacionamento com a esposa, com quem não transa há tempos, nem com a filha, que mal lhe dirige a palavra. Em evidente crise de meia idade, Kevin conhece duas figuras que vão tirá-lo do marasmo. Uma é a amiguinha de sua filha, por quem ele baba, e a outra é o novo vizinho adolescente, que lhe fornecerá maconha.
Kevin decide fingir que tem dezoito anos novamente, quando ainda era alegre e tinha a vida toda pela frente. Assim, larga o emprego numa agência de propaganda e passa a trabalhar meio período num lugar onde ele tenha a menor responsabilidade possível, isto é, preparando hambúrgueres numa lanchonete. Adquire o carro que dirigia na juventude; faz musculação para entrar em forma e poder seduzir a femme-fatale adolescente.
Enquanto isso, sua filha se envolve com o vizinho que, na falta de uma vida própria, adora filmar a dos outros. A patroa (Annette Bening, também concorrente ao Oscar, à beira de um ataque de nervos), uma corretora de imóveis dependente de fitas de auto-ajuda, passa a ter um caso com um colega e, para descarregar a tensão, aprende a atirar. As vidas de calado desespero de Chekh
ov estão prestes a berrar.
Há montes de rosas nesta obra-prima. A flor que aparece no cartaz chama-se "beleza americana", uma rosa linda, s
em espinhos... e sem perfume. Uma ótima metáfora não apenas para o filme, mas também para a nossa sociedade de consumo. Há uma outra passagem ilustrativa. O vizinho mostra a imagem mais bela que já filmou: um saquinho de plástico sendo levado pelo vento. Pois é, não é uma cachoeira ou um arco-íris. Para o rapaz, símbolo de liberdade é uma sacola de supermercado voando.

Beleza Americana é o grande filme de 1999 e conta com oito indicações para o Oscar. É o favorito, apesar de ser raríssimo a Academia premiar uma comédia. Funciona perfeitamente bem, com um ritmo invejável que não deixa a peteca cair um momento sequer, graças a um elenco magistral, e a um roteiro e direção que asseguram situações muito divertidas. É um filme altamente criativo que consegue fazer rir e pensar, e nos cativar para uma beleza que não é só americana, mas universal.
Se bem que todos os elementos caros aos americanos estão lá: as animadoras de torcida (
é hilário quando a filha carrancuda de Kevin faz suas coreografias), as meninas populares da escola, que costumam ser teasers (sua função é meramente ilustrativa: atrair e mais nada), fuzileiros navais fanáticos por disciplina, o fascínio por armas, o desejo de vencer a qualquer preço. Porém, o que torna o filme universal é uma fala-chave de Kevin. Ao largar o emprego, ele diz: "sou um cara comum sem nada a perder". Sua existência já é uma tragédia; pior é impossível.
Talvez uma frase dessas comova mais os americanos, que transformaram a palavrinha "loser" ("fracassado") no maior insulto da língua inglesa. Se você quiser realmente ofender um ianque, não tem erro: chame-o de "loser". Na sociedade mais bem-sucedida do planeta, cuja tecnologia e poder prometem mundos e fundos, qualquer um que não se encaixe no sistema - que não levar a sua parte - só pode ser um perdedor.
Honest
amente: existem diferenças gritantes entre o way of life americano e o da classe média de outros países? Acho que não. As ambições são as mesmas, os objetos de consumo e os ídolos de barro são parecidos. Tudo que a classe média alta brasileira quer é ser americana. Ela até já se sente primeiro mundo, e não gosta que a mídia internacional aponte a miséria que ela própria faz tanto esforço para não ver.
Beleza Am
ericana nos conclama a dar valor a cada momento precioso desta vidinha besta que levamos. Nós também não temos o que perder. Neste jogo de aparências, estamos fadados ao fracasso. Então, que tal nos divertirmos um pouco para, pelo menos, morrer com um sorriso no rosto?

Um comentário:

Chicazil disse...

Caramba! Adorei a crítica. Foi tudo o que eu pensei de Beleza Americana e apesar de ser um pouco antigo (1999, eu tinha 7 anos), fazia muito tempo que não assitia um filme assim cheio de surpresas! Os filmes atuais parecem, usando as palavras de Renato, "sempre mais do mesmo". São poucos os que escapam. Adorei. Queria poder me deleitar e me emocionar tanto com outros filmes do mesmo nível. Mas para isso parece que terei que escavar muito.