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quarta-feira, 30 de junho de 2010

CORONEL LANDA, UMA QUESTÃO DE PRESENÇA

Para analisar o Lolita do Kubrick de forma mais objetiva, um estudioso dividiu o filme em unidades, e contou em quantas dessas unidades Quilty, personagem do Peter Sellers, aparece, direta ou indiretamente (apenas mencionado, por exemplo). Deu quase metade do longa. Isso prova, em termos estatísticos, como Quilty, que no romance só aparece no final, é um personagem central no filme. Dá pra fazer o mesmo com qualquer obra. E, bem, não vou dividir Bastardos Inglórios nem contar os pedaços, mas me parece que os personagens mais importantes desta fabulosa obra tarantinesca são o Coronel Landa (o vencedor do Oscar de melhor coadjuvante Christoph Waltz) e a Shosanna (Melanie Laurent), e é por isso que a cena em que ambos se encontram, no café, é tão memorável. Landa pede leite pra Shosanna (onde ela estava refugiada, anos atrás, era uma fazenda leiteira), e depois diz se esquecer do que queria lhe perguntar. Que alguém tão atento e perspicaz como Landa se esqueça de alguma coisa é impossível. Pra mim, não resta dúvida que ele sabe perfeitamente bem quem é Shosanna, e até o que ela planeja fazer.Aldo (Brad Pitt) também é um personagem fundamental, certo, pois ele comanda o “exército” alternativo que tá no título, mas ele está ausente de toda a primeira parte. Aliás, ele nem sabe da existência de Shosanna, e vice versa. Eles podiam estar em filmes paralelos. Já Landa é o verdadeiro onipresente. Ele sabe tudo, vê tudo, está em todas, desde o começo. Mesmo nas cenas em que ele não aparece (como nos escalpos dos bastardos), ele se põe lá. Quando ele negocia sua rendição com Aldo, os dois bastardos ficam surpresos por Landa saber quem é cada um, tanto seus nomes como suas descrições físicas. Landa se ofende, e diz: se você acha que eu não entrevistei minuciosamente cada um dos soldados marcados que vocês liberaram, você está me subestimando. E, ao contrário de Shosanna, Landa dá as caras na longa cena da taverna. Bem, não na cena em si, mas depois do massacre, lá está ele para descobrir o sapato e o guardanapo autografado. E ele está no controle até o final, quando passa o bastão (no caso, o facão de apache) para Aldo. E vai se arrepender disso. Mas é ele que controla toda a sequência da noite de gala no cinema, que começa com um traveling de Shosanna, vigiando do alto os seus domínios. Logo essa visão do alto é substituída pela de Landa. É ele que supervisiona tudo, que vai falar com a estrela e com Aldo e seus bastardos fingindo ser italianos, no momento cinematográfico mais hilário do ano passado. Landa mata a estrela, após passar pela podofilia de praxe do Taranta (tem close de pé em Kill Bill, em Pulp Fiction, em Jackie Brown, em À Prova de Morte). Landa manda prender Aldo. Landa lamenta não ter controle sobre o apelido que lhe deram, o caçador de judeus (porque, aparentemente, é a única coisa que ele não controla).E, pensando bem, é Landa que permite que Taranta reescreva a História. Até o último minuto a gente pensa que Hitler e seus três principais comandantes irão escapar, porque, pô, a gente tem a História do nosso lado, e na vida real a Segunda Guerra não acabou com o alto comando nazista indo pelos ares numa premiere. A gente pensa que alguma coisa vai acontecer: os rolos não vão pegar fogo, alguém vai metralhar a porta, o cinema vai explodir mas Hitler terá saído; de repente nem é o Hitler, mas um sósia... Landa tem a vida de Hitler nas mãos e, como ele lembra, o destino da guerra. É ele quem negocia os termos de sua rendição (tanto que só ouvimos a voz do seu interlocutor mais adiante, quando Landa passa o telefone a Aldo).
É inegável que Christoph Waltz esteja perfeito, ainda mais dominando quatro línguas fluentemente, mas convenhamos: seu personagem é o fio condutor do filme.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

CLÁSSICOS: BASTARDOS INGLÓRIOS / Fantasmas trêmulos na tela

Cada vez que revejo Bastardos Inglórios, mais eu amo o filme, então peço licença para falar mais sobre ele. Algumas coisinhas serão parecidas com o que já escrevi nos comentários dos meus dois posts do ano passado. E já aviso que isto vai estar cheio de spoilers, mas é difícil analisar uma obra sem discutir o final e outros pontos relevantes. Ademais, BI passou no Brasil faz nove meses, já ganhou Oscar, e seu status de melhor filme do ano passado é quase unânime. Convenhamos: se você ainda não viu o filme de um dos maiores cineastas da atualidade, é porque você não é muito chegad@ a um cineminha, né? Como posso ser uma estraga-prazeres, se você não tem prazer?
BI é o tipo de filme tão rico, tão cheio de referências, que a cada revisão a gente repara em algo novo. Por exemplo, só na segunda vez é que notei que quem faz o velhinho misterioso na cena em que o Mike Myers fala sobre cinema alemão com o lindo tenente inglês é o Rod Taylor, de Os Pássaros. E só na quarta vez é que prestei atenção que seu personagem tem que ser Winston Churchill (pra ser franca, só descobri isso nos créditos). Foi preciso quatro sessões e uma pausa nos créditos até ter certeza que o nazista expert em sotaques aparece antes da cena da taverna (que agora é decididamente a minha favorita). É ele quem busca Shosanna em seu cinema, e a leva para conhecer Goebbels. Aliás, o nazista se apresenta como Major Hellstrom naquela cena da torta de maçã com chantilly, mas em nenhum momento diz quem é na tensão da taverna. E demorou, mas escolhi meu maior colírio de todo BI (e olha que há vários): Michael Fassbender, o tal crítico de cinema escalado para se passar por nazista e acompanhar a estrela à pré-estreia da propaganda alemã. O “Ah” que ele dirige à estrela após ela dizer que o irmão dele é mais bonito que ele (só isso já provaria que eles estão mentindo), com a mão no peito, fingindo indignação ― bom, nessa hora eu me senti pronta pra ter filhinhos com ele. Não por inseminação artificial, se você me entende. E não sei quanto a você, mas eu fico sentida que quase todo mundo morra naquele “Mexican standoff” (comum entre os filmes do Taranta, como em Cães de Aluguel, quando todo mundo atira em todo mundo, dando fim à maior parte do elenco) da taverna. Meu coração pertence ao Michael, certo, mas também me chateio com a morte do nazista pai do Max, o bebê recém-nascido tão citado naquela sequência. O pai do Max, tadinho, faz um discurso implorando pra viver, pra poder ver o filho crescer, e essa fala é parecida à da Uma Thurman em Kill Bill, logo após ela descobrir que está grávida. Pelo jeito, o Taranta acredita que ter filhos melhora as pessoas (ou ao menos as aposenta da maldade). BI pode ser resumido (e reduzido ― todo resumo, toda classificação, é uma redução) a duas ideias-chave: é um filme sobre o amor às línguas, e sobre o amor ao cinema. Dá pra escrever uma tese sobre como BI representa um exercício em fonética e análise do discurso. É também uma raríssima obra falada em quatro línguas, com atores falando a própria língua de onde nasceram. Até me deu vontade de aprender alemão só pra saber como o sotaque do Michael chama tanto a atenção!A segunda colocação, de BI ser sobre o amor ao cinema, está mais do que clara. Pra começar, qualquer fime do Taranta, com todas as referências e metalinguagem, é uma ode ao metiê. Mas aqui ele joga o clímax num cinema lotado, coloca entre seus personagens um ator (outro colírio, o Daniel Bruhl), um projecionista, e um crítico, faz menções a trabalhos de auteur (“esta pode muito bem ser sua obra-prima”, diz um personagem a outro, olhando pra câmera; Shosanna diz que na França os diretores são respeitados) e ao espetáculo (Brad Pitt defende o ritual do Urso Judeu, já que a violência exercida por ele é comparada a uma sessão de cinema), e prega que rolos de filme são (literalmente) incendiários. Ou seja, nada espalha as chamas mais rápido que o cinema. Mas todas essas homenagens empalidecem se comparadas à cena em que o filme nazista é interrompido por Shosanna. Aquele momento quase no final, da judia rindo na tela enquanto a tela pega fogo, e pouco depois vemos apenas o espectro que gargalha, é uma das maiores homenagens ao cinema que já vi. Porque é assim que o cinema película é descrito, como “flickering shadows” (as sombras oscilantes, que não se encontram mais no filme digital, inimigo declarado do Taranta), um espectro, um fantasma, algo bizarro, que independe do ator estar vivo para existir. Só no cinema (e na TV) a gente pode ver pessoas mortas condenadas a repetir uma ação pelo resto da eternidade.Shosanna já está morta quando seu espectro ocupa a tela. Essa cena dela rindo vem do clássico alemão de 1927 Metrópolis. Lá há uma Maria verdadeira, boa, e uma falsa, manipuladora, um clone da original. Ao ser queimada numa fogueira, a Maria falsa morre rindo, meio louca, até se transformar no robô que ela é. Em BI, naquela cena final, vemos Shosanna rindo pela primeira e única vez. Parece uma outra pessoa, como se a personagem desconfortável que vemos antes fosse a falsa Shosanna, e agora estaríamos presenciando a verdadeira ― uma moça ensandecida por vingança. Quando a tela que a projeta já não existe mais, pois se queima no meio daquele fogaréu, Shosanna não se transforma num robô, como a Maria de Metrópolis, mas num fantasma ― no próprio espírito do cinema! Isso é muito genial. Algo que só um total cinéfilo como o Taranta pode fazer.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

CRÍTICA: BASTARDOS INGLÓRIOS / Segunda parte, a missão

Na primeira vez que vi Bastardos Inglórios, os personagens que me marcaram mais, ou talvez seus intérpretes, não sei, foram:
- O Brad Pitt, excelente numa mistura nefasta de caipira americano/judeu/apache.- O detetive nazista feito pelo Christoph Waltz (não sei se já tinha ouvido falar nele antes), absolutamente perfeito, que rouba todas as cenas. Acho que ele exagera só um tiquinho quando diz “That's a bingo!”. - O Daniel Bruhl, que é aquele fofinho de Edukators e Adeus Lenin. Tá ótimo no papel de soldado alemão transformado em astro de cinema. Gosto de como ele é meio tapadinho, já que faz a sua virada ser ainda mais assustadora. E ainda assim é tipicamente masculina. Li um crítico, não lembro onde, dizendo que a dona do cinema flerta com o Daniel pra conseguir o que quer. Hello? Flerta?! Ela lhe dá patada após patada. Tem que ser homem pra ver paquera na atitude dela. Por falar nessa moça, na primeira vez ela não me impressionou tanto. Nem a personagem da judia vingativa nem a atuação da Melanie Laurent. Gostei mais da Diane Krueger (a Helena de Troia) como estrela e espiã. Mas também não a adorei. Não gosto de metade da cena no veterinário, onde alguém tem que ter a perna consertada. Isso de por o dedo na ferida, literalmente... Não é pra mim. É também o momento menos crível dos intérpretes. Mas antes, e depois, essa personagem da estrela é muito interessante. E o controle que ela tem na longa sequência da taberna é memorável. Mas não dá pra negar: a judia dona do cinema é praticamente a protagonista. Entendi e me identifiquei mais com seu personagem na segunda vez, e adoro como o Taranta homenageia Metrópolis no final, através dela (continuei sem gostar do Hitler, caricato demais. Eu tiraria quase todas as cenas dele).No fundo, a maior parte dos atores era desconhecida pra mim. Tipo o Eli Roth, que faz o Urso Judeu. Na vida real, ele é o diretor e roteirista de cretinices torture porn como Albergue. Mas gostei dele como ator. Tem um olhar psicopata.
Ah, e vocês reconheceram a voz do Samuel L. Jackson em duas narrações em off? E tem a voz do Harvey Keitel também no telefonema com o Brad.Enfim, era tanta coisa pra discutir que eu e o maridão tivemos um dos nossos papos-cabeça altamente intelectuais após a sessão:
Eu: “Quem é o ator que parece o Michael Rooker?”
Ele: “Quem?”
Eu: “O Michael Rooker, aquele de Retrato de um Serial Killer”.
Ele: “Não sei, o que ele faz no filme?”.
Eu: “É um que morre”.
Ele: “Você vai ter que ser um pouco mais específica”.
Eu: “Aquele fingindo ser nazista, que não gosta que toquem nele, e que lembra de ter sido chicoteado”.
Ele: “Ah, esse é o carinha que fez aquele filme. Aquele, vai, da indústria de cigarros”.
Eu: “Obrigado por Fumar?”
Ele: “Esse aí”.
Eu: “O Aaron Eckhart?”
Ele: “Isso”.
Eu: “Amor, não é o Aaron Eckhart nem que a vaca tussa. E não tem nada a ver com ele!”
Ele: “Claro que é! Só tá com um pseudônimo”.
Eu: “Aliás, ele parece é com o John Savage em Franco Atirador. Idêntico!”.
Ele: “Quem?”
Esse ator é o alemão Til Schweiger. Obviamente, nenhuma semelhança com o Aaron Eckhart (o bonitão que tem o rosto deformado pelo Coringa em Batman e vira o Duas Caras). Outro que me chamou muito a atenção foi um tal de Michael Fassbender, que faz o crítico de cinema inglês que tenta passar por nazista. Do jeito que ele parece um galã dos anos 40, podem esperar que vai fazer mais filmes por aí. E é talentoso também. E eu já disse lindo?
Essa cena da taberna, por sinal, me fez lembrar uma conversa que ouvi na locadora, vários anos atrás. Alguém que não conhecia a importância do Taranta foi pegar Cães de Aluguel. E devolveu o filme, revoltado, porque aquele bando não parava de falar da Madonna no começo do filme! Pois é, a marca registrada do Taranta não é tanto a violência, e sim os diálogos ahn, sobrenaturais (assassinos de aluguel falando de massagem nos pés, por exemplo). Em BI, só o Taranta pra incluir um joguinho praticamente inteiro de “adivinhe quem é a celebridade”. Mas a cena funciona!
Posso apostar que o Taranta montou uma apresentação pra muitos dos bastardos (os soldados americanos judeus recrutados pelo Brad pra matar alguns nazistas), e que só não a usou porque faltou espaço. Dizem que ele está bolando um prequel (um filme que mostraria a origem dos personagens). Material pra isso ele tem. Espero muito que ele faça um pré-bastardos.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

CRÍTICA: BASTARDOS INGLÓRIOS / Mais uma obra gloriosa do bastardo

Uma surpresa e Christoph Waltz, que rouba todas as cenas.

Fui ao cinema ver Bastardos Inglórios com meu olhar de esquilinho maníaco. Sabe, feliz da vida, sem conseguir conter um largo sorriso, com os olhos brilhando. Isso porque adoro o Tarantino e porque BI seria o primeiro filme dele que vejo em tela grande desde Kill Bill, Volume I, em Montevideu. Kill Bill 2 eu vi em Joinville, verdade, mas só semanas após vê-lo no computador. E seu último, À Prova de Morte, eu vi em Detroit, mas em dvd. E, como se o Taranta lesse minha mente, ele incluiu um esquilo no diálogo de BI, comparando esquilo com rato. Senti que foi uma homenagem mediúnica a mim.
Bom, isso foi na sexta, e devo confessar que gostei de BI, mas não adorei. Até pensei, ih, vai ser um Taranta que vou levar um tempinho pra aprender a amar, tipo Jackie Brown (que hoje amo de paixão). Aí fui ver de novo no domingo, e agora posso dizer com todas as letras que adorei. Digo até que estou ansiosa pra ir mais uma vez. E por isso não tenho paciência com pessoas tipo minha mãe, que disse que iria esperar minha crítica pra ver se valia a pena ver BI. Como assim, mami? É um legítimo Tarantino, pô! Quem ama cinema não pode pular um filme dele. Quero dizer, conheço os argumentos dos detratores: o carinha é muito violento, coloca um monte de referências, é tudo meio amoral, prefiro cinema europeu. E, no caso de BI, ainda por cima, ele comete o ultraje de deturpar a Segunda Guerra. Sim, tem bastante israelense reclamando que os personagens judeus de BI são movidos à vingança, numa tentativa revisionista de reescrever a história (falaram algo parecido de Munique). Sem dúvida, o filme reescreve a história. Mas é complicado ver BI com olhos mais sérios, esperando um documentário. Palavras como holocausto e resistência não vieram uma vez sequer a minha cabeça. Lista de Schindler? A gente tá falando de universos paralelos. Consciência moral, trauma? O Taranta não tá interessado nisso. BI não é baseado em fatos reais. A Vida é Bela também não é, e o Benigni até ganhou um Oscar (ok, melhor não falar nisso). BI é dividido em cinco capítulos (veja o trailer aqui), e achei essa divisão um tanto desnecessária. Mesmo na segunda vez que vi o filme, continuei gostando mais dos três capítulos finais que dos dois primeiros. Muita gente ama o primeiro, homenagem clara a Era uma Vez no Oeste misturado com Rastros de Ódio. Minha opinião sobre essa sequência é que ela é um pouco longa e fria demais. Não me fisgou completamente. Mas o que adoro nela é que ela frustra todas as nossas expectativas. O pai vai matar os nazistas? Os nazistas vão matar todo mundo na casa, não sem antes estuprar as meninas? E, lógico, como que essa matança toda vai acontecer? O cachimbo terá alguma importância, ou às vezes um cachimbo é apenas um cachimbo? Essas coisas. Prepare-se, porque não há um só elemento previsível em BI.
No fundo, quem vai esperando um filme de guerra pode se decepcionar, porque BI tá mais pra um faroeste noir de guerra, com pitadas da mais alta comédia. Mas é também um filme sobre a paixão pelo cinema. Como explicar sem entregar demais? Vejamos: entre os personagens, há um projecionista, uma dona de cinema, um crítico, e vários astros e estrelas. Além de muitos diálogos sobre filmes, o clímax se dá durante uma sessão. Taranta pinta o cinema como algo inflamável, com poder de fazer o circo pegar fogo (ele não gosta de cinema digital. Pra ele, tem que ser película. E reparem o jeito que ele encontra pra homenageá-la). Tem uma hora em que o Brad Pitt, na expectativa de presenciar um de seus homens bater num nazista com um taco de beisebol, diz: “É o mais próximo que temos de ir ao cinema”. Ou seja, BI é um metafilme. E um megafilme também, se me permitem o trocadilho infame. Não é a toa que o Hitler diz pro Goebbels, “Este é seu melhor filme”, ou que BI termine com um personagem olhando pra câmera e falando “Esta pode ser minha obra-prima”. E BI é sobre sotaques também. É falado em quatro línguas (inglês, alemão, francês e italiano), sem nenhuma concessão pra americano-preguiçoso-que-reclama-de-ler-legenda. Só o Taranta pra conseguir fazer um filme onde os personagens alemães são interpretados por atores alemães, os franceses por franceses, os americanos por americanos, e por aí vai. Uma atriz pergunta ao Brad se há alguma outra língua que eles, americanos, arranham, sabendo que essa pergunta é ridícula, porque tem aquela piadinha, né? (Como se chama alguém que fala várias línguas? Poliglota. E quem fala três? Trilíngue. E quem fala duas? Bilíngue. E quem fala só uma? Americano). A sequência mais hilária é quando americanos precisam falar italiano. E é nessa cena que toda a caracterização exagerada do Brad se justifica. É de chorar de rir (e olha, fazer o público gargalhar alto no meio de grande tensão não é pra qualquer um). O espião inglês (o belo Michael Fassbender) se fingindo de nazista chama a atenção por ter um sotaque alemão suspeito, não identificável. Num fórum, li que o alemão dele realmente é esquisito (eu não saberia, já que não falo nadinha). E alguém perguntou: esquisito como?, como um estrangeiro falando alemão com sotaque forte? E a pessoa respondeu: não, nada do tipo. É um alemão perfeito, mas esquisito como o John Malkovich falando inglês. Ah, tá!
Olha só, BI traz vários idiomas e sotaques, homenagens mil ao cinema, mistura de gêneros, diálogos intermináveis, e ainda closes esquisitos de objetos (como chantilly)... Pelo jeito, o Taranta fez um filme europeu. É o diretor americano mais bastardo que há.
Segunda parte da crítica de Bastardos Inglórios aqui.