domingo, 7 de março de 1999

CRÍTICA: A VIDA É BELA / A vida não é tão bela

Fui ver A Vida é Bela e, assim que as luzes se acenderam, tive uma reação meio alta. Comecei a gritar "Central! Central! Central", com algumas variações como "dá-lhe Central, dá-lhe Central, olê-olê-olá!". Enquanto o maridão fingia que não me conhecia, fiz umas reflexões sobre o filme italiano. Se você quiser saber quais foram, continue lendo.

Primeiro, gostaria de fingir que estou sendo justa e que a competição com Central do Brasil para o Oscar de melhor estrangeiro não afeta meu julgamento, mas acho que não convenceria ninguém. Só que não tem a ver com nacionalismo, trata-se de justiça cinematográfica. Central é infinitamente melhor.

Existe uma mórbida semelhança entre os filmes, como os dois terem personagens principais chamados Dora e Josué, ou ambos retratarem o cotidiano de um menino, ou (nos dias de hoje, isso é raro) não serem falados em inglês, ou cada um ter recebido uma penca de prêmios internacionais. Mas as coincidências terminam aí.

A Vida é Bela, como comédia, não faz rir. Tenta apelar para o riso fácil e só alcança sorrisos amarelos. Com o garoto, que é um ator sofrível, faz piadas na base do "oh, que gracinha!", só explorando a cara do pimpolho. Dizem que Benigni testou centenas de candidatos para o papel, e esse menino foi o melhorzinho?! Talvez o diretor devesse vir pro aeroporto do Rio e conversar com alguns engraxates, que foi como Walter Salles encontrou o nosso.

Certo, certo, evitando comparações. Logo em uma das primeiras gags, Benigni pergunta a um senhor qual sua corrente política, ao que o homem interrompe, dirigindo-se a seus filhos: "Benito! Adolfo! Fiquem quietos!". Esta é das poucas piadas inteligentes do filme, do tipo que o espectador ri para provar que entendeu a referência ao fascismo. Na sessão em que eu estava, ninguém riu. Depois, as piadas vêm tão ladeira abaixo como a bicicleta que Benigni pedala. Não sei porque alguns críticos mencionam Chaplin. Por exemplo, tem uma em que um homem põe um chapéu cheio de ovos na cabeça, e dê-lhe close do rosto sujo e enfezado. Engraçado? Sinceramente, eu preferia o humor mais sofisticado dos Trapalhões.

A cena da festa mais parece uma compilação dos piores momentos de Um Convidado Bem Trapalhão, mas eu me recuso a comparar Benigni com Peter Sellers. E a parte da escola, quando Benigni se disfarça de inspetor e vai discursar às crianças sobre a superioridade da raça ariana, é um total desperdício, embaraçoso até. Isso que é falar sobre o próprio umbigo.

Pra não dizer que não há cenas boas, há sim: três, pra ser mais exata. Uma é Benigni "traduzindo" do alemão para o italiano, se bem que também se torna um pouco repetitiva após alguns minutos. É legal, mas totalmente inverossímil. Eu ficava me colocando no lugar dos outros prisioneiros, que talvez quisessem saber das regras para poderem manter-se vivos. Outra é quando Benigni estende o tapete vermelho à namorada, e quando ele usa o alto-falante para declarar "Bom dia, princesa". Só.

O filme tenta agradar, mas é bastante kitsch, simplório, com uma musiquinha bonita e insistente permeando todas as ações. Uma das cenas finais parece feita sob encomenda para o público americano: um soldado dos Estados Unidos, bonito, barbeado, dentro de seu tanque novinho, salvando o mundo, ganhando a guerra. Como em Independence Day e Armageddon, só que desta vez a homenagem vem de um italiano.

A Vida é Bela é, sem dúvida, revisionista no seu tratamento da Segunda Guerra. O campo de concentração mostrado mais lembra um spa, já que ninguém come e o pessoal faz um monte de exercícios. Mal há nazistas, então todos ficam meio à vontade. Todos os horrores a que os judeus são submetidos acontecem fora das câmeras. Se você não tiver um pouco de memória, vai achar que o nazismo não foi tão cruel assim.

Entendo que muita gente deve gostar desta produção. Francamente, imagino que tenha muito mais a ver com o tema que com suas qualidades cinematográficas. Como o filme é (mezzo) sobre o Holocausto, é proibido falar mal. Sabe como é, trata de um desses temas maravilhosos que elevam a alma. Aí fica a pergunta: todo o filme sobre o Holocausto é bom?

Não, né? Assistir a A Vida é Bela me tornou mais otimista quanto ao Oscar. Antes de vê-lo, pensei que fosse invencível. Agora acredito que Central do Brasil tenha chances. A categoria de melhor estrangeiro não é tão democrática, não é invadida pelos cinco mil votantes de Hollywood, estes sim pieguinhas. Para votar neste grupo, os jurados devem provar que viram todos os cinco concorrentes. Logo, como que algúem neste pequeno comitê pode aclamar, em sã consciência, que Vida é superior a Central? O lobby é forte, mas a esperança é a última que morre.

Leia a resposta de um jornalista que detestou o meu texto e achou a Vida é Bela belo, publicado na Notícia alguns dias depois.

11 comentários:

Anônimo disse...

Nossa, Lola, você tem razão.
Este filme foi esquisito mesmo em vários aspectos...
[Ah, quanto a resposta a sua crítica, nunca vi uma resposta tão pedante, o cara falou, falou, falou, não disse nada e nem pareceu entender sua crítica... u.u' ...perda de tempo ler a resposta[?] dele.]

Olga disse...

Aaaaaah, puxa, eu gostei do filme... o discurso sobre a supremacia ariana, que você achou uma perda de tempo, eu achei super interessante. Como não rir (chorar) da supremacia de "uma autêntica orelha italiana"? E como evitar uma certa amargura quando o pai convence o filho de que o nazismo não existe simplesmente porque é ilogico e absurdo... afinal, nao faz sentido transformar pessoas em sabao ou em botões ("eis aqui um advogado!")!
E finalmente... você diz que não se pode falar muito mal de "a vida é bela" porque filmes sobre o holocausto sao meio intocaveis. Mas eu gostaria de lembrar que o filme foi também criticado na época justamente por ser um filme de comédia sobre o holocausto...

Em tempo: não concordo com a sua critica, achei "a vida é bela" bem bom. Mas também adorei o Central e a Fernanda, tendo inclusive me debulhado em lagrimas na cena em que ela passa batom so para descobrir que o caminhoneiro foi embora...

Anônimo disse...

Assisti "A vida é bela" numa passada pela sala quando liguei a televisão e achei o filme (por sorte) ainda bem no comecinho, não lembro o ano em que assisti, eu não conhecia a "história" do filme, acho que nem o nome..e fui assistindo...o humor bobo que não te tira gargalhadas mas que dá uma sensação de bem-estar fazendo graça de coisas simples e sem apelar pro lado cruel e preconceituoso que permeia a maiorira das coisas que "achamos graça" me fez bem. Era um filme leve e bom.... a parte da chave caindo do céu..(eu gostei....diferente dos que costumava assistir (eu assisto muita porcaria, ou assistia até perceber quão porcaria elas eram) mas o filme leve e bom foi morrendo e surgindo no lugar um outro filme dentro daquele e eu eu disse "ah, é sobre isso", mas não era só sobre isso (holocausto)era "sobre tudo aquilo" a vida daquelas pessoas que já daria um filme dentro de um filme maior, "dentro dos outros filmes de holocausto" e da bagagem que possuímos de tanto nos contarem essa história. Enfim...não era pra mostrar tanto horror como nós sabemos que foi, assim, não "melhorou a imagem do nazismo"..era mais sobre amor e um homem superando tudo com um humor puro, com mentiras puras, um louco, talvez..um corajoso...estamos em 2012 e eu não lembro muito da atuação da criança...eu lembro da atitude do moço, pai dela, pra mim ele resume o filme.

João Rodrigues disse...

ufa! eu achava que era a única pessoa que achava Central MUITO melhor que A Vida é Bela e também considero a atuação do Benigni canastrona e o humor sem graça. E não entendi muito bem a crítica do jornalista... ele se atém a falar da sua crítica e não demonstra de onde tira todos os elogios ao filme exceto citando referências a outras produções

Anônimo disse...

Lolinha,devo discordar de voce pelo menos agora. " A vida é bela" é um filme magnífico,mas ao mesmo tempo de uma simplicidade tanto no humor quanto em outros aspectos.

Anônimo disse...

eu precisava de uma resenha crítica do filme a vida é bela , destacando antissemitismo , a solução final , superioridade racial e a amizade . me ajuda por favor ?

Sandman -.- disse...

Será que você entendeu o filme?

Os animais, de forma geral, são seres acomodados por natureza. Dificilmente saem de sua zona de conforto, a não ser quando esta zona vai se aproximando do desconforto, seja um cachorro, um ser humano, ou um ornitorrinco. São poucos os que se destacam na multidão, que permanecem com um brilho no olhar, que se negam a simplesmente fazer parte do rebanho.

Guido Orefice (Roberto Benigni) é uma dessas excessões, que não se permite deixar levar pelos (distorcidos) valores vigentes. Guido não é um figurante em sua vida , ou alguém embalado por uma música. Ele faz as coisas acontecerem, é quem conduz a música, quem não se mantém passivo diante de qualquer situação.

Seu olhar é o olhar do artista, o olhar transformador: como diz o ditado, você pode simplesmente chupar os limões que a vida lhe atira, ou juntar gelo, açúcar e cachaça. Você pode encontrar seu "cavalo judeu" pintado de verde e ficar se lamuriando, ou usá-lo para que o torne um príncipe ao resgate de sua principessa. Todo o filme mostra essa tranformaçao da realidade, que antes de tudo é interna, para apenas depois mostrar seu reflexo na realidade concreta.

Algo que me chamou bastante a atenção, foi o cuidado com a cenografia, que assim como Guido, Dora (Nicoletta Braschi) e Giosuè (Giorgio Cantarini - excelente atuação), foge à realidade dura, à conformação. Ela reflete uma percepção íntima: talvez a forma que Giosuè Orefice encarava o mundo, e parte de como seu pai fazia com que o mundo lhe parecesse. O cenário do filme nao tenta parecer uma cópia fiel da realidade, ele causa uma sensaçao de que algo não está no lugar, mas é perfeitamente adaptado à realidade dos personagens principais, de como encaram a vida.

O filme me falou principalmente de entrega. Entrega à vida, ao amor, aos valores realmente importantes (isso deve variar de pessoa pra pessoa); de tornar cada dia único, nos atos que parecem gandes ou pequenos, porque no fim é a importância que você lhes confere que os torna maiores ou menores. É como se a todo momento o filme gritasse: Não seja mais um! Mas não entendamos errado o recado. Não se trata de fazer coisas que comumente se considera importantes. Não fala de ser o príncipe de uma nação mas, por exemplo, de ser o príncipe de seu principado, de sua princesa.

A entrega sincera não traz arrepedimentos, porque não espera reconpensa. Os "sacrifícios" de Guido, na verdade não são sacrifícios. Neles não há tristeza, sentimento de obrigação. Seus atos dizem respeito ao viver plenamente, com o que lhe é importante, com o amor por sua vida e pelo que e quem faz parte dela. É a todo momento expressão de felicidade, um ar que paira durante todo o filme, mesmo nos momentos mais tensos.

Me incomodou um pouco a imagem do americano à la Marlon Brando, com um inglês pronunciado perfeitamente, sorriso de orelha à orelha e um ar de super-herói equivalente ao de um Capitão América. Mas essa imagem até se justifica diante da imagem que os judeus deviam ter dos nazistas no campo de concentração.

Por sorte (para nós: telespoectadores), a cena final chega quase a acabar com esse estranhamento causado pelo personagem americano, trazendo para o filme a manutenção desse olhar intimista que começa com Guido e termina com Giosuè, trazendo a unidade desse olhar particular para o filme do início ao fim. Não é simplesmente uma fantasia, é mais uma perspectiva diferenciada.

A vida è bela? Não é uma pergunta para ser respondida (a Arte não busca respostas, busca reflexão. Enquanto a resposta é um fim, o questionamento traz continuidade). A vida simplesmente "é". O que faz diferença é como você encara as adversidades (oportunidades), e o que faz delas. Enfim: não seja gado, não se deixe levar pelo cotidiano cíclico e morno. Faça a diferença no mundo todos os dias, seja qual mundo for, ou o de quem for. E antes de tudo, não siga regras estabelecidas e estáticas (incluindo essas); não existe receita ou manual, existe o que faz bem e o que não faz . O que voce faz da sua vida?

Luccas O. disse...

Perfeita colocação. Acabei de rever pela terceira vez o filme e tava buscando outras percepções das que tive enquanto via. Sei que muito do que vi ainda há de reverberar, dialogar comigo um pouco, mas tava em busca de outras interpretações e/ou sentimentos de como o filme tenha "batido" em outras pessoas. Gostei do que disse! Abraço!

fra disse...

Seu texto é tendenciodo. Nota-se a clara mágoa de não ter um filme nacional ganhando um óscar. Perdeu a oportunidade de não escrever nada

Unknown disse...

Só fanatismo doente pode explicar a afirmação que a vida é bela é pior que central do brasil(que é um baita filme, concordo). 14 de cada 10 críticos vao dizer que vida bela é filme antológico e 100 vezes melhor. Veja de novo porqye você não entendeu os simbolismos (como o carro desgovernado no começo do filme, que tem um sentido mt profundo), ou mesmo as referências a gênios da arte mundial como chaplin e Dante(que alias o Benigni cita a Divina Comédia de cor dada a incrível cultura artistica dele). Vida é bela foi indicado ate por direção e roteiro original, ganhando direção com o próprio Benigni, e esse filme é infinitamente pior que central do Brasil que só foi indicado a filme estrangeiro? Pff estude um pouco mais antes de escrever uma bobagem desse tamanho. Abraço do Benigni pra você.

Unknown disse...

E só para acrescentar porque fiquei tao indignado que escrevi muito na pressa, a "MUSIQUINHA bonita e insistente"do filme ganhou melhor trilha sonora original. Ou a academia n entende nada de cinema por tudo que falei nesse e.no outro comentário, ou você nao entende.