O filme poderia ser ultra manipulador e fazer do milionário um vilão detestável e dos jovens nossos heróis românticos sem contradições. Mas não é o que acontece. Claro, a visão do ricaço me pareceu indefensável. Pra quê trabalhar tanto e acumular coisas que nem se tem tempo pra usufruir? Ele diz que é da natureza humana competir e querer juntar mais e mais. O mais legal é que um dia antes ouvi esse mesmo argumento de um amigo rico meu. Tal justificativa é das mais furadas, já que nada é natural, tudo é construído. Somos adestrados pra acreditar que o que martelam na nossa cabeça nasceu conosco. E o que é natural não pode ser combatido, uma grande falácia. Enfim, “Edukators” humaniza o ricaço a tal ponto que esta idealista pós-trinta sem cérebro mas com coração que vos fala até chorou em várias cenas. E, enquanto isso, o pouco de cérebro que me resta ficava pensando: como diachos o filme vai resolver essa sinuca de bico? Como se sair dessa sem bolar um final utópico ou piegas demais? O fim é um dos trunfos do roteiro por amarrar muitíssimo bem todos os temas.
“Edukators” usa a inteligência pra nos provocar enquanto brinca com nossos preconceitos, inclusive os cinematográficos. Por exemplo, tem uma hora que o ricaço some, e um dos jovens entra num quarto pra procurá-lo. Nossa imaginação nada fértil após tanta doutrinação hollywoodiana nos diz: pronto, agora o milionário nocauteia o revolucionário e foge. Nada disso. As provocações ideológicas vão mais longe ainda. Uma garota trabalha como garçonete num restaurante de luxo, onde é maltratada por uma elite asquerosa que acha que certo tipo de bebida só pode ser servida em certo tipo de taça. Até aí tudo bem, eu não conheço ninguém que não seja rico ou que não sonhe em ser rico que não odeie os ricos, então é óbvio que a gente se identifica com a mocinha. Mas quando ela sai do batente e usa sua chave pra arranhar um carrão, eu, que tenho um carrinho popular que odiaria ser arranhado, já não gostei. Sacou o drama?
Ah, outra qualidade. Até que, pra um filme de esquerda, “Edukators” não se acanha em falar de dinheiro. Assim: uma personagem bateu sem querer numa Mercedez. Ela calcula quanto vai precisar trabalhar pra saldar o prejuízo de cem mil euros. Dá oito anos. Imagina quanto tempo isso seria no Brasil, um país onde a distribuição de renda é muito mais desigual que na Alemanha. E por aí vai. “Edukators” é, no fundo, cinema de entretenimento. Mas também altamente educativo. Afinal, não é todo dia que um filme nos lembra que o coração é um órgão revolucionário.
4 comentários:
Revi o filme, busquei uma crítica interessante, deparei-me com a sua. Corri, Lola, corri. E a li. Agradavelmente bem escrita, agradeço e mando um abraço. JORGE
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Assisti o filme ontem, desde então tô lendo várias resenhas pra captar vários lados e interpretações diferentes (até porque não tenho amigos de várias vertentes ideológicas para depois bater um longo papo rs) A sua foi a que mais gostei; também fiquei apreensiva com medo do final ser tosco, mas em momento algum o filme me desapontou. Parabéns, vou virar frequentadora assídua do blog! (:
Adorei sua resenha! Gostei do "valores amorosos totalmente pequeno-burgueses". hahaha E concordo sobre ser um filme de entretenimento. E como disse, consegue ainda ser educativo. É um filme muito simples do ponto de vista das ideias e dos posicionamentos, mas não ao ponto de se tornar tolo. Apesar de tratar de assuntos complexos sem a complexidade necessária, com argumentos mais simples e pontuais, ele não chega a fazer simplismos. A segunda metade do filme foi a que mais me satisfez, com a humanização do executivo, e com o roteiro aparentemente muito mais fluido e espontâneo. Na primeira parte, houve alguns momentos em que notei falas e ações não tão inspiradas, e nos primeiros minutos, tive medo de que pudesse ser um filme ruim. Seus momentos de pouca inspiração - digamos -, no entanto, não chegam nem perto de serem tão toscos e simplistas quanto um filme francês que assisti ultimamente: La faute à Fidel (A culpa é do Fidel).
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