segunda-feira, 12 de abril de 2021

E O DIREITO DO HOMEM AO ABORTO?

A Marina me mandou este comentário:

Tenho lido frequentemente seu blog desde que o descobri, e venho assumindo cada vez mais uma postura feminista, de refletir e tomar posições contra ideias, atitudes, falas, etc que como você já escreveu, estão tão enraizadas em nossas vivências que muitas vezes não percebemos o quão machistas são.  
Antes do STF autorizar o aborto em casos de fetos anencéfalos, em abril de 2012, li uma matéria sobre a dificuldade de uma mulher de Recife em conseguir autorização para aborto de seu feto anencéfalo. O que mais me revoltou, além da não-autorização pela equipe médica do hospital (havia milhares desses casos antes da decisão do STF), foi saber que, dentre a documentação exigida para autorização do aborto, estava uma autorização por escrito do pai da criança. Eu não sabia disso e não consegui encontrar em lugar algum uma listagem do que é realmente necessário pra se fazer esse requerimento, em termos de documentos. 
Quer dizer, além de toda a dificuldade e violência velada contra essas mulheres, por parte da sociedade, religiosos e profissionais da saúde, imagino ainda existirem muitos casos de discordância entre o casal, e caso o homem não "autorize", nada de aborto. Fiquei pensando em como não li nada antes sobre isso, se isso realmente não é discutido, e como isso reforça o papel de submissão e de falta de liberdade da mulher.
Por mais que o bebê também seja filho de um homem, que envolve seu DNA, sonhos, planos, etc, é tão óbvio que a primazia de direitos e de escolha, sobre a do feto e a do homem, é da própria mulher! Fiquei estarrecida em saber dessa condicionalidade para o aborto, e quis saber sua opinião. Às vezes tenho receio de virar uma feminista um tanto extremista e não conseguir olhar outros pontos de vista. Afinal, poderia em algum momento ponderar se o homem não tem mesmo direito nenhum nessa história. 
O que você pensa?
Obrigada e parabéns pelo seu trabalho, além de muito esclarecedores e com um imenso potencial de promover uma transformação em nós, leitorxs, é sempre uma delícia ler seus textos!

Minha resposta:
Isso do direito do homem de ter um filho é sempre lembrado pelos conservadores. Entre os "pró-vida" dos EUA você vai encontrar milhares de homens que dizem que aquela jararaca maligna da ex-namorada ou ex-esposa engravidou e abortou o bebê que eles, homens, tanto queriam. 
Aí a gente volta pra realidade. E a realidade é: qual mulher em idade fértil na face da Terra não atrasou a menstruação e pensou "Estou grávida"? Quantas dessas mulheres contaram ao parceiro sua preocupação em estar grávida? Dessas que contaram, quantos homens responderam com "Oba, maravilha, era tudo que eu queria!"? Quantos fugiram? Quantos negaram ser o pai? 
Você acha que homens assim querem mesmo ter um filho? Olha o que eu retirei de um fórum misógino. 
Um mascu perguntou se camisinha funciona sempre. Outro respondeu: "Preservativo é eficaz contra a gravidez sim. Em caso de estourar, soca uma pílula do dia seguinte na vadia e deixa ela se arrebentar com essa porra, mas pelo menos você se preserva".
Um outro incel quis saber: "E se ela não quiser engolir a pílula? E se ela tentar dar o golpe da barriga e ganhar pensões absurdas?" (Ha ha, pensões absurdas! A pensão alimentícia é pro filho, não pra mulher, e geralmente varia entre 20% a 30% do salário
Quando o cara não tem emprego formal, a pensão é fixada com base no salário mínimo. Assim, a "pensão absurda" paga ao filho pode ser de 200 reais! E lembrando que mulher também
pode pagar pensão. Quem fica com o filho é quem recebe a pensão. Se o cara quiser ficar com o filho, ele pode cobrar pensão da ex. Mas ficar com o filho, quantos homens querem?).
O mascu segue ensinando seus "confrades" a como forçar o aborto, sem que a mulher saiba: "Eu sei que existe um hormônio de uso veterinário, compra em qualquer loja veterinária para fazendeiro, que é de uso tópico. Faz efeito apenas sobre a mulher. Então você deixa um potinho no bolso, joga na sua mão e toca a mulher em um ponto em que ela não pode ver, por exemplo, pega ela abaixo do cabelo, na nuca. Aí o medicamento é absorvido pela pele e aborta o feto".
Tenho certeza que esses caras que ensinam como dar remédio pra cavalo pra mulher abortar são contra o aborto. Acham que mulher deve ser presa ou morta por abortar. E, óbvio, defendem a pena de morte pra feminista que luta pela legalização do aborto.
Mas pensando em homens que não sejam completos lunáticos como os incels (que, convenhamos, não correm grande risco de engravidarem uma mulher -- tem que fazer sexo pra isso), há um monte que, mesmo sem ser misógino, não quer ser pai. Não naquele momento, pelo menos. Não sem planejar. 
Os números não mentem: há mais de 5,5 milhões de crianças no Brasil sem o nome do pai na certidão de casamento. Só no primeiro semestre do ano passado, 6,31% das crianças foram registradas sem o nome do pai, afirmam os cartórios. Foram 80 mil crianças que nasceram "sem pai" apenas até o meio do ano! Isso gera uma série de problemas. Um dos principais é que a criança será criada pela parte que já ganha menos (os talvez 20% que os homens têm que pagar de pensão alimentícia pro filho equivalem aos 22% que as mulheres ganham menos que os homens no país). 
No final de novembro, em SP, um rapaz de 28 anos foi preso por colocar pílulas abortivas na vagina da namorada, sem ela perceber ou consentir. Ela abortou. Para ela a atitude do ex foi uma surpresa, pois ele "estava acompanhando a gravidez normalmente". Mas a verdade é que isso não é nada incomum. Digite "homem preso por forçar aborto" nos sites de busca pra você ver.
Ah, vamos deixar de hipocrisia! Quantos homens a gente não conhece que pagaram o aborto pra parceira ou ex?
O que eu quero dizer é que essa ladainha dos "pró-vida" de que o sujeito foi impedido de realizar seu sonho de ser pai pela pilantra abortista não me convence nem um pouco. 
Mas sem dúvida deve existir um ou outro que queria que a mulher prosseguisse com a gravidez, e ela não queria. E aí? E aí nada, ué. O corpo é dela. A decisão é dela. Quer dizer, é e não é, pois o aborto é proibido neste país atrasado e obscurantista que é o Brasil. Mas a decisão deveria ser toda dela.
Geralmente, quando há um casal formado (lembrando que 65% das mulheres que abortam são casadas ou estão em relacionamentos estáveis; quase 8 em cada 10 já têm filhos) que engravida sem planejar (e a grande maioria de nós fomos gerados sem planejamento -- pergunte a seus pais), o casal conversa sobre se quer ter (mais) esse filho. A decisão muitas vezes é tomada em conjunto.
Porém, se houver discrepância nessa tomada de decisão, quem tem que decidir é a mulher. E é justamente isso que nós feministas defendemos: que as mulheres tenham o poder de decidir sobre o corpo delas. Parece bem simples, mas o controle do corpo da mulher é uma das bases do patriarcado há milênios.

23 comentários:

titia disse...

As elites dependem do controle do corpo da mulher, afinal, é desse controle que vem a mão-de-obra barata, a exploração do trabalho, o mercado consumidor e o gado para ordenha/abate. Por isso que as instituições não estão interessadas em mudar esse quadro, precisam manter a mamata. É por isso que mulher não pode dar mole: só transar com camisinha, se o safado tirar no meio do sexo (é crime) ou se atrasar pensão meter na cadeia sem dó, botar DIU, ir atrás de laqueadura com a lei de planejamento familiar na mão, exigir que o parceiro faça vasectomia, correr manipulador na porrada. Homem deve ser permanentemente banido de opinar no útero.

"O agente libertador emergente no Terceiro Mundo é a força não remunerada das mulheres que ainda não estão desconectadas da economia da vida pelo seu trabalho. Elas servem vida, não produção de mercadorias. Elas são o alicerce oculto da economia mundial e o equivalente salarial de seu trabalho vitalício é estimado em &16 trilhões.” (John McMurtry, The Cancer State of Capitalism, 1999)"

E é um homem dizendo isso.

https://qgfeminista.org/a-reproducao-da-forca-de-trabalho-na-economia-global-teoria-marxista-e-a-revolucao-feminista-inacabada/

Anônimo disse...

Até a pouco tempo o marido precisava autorizar a laqueadura. Nao sei hoje como esta isso

Natália Cibele disse...

Muito bom esse tema sobre o aborto trazido pela colega e o seu ponto de vista maravilhoso como sempre. Eu sou uma mulher que vivencio uma

Natália Cibele disse...

Situação inversa tenho desejo de ser mãe, porém tenho problemas de saúde que me atrapalham sou casada à quase cinco anos e sempre vem a cobrança vocês não têm filhos quando vão ter? Isso enche o saco é como se por eu ser casada sou obrigada ter filhos daí se conclui que assim como na questão do aborto a mulher também não tem o direito de escolher se quer ou não ou pode ser mãe.

Anônimo disse...

Mas a esposa precisa autorizar a vasectomia também, eu fiz particular e mesmo assim o plano de saúde e o médico exigiram assinatura da esposa.

Jane Doe disse...

Eu vou contar a história de ima querida amiga minha. Mulher nascida e criada em país de 1. mundo, estudada, poliglota, viajada. Alguém assim imagina-se que tenha superado na adolescência o sonho tolo do príncipe e a maternidade do comercial da pampers. Ela é a típica mulher que nao comsegue viver se não tiver um homem por perto, não importa o quanto traste é o cara. Pois bem. No fim da faculdade encontrou um subeito, qur na verdade, até que é decente considerado o que ela ja teve ao seu lado. Ele não parava de falar em casamento e filho. Queria a todo custo ter filho. Rla acabou a faculdade e foi fazer 6 meses de trabalho voluntário. Eles estavam juntos menos de um ano. Eles engravidaram. Ela se mudou com ela. Já na gestação ela notou que relacionamentos e gravidez não eram como na propaganda de margarina. Rla ouviu promessas que o parto seria algo mágico e encantado. Foi um tormento. Ambos então perceberam o tamanho da bucha que é ter um recém-nascido em casa. Ela esgotada com a situação pediu para ele fazer alguma coisa para alivia-la. A resposta do homem desesperado p. ter filho: Não é função do pai cuidar da casa e criar os filhos.
Agora ela está lá, desempregada, sem perspectiva de carreira, sozinha e com um bebê de 7 meses. Ele tem apenas a presença física. Mas no fim ela é uma "mãe solo"

Jane Doe disse...

continuando

Então não. No que.diz respeito ao que acontece no útero homem benhum deveria se meter. Opinião é como bunda - cada um tem a sua. E em casos de direitos reprodutivos feminino homens deveriam calar a boca e se recolher a sua insignificância.
Tem medo da "golpista"? E a camisinha, seu moço?
Para os homens é muito fácil. Mesmo quando fisicamente presente eles podem se recusar a ser pai. Ninguém vai abrir a boca para dizer nada. É quase um direito sagrado masculino se recusar cumprir sua parte na criação dos filhos e na manutenção do lar.
E eles não vão abrir mão disso
Por que deveriam? Eles tem todo o bonus e menos de 1% do ônus!
O mundo pertence aos espertos. Como cai levar pelo menos mais 500 anos pra mudar essa bucha, a única coisa que eu posso sugerir para as mulheres é CUIDADO! Pensem 1000x antes de casar, 100000x antes de ter filho e jamais seja financeira ou emocionalmente dependendo DE NINGUÉM.

Anônimo disse...

Quando fui colocar um DIU minha gineco me falou que se eu fosse casada precisava da autorização do marido. Interessante não?

Anônimo disse...

O texto fala em Primazia da mulher. E uma das comentaristas falou em “insignificância” dos homens, no caso, do pai.
Tá.
Mas creio ser importante salientar que essa primazia TEM DE ACABAR ALGUM DIA.
O feminismo dá tanto importância à mulher que esquece que, na família, tem outra pessoa, envolvida, além da mulher.
“Quem? O homem? Esse não tem importância!”
Tudo bem. Não, eu não estava falando do homem. Estava a falar do... filho ou filha.
Acho muito importante as feministas dizerem às mulheres que: filho/a não é um brinquedo da mãe; filho/a não existe para dar sentido à vida da mãe; nem para ser companhia para a mulher quando esta não sabe fazer amigos; nem complemento de aposentadoria; nem como guia de turismo e de entretenimento. Dizer também que o filho/a a partir de certa idade tem o direito de sair de casa; administrar o próprio dinheiro; escolher a própria profissão; morar na cidade ou no país que quiser; resolver sua vida sexual; resolver suas amizades. E que a mãe tem de aprender a cuidar da própria vida.
“Mas o filho/a não pode se defender da mulher?” Pode. Difícil, pois é simplicíssimo uma mulher ganhar uma briga emocional com um filho ou filha. É como o Anderson Silva dar uma surra em um bêbado de 80 anos, não tem mérito nenhum. Mas o filho/a pode se defender sim. Alguns levam décadas. Outros gastam muito com terapia. Outros nunca conseguem. Talvez nunca nenhuma feminista tenha visto uma mãe destruir emocionalmente os filhos. Eu já.
Algumas feministas se perguntam “homem serve para quê”. Tenho uma teoria. A sábia natureza fez com que filhos venham de dois. Por que, se fosse de um só, esse tenderia a engolir o filho/a como propriedade e posse própria, sem que daí saísse uma pessoa sã. O homem serve para observar, ver a mulher avançar, avançar, avançar, e a partir de certo momento ter a percepção de dizer “Parada aí. Você não tem o direito de exigir isso ou de dar essa ordem a nosso filho ou filha! Isso é direito dele ou dela, e eu defendo esse direito!”
Se o feminismo tiver alguma preocupação com filhos ou filhas, exigiria direitos e voz para os homens na criação das crianças e jovens. Isso se tiver.
Grato pela leitura.

Kasturba disse...

Eu tenho um amigo que é uma dessas exceções. Teve um um rolinho no carnaval, a mulher engravidou. Ela ligou pra contar e pedir dinheiro pra fazer o aborto. Ele disse que não, que era um absurdo, todo um discurso moralista e religioso, disse que iriam ter o bebê juntos e etc... no fim das contas, convenceu a moça a manter a gestação (ou talvez ameaçou denunciá-la, ou ela não conseguiu dinheiro pro aborto? Não sei exatamente como foi, só sei que tiveram esse bebê).
Hoje ele é um "excelente" pai: paga uma mixaria de pensão, visita a filha 1 vez por ano e enche o Facebook de fotos e declarações de amor para a menina...
Desse jeito é bem fácil ser contra o aborto, né?

Anônimo disse...

Nossa que história escabrosa, essa do homem que provocou o aborto da namorada inserindo pílulas abortivas. Podia ter sido pior, ela podia ter morrido. Deu até embrulho no estômago ao ler a história 🤢🤮

avasconsil disse...

Quanto mais a gravidez avança, mais difícil fica defender o aborto. Encontrei agora um artigo que diz que o começo da atividade cerebral do feto ocorre na 13a semana da gestação. A formação do sistema nervoso começa na 3a semana, com o tubo neural. E o feto só começa a sentir dor a partir da 24a semana. Ou seja, aquelas propagandas dos 100% pró-vida (eu não sou 100% pro vida, meu percentual é mais baixo... ), mostrando o sofrimento dos fetos pra sensibilizar, só fazem sentido a partir da 24a semana. Antes disso eles não sentem dor. Bom, como a atividade cerebral começa na 13a semana, acho que o aborto deveria ser descriminalizado até esse ponto da gestação. A partir desse ponto, tenho dificuldade pra concordar que a mulher tem toda soberania sobre seu corpo. O feto não é como os cabelos, as unhas, essas coisas que são extensões de um corpo. Um feto é um outro corpo. Com o começo da atividade cerebral, o feto merece proteção. Por entender que o começo da atividade cerebral é um acontecimento importante, não entra na minha cabeça que interromper a gravidez de um feto anencéfalo possa ser crime. Devia ser considerado um crime impossível, um fato atípico. A interrupção, nesses casos, não devia gerar nem a tipicidade. Quando estudei direito penal 1, isso foi quando? 1996, crime era definido como fato típico, antijurídico e culpável. Acho que a definição ainda é essa. Pois colocar fim na gravidez de um feto anencéfalo nem fato típico devia ser. E a mulher tem direito a entregar a criança que não queira criar pra a adoção. Está previsto na Lei 12010/2009, chamada de nova lei nacional de adoção. A entrega do bebê deve ser a uma vara da infância e da juventude. Vender crianças recém-nascidas é crime. Acontece bastante. Mas entregar pra a adoção não é. Texto sobre a Lei 12010/2009: https://www.google.com/amp/s/delas.ig.com.br/comportamento/2021-04-13/entrega-legal--uma-lei-que-nao-foi-pensada-para-as-mulheres.html.amp . Na Argentina o aborto deixou de ser crime até a 14a semana da gestação. Vai ver o texto que eu li sobre o início da atividade cerebral tá desatualizado. Enfim, falar em descriminalizar o aborto exige definir até que ponto ele deve ser possível sem ser crime. A lei argentina provavelmente adotou por critério o início da atividade cerebral. Sobre a necessidade da autorização do genitor do feto, não é mais direito penal. É direito civil. Se a mulher não for casada nem viver em união estável com o genitor (em 2017 o STF equiparou a união estável ao casamento), não deve ser necessária essa autorização. E estuprador, da licença, não deve ter direito a nada. O aborto de uma gestação decorrente de estupro pode ser feito a qualquer tempo da gravidez? Não sei a resposta. Depois vou pesquisar. Agora vou tentar dormir. Aqui um texto sobre a descriminalização do aborto na Argentina: https://www.google.com/amp/s/www.uol.com.br/ecoa/colunas/julia-rocha/2021/01/05/descriminalizacao-do-aborto-quem-esta-feliz-na-argentina-agora.amp.htm

titia disse...

Laqueadura e vasectomia, que são esterilizações definitivas, exigem a assinatura do cônjuge se a pessoa for casada. Já tem um projeto de lei circulando pra mudar isso, mas por enquanto ainda precisa. Se a pessoa for solteira, a lei diz que é preciso ter mais de 25 anos OU dois filhos vivos pra fazer a esterilização. Qualquer coisa que o médico diga fora disso é falso.

17:12 ele te enganou. DIU não é esterilização definitiva, não precisa da autorização de ninguém além da mulher. Só outro merdico querendo ganhar dinheiro nas costas das pacientes obrigadas a gestar e parir.

18:37 muito lindo seu comentário, fera, se não tivesse um pequeno detalhe: a maioria dos pais não está nem aí pros filhos. Não ligam nem se a criança corre o risco de morrer de fome, quanto mais se preocupar com o abuso emocional que o filho/filha sofre nas mãos da mãe. 5,5 milhões de crianças sem nem o nome do pai na certidão, todo dia notícia de criança estuprada/espancada/assassinada pelo pai, todo dia homem sendo processado pra pagar pensão, lei contra abandono afetivo saindo, e você quer idolizar os pais como os grandes protetores dos filhos contra as megeras das mães? Pffff. Vocês ficam cada dia mais patéticos, sério.

A situação é feia assim mesmo. Pra mim, a coisa mais revolucionária que uma mulher pode fazer por si mesma, pelo planeta e pela pessoa que seria seu filho ou filha nesse mundo machista é simplesmente se recusar a parir.

Kasturba disse...

Eu concordo com você. Vejo sim em muitos espaços feministas voltados a debater a maternidade, um ambiente em que mulheres são tratadas ou como seres infalíveis que sempre sabem o que é melhor para seus filhos, só fazem boas escolhas e nunca devem ser contestadas, ou como seres inimputáveis, que erram mas que não se pode nunca apontar esses erros, pois culpabilizacao materna é praticamente um crime hediondo. Nos dois casos, quem sofre as consequências são sempre os filhos.
Mães são seres humanos, e como tal, podem errar (e erram, obviamente). Algumas vezes querendo acertar, e algumas vezes até mesmo de maneira consciente (existem, sim, muitas mães negligentes, narcisistas, perversas, manipuladoras, psicopatas). Tão prejudicial quanto as expectativas irreais que mães são seres angelicais que abrem mão de suas vidas em prol de seus filhos e são felizes por isso (esse pensamento coloca um peso absurdo nos ombros de mulheres, que obviamente não conseguem alcançar esse ideal de perfeição), é o pensamento equivocado que devemos preservar mulheres mães de toda e qualquer culpa, e aceitar qualquer erro que cometam (esse pensamento coloca seus filhos em risco).

Kasturba disse...

Mas de toda forma, tudo isso vale somente para quando existe um filho, ou seja, depois da criança já nascida.
Antes disso, enquanto o que existe é um embrião/feto dentro do útero de uma mulher, aí a primazia da mulher tem que ser absoluta, pois é de seu corpo que estamos falando.
Qualquer coisa diferente disso seria reduzir o corpo da mulher a um objeto, uma incubadora a ser controlada pelo Estado.
Opinião e apoio do genitor daquele feto é bem-vindo quando solicitado. Mas a decisão final sobre o que fazer ou deixar de fazer com um feto que está dentro do útero de uma mulher deve ser incontestavelmente da mulher.

Jane Doe disse...

Anônimo 18:37, eu me refiro a insignificância masculina na decisão da mulher em manter a gestação ou não ou de como e quando controlar sua fertilidade. Pois no momento que o bebê nasce, é socialmente aceito que o pai, mesmo que vivendo no mesmo teto, se recuse a cumprir seu papel. Pais sacrificando suas vidas pessoais, seus interesses suas carreiras e seu tempo livro pra trocar fraldar, fazer papinha, dar banho, sentar pra fazer a tarefa são muito, mas muito raros.
Agora lógico, se debaixo do seu teto o sujeito vê abuso acontecendo e não faz nada é conivência. Aliás a grande crítica da minha parte é justamente a falta de atitude e envolvimento do genitor e a sacralização da genitora.
Uma coisa é uma mãe fazendo o seu melhor e na tentativa de acertar e erra. Afinal, ao contrário do que dizem, a maternidade não torna ninguém infalível ou portador de super poderes. Outra coisa é abuso.

E a Kasturba levantou pontos bem importantes. Meios de "maternidade feminista" de "mãezinhas empoderadas comedoras de placenta parto encantado amamentação 24/7/365 no slim em livre demanda pro resto da vida" parecem mais ninhos de escorpiões. Ai daquela gestante que escolher uma anestesia no parto, uma cesárea ou dar mamadeira.
É trágico saber que de quase todas as minhas amigas e primas que tem filhos vem desabafarem comigo - o demônio branco anti-esquerdo-comunismo que perdeu a fé no feminismo - pois eu não julgo uma mãe que está cansada, tentando seu melhor e dando todo o amor do mundo aos seus filhos. Eu nunca julgarei uma cesárea eletiva, a fórmula ou por que colocou pra dormir no berço pois precisa de 3 horas de sono. Eu as abraço forte e digo que elas são boas mães - coisas que as "super empoderadas" JAMAIS fizeram - delas vem só o dedo na cara, o julgamento e a sentença.

Então Anônimo 18:37. O que você se refere é na verdade um tabu que eu venho repetindo a anos, mas ninguém ousa a enfrentar: a parentagem responsável. Filhos não deveria ser objeto de status ou cura para vazios existenciais. Procriação deveria ser um ato de responsabilidade, de reflexão e de planejamento por parte de todos os envolvidos.
E se assim fosse, raramente estaríamos aqui debatendo sobre esse assunto...

Kasturba disse...

Avasconsil, eu entendo seu ponto, mas tenho uma visão diferente. Certamente um feto dentro de um útero não é a mesma coisa que um tumor, uma unha ou até mesmo uma perna.

Mas eu traço o seguinte paralelo: imagina uma pessoa A que precise de um transplante de medula para viver. Existe uma pessoa B compatível, que caso opte por doar a medula, vai salvar a vida da pessoa A. A doação da medula é um procedimento invasivo é incômodo, mas com pequeno potencial de causar danos permanentes a B. E com grande potencial de salvar a vida de A. Você acharia lícito obrigar a pessoa B a doar sua medula??
Veja, não pergunto o que seria certo do ponto de vista moral ou religioso, e sim se a OBRIGATORIEDADE da doação seria algo ético. Numa situação dessas, eu torceria muito pra B doar sua medula. Mas defenderia até o último recurso seu direito de não doar, caso essa fosse sua opção.
Vejo o aborto exatamente como essa doação. O feto precisa do "empréstimo" ou "doação temporária" do útero da mulher pra se desenvolver. Eu acho extremamente triste quando uma mulher resolve interromper uma gestação (assim como imagino que a maioria das pessoas), mas de toda forma, defendo categoricamente o direito da mulher de decidir se quer ou não "doar" seu útero pra salvar a vida daquele feto. E não acho que essa doação deva ser obrigatória, em nenhum momento da gravidez. Acredito que a soberania sobre seu corpo deve ser irrestrita, a qualquer momento.

Kasturba disse...

Agora, uma vez que eu sou a favor do direito de interromper uma gestação a qualquer momento, acho que deve ser feita uma discussão séria sobre COMO isso ocorreria...
A partir de determinado momento, o feto passa a ser considerado viável (ou seja, tem a chance de sobreviver fora do útero). Não sei exatamente quando, acho que é por volta da 21° semana de gestação.
Então o que eu acho é que, antes de ser viável, a mulher deve ter o direito a realizar um procedimento abortivo. Após o marco de gestação viável, aí não seria mais um aborto, e sim uma antecipação do parto, por escolha da mulher. E teria que ser realizado em um hospital, onde seria induzido um parto normal ou realizada uma cesariana, dando a oportunidade para esse feto sobreviver, com infraestrutura de UTI neonatal e o que mais fosse necessáriopara tal.

Kasturba disse...

Jane, eu realmente não acredito que exista algum homem que divida exatamente igual os cuidados com a prole com sua parceira. Nem os super feministas-desconstruídos, os super mentes-abertas, os super paizinhos-vírgula. Posso estar sendo injusta, mas até que me provem o contrário, não acredito que exista tal espécime no planeta. Certamente existem pais-solo e pais gays que não têm nenhuma mulher para explorar e por isso se responsabilizam inteiramente pelos cuidados com a criança, tal qual uma mãe comum faz. Mas sempre que existe uma figura feminina disponível (mãe, avó, tia, madrasta), o homem acaba se acomodando e deixando pra essa mulher a maior parte do trabalho.

Aqui em casa vejo isso de forma bem clara. Meu marido é excelente como pai (comparado aos "pais normais"). Quando está em casa, ele cuida do nosso filho perfeitamente bem e por iniciativa própria, sem que eu precise falar nada: alimenta, troca fralda, dá banho, brinca, leva pra passear, coloca pra dormir, etc... Exatamente como eu e toda mãe comum faz.
Mas quando surge alguma situação atípica, como por exemplo quando nosso filho fica doente e não pode ir pra creche, a diferença entre nossos comportamentos é gritante: ele olha a sua agenda do trabalho e me avisa quando não tem nenhum compromisso inadiável, como reuniões ou atividades presenciais, e se oferece para ficar em casa nesses períodos. Nos outros momentos, a responsabilidade de cuidar do filho é minha, independente dos MEUS compromissos inadiáveis. Porque, obviamente, eu que sou a mãe, então eu tenho e vou dar um jeito de ficar em casa com o filho doente, mesmo que isso signifique faltar aos tais compromissos inadiáveis.
Ele pode se dar ao luxo de se recusar a cuidar do filho em determinados momentos para não se comprometer no trabalho, porque sabe que eu vou estar disponivel nesses momentos, independente de qualquer outra coisa. Como se a responsabilidade fosse minha, e ele estivesse fazendo um grande favor em me ajudar quando pode. E ainda vai ser aclamado como "pai maravilhoso" e "marido exemplar" por isso... enquanto eu ainda vou ter que aguentar olhares tortos de chefes e colegas...

avasconsil disse...

O problema do transplante entre A e B é que os 02 são adultos. Obrigar a doação seria uma grande violação à liberdade individual. Se B fosse uma criança, ela poderia ser obrigada pelos pais a doar, mesmo que A fosse irmão ou irmã dela? Já deve ter acontecido na vida real. Se eu fosse pai de uma criança potencial doadora, entraria com uma ação pedindo autorização judicial pra a doação acontecer. Acharia o mais correto a fazer. Criança não é propriedade de pai ou de mãe. Ela tem os direitos dela. Já no abordo há a liberdade da mulher e a vida do feto, e de qual desses direitos deve prevalecer. O feto não pode fazer nada por si. E quanto mais a gravidez avança, mais ele vai se tornando uma pessoa. A partir de um certo ponto, quando o feto já atingiu um grau de desenvolvimento bastante pra sobreviver fora do útero, interromper a vida dele nem é mais aborto. Na minha cabeça ja é homicídio. Que pode acontecer por omissão de socorro hospitalar, se a interrupção for feita fora de um lugar sem condições de oferecer UTI neonatal. O homem não tem o direito ao aborto. A gente volta pra a questão de serem duas pessoas adultas. Um adulto não pode impor sua vontade a outro. Um homem que obriga uma mulher a abortar, ou a induz a abortar sem ela saber ou desejar, atenta tanto contra a liberdade da mulher como contra a vida do feto. Nessas alturas já me esqueci dos crimes do Código Penal. Mas acho que nessa hipótese haveria mais de um crime. Constrangimento ilegal e aborto? Eu acho que a lei argentina é uma boa lei. 14 semanas são muitas semanas. É bastante tempo pra pensar. Se a humanidade sobreviver até lá, devem conseguir criar um útero artificial biológico. Vai ter o coração biológico criado artificialmente. O fígado. Os rins. E o útero também. As crianças vão se admirar com a ideia de que antigamente as mulheres engravidavam. Até lá vamos seguindo neste planetinha azul que é uma poeirinha cósmica perdid@ num pedacinho dos muitos universos que existem.

avasconsil disse...

Acho que na hipótese da recusa da doação de B a A, pode haver omissão de socorro. Faz tanto tempo que não estudo isso. Mas lendo assim superficialmente, acho que se encaixaria na omissão de socorro. https://pt.wikipedia.org/wiki/Omiss%C3%A3o_de_socorro

titia disse...

Kasturba o feto é capaz de sobreviver fora do útero a partir dos sete meses (mal aí, sou antiga, uso meses ao invés de semanas) geralmente se tiver todos os cuidados de uma UTI neonatal.

avasconsil aborto depois dos três meses é perigoso para a mulher e quem quer abortar o faz dentro dessa janela. Nenhuma mulher que quer abortar vai esperar até a gestação estar de 5 meses, vai correr pra clínica na mesma hora em que descobrir. Abortos que acontecem depois desses três meses iniciais geralmente são procedimentos emergenciais necessários para salvar a vida de muma mulher. Ninguém que quer abortar vai esperar o feto desenvolver o cérebro para fazê-lo; isso é outro mimimi de "pró-vidista" pra vilanizar as mulheres que optam por interromper uma gestação.

Denise disse...

Não pode ser omissão de socorro, pois o B pode ser prejudicado se ajudar o A e o B tem seus próprios direitos e deveres, e seu dever não é prejudicar sua vida pelo A.